Secretaria da Saúde de São Paulo orienta funcionário a omitir falta de previsão de entrega de remédio

Questionada, pasta diz que medicamentos estão em fase de distribuição, remanejamento ou aquisição

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo determinou que os funcionários das farmácias não podem mais dizer aos pacientes da rede pública de saúde da capital que não há previsão de chegada de medicamentos que estejam em falta nas unidades.

Um email com essa determinação foi enviado em 15 de fevereiro, às 19h05, em caráter de urgência, assinado por uma gestora da pasta. A mensagem diz que o objetivo é evitar que esse tipo de informação apareça na imprensa.

"Orientar todos os profissionais das farmácias do município que não respondam aos usuários que não há previsão para recebermos determinado medicamento. Todos os itens ou estão no CDMEC [Centro de Distribuição de Medicamentos e Correlatos] ou em processos de compra em andamento. Não queremos mais que essa informação seja veiculada pela imprensa", diz o informe.

Ciircular enviada por uma gestora da Atenção Básica para orientar sobre informações a respeito de medicamentos
Circular enviada por uma gestora da Atenção Básica para orientar sobre informações a respeito de medicamentos - Reprodução

A nova regra surge em meio a uma série de reclamações de desabastecimento nas farmácias da rede pública de saúde.

A Folha teve acesso a uma cópia do email e confirmou o recebimento em cinco farmácias da rede pública, nas regiões leste, sul e norte da capital paulista.

Procurada, a Secretaria Municipal da Saúde afirmou que a orientação é para mostrar que não há falta de medicamentos sem previsão de entrega.

"Todos os medicamentos fornecidos pela rede municipal estão em fase de distribuição, remanejamento de estoque ou em processo de compra, portanto já provisionados ou em fase de reposição", diz trecho da nota enviada à reportagem.

No país, a compra de medicamentos é dividida entre as esferas governamentais. No caso dos básicos, a responsabilidade é das prefeituras. ​

Ao acessarem o sistema, os farmacêuticos que fazem a dispensação do remédio ao paciente só conseguem informações sobre o estoque, segundo uma servidora da farmácia de uma unidade de saúde na zona leste da cidade disse à reportagem.

A funcionária afirmou não ter acesso a informações como previsão de chegada ou status da aquisição do medicamento.

Por meio de nota, a Secretaria Municipal da Saúde explicou que, além dos dados de estoque, a equipe da farmácia local também consegue saber o consumo de medicamentos da sua unidade.

De acordo com o órgão, o munícipe também pode consultar a disponibilidade de estoque nas farmácias pelo aplicativo Aqui tem remédio.

Para o médico sanitarista Adriano Massuda, professor da Escola de Administração do Estado de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, a prática pode ser configurada como improbidade administrativa.

"Na medida em que você orienta os servidores a sonegarem informação da população, isso é improbidade administrativa passível de algum tipo de punição. Os órgãos de controle, como o Ministério Público, deveriam ficar em cima disso. O gestor deve informar a população com relação à real situação da administração pública", diz.

"É um absurdo mandar uma circular para esconder o problema debaixo do tapete. É melhor que a prefeitura haja com transparência e informe a situação de compra e abastecimento", afirma também.​

Imagem mostra uma mulher de cabelos curtos e roupas claras debruçada sobre o balcão da farmácia da AMA/UBS Integrada Água Rasa, na zona leste da cidade
Farmácia da AMA/UBS Água Rasa, na zona leste da cidade - Robson Ventura - 08.fev.2017/Folhapress

Há situações no processo de aquisição de medicamentos que podem impedir a gestão de prever a entrega e a dispensação. Entre elas, estão problemas com a licitação ou o fornecedor, como o descumprimento do prazo de entrega.

Também pode haver licitações desertas (sem nenhuma proposta) ou que descumprem exigências do edital, entre outros problemas.

Medicamentos em falta

A Folha questionou a Secretaria Municipal da Saúde a respeito de alguns medicamentos em falta na rede no momento da produção da reportagem, como o ácido fólico (em gotas ou comprimido), o AAS (ácido acetilsalicílico), a gliclazida, a sertralina e a rifabutina.

Especificamente na AMA/UBS Integrada Água Rasa, a reportagem presenciou pacientes não encontrarem amoxilina, ivermectina, omeprazol e levotiroxina.

A secretaria afirmou, em nota, que o ácido acetilsalicílico 100 mg encontra-se com estoque abastecido na rede, assim como a gliclazida e a sertralina —na unidade de saúde referida, a reportagem presenciou a farmacêutica dizer a uma usuária que a medicação continuava em falta.

A pasta também disse que há estoque de amoxicilina 500 mg e ivermectina 6 mg, ambos na apresentação de comprimidos.

Sobre o omeprazol 20 mg (cápsula), a Coordenadoria Regional de Saúde Sudeste solicitou o remanejamento do medicamento entre as UBSs da região para atender a demanda da unidade em questão.

O ácido fólico em gotas, de acordo com a pasta, tem previsão de entrega para 24 de fevereiro e na apresentação de comprimidos deverá ser disponibilizado nos próximos dias, assim como a levotiroxina —​nos dois últimos casos, a secretaria não deu uma data.

O órgão diz, ainda, que recebeu, em dezembro de 2021, mais de 867,5 milhões de unidades de medicamentos e insumos, com investimento total de R$ 116 milhões.

Em relação à rifabutina, a secretaria disse à Folha, em nota, que "aguarda repasse do Ministério da Saúde".

Questionado, o ministério explicou que a medicação não possui registro no Brasil e é adquirida via Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).

No final de 2020, a Opas comunicou que o único produtor mundial passaria por nova pré-qualificação pela Organização Mundial de Saúde e o seu fornecimento estaria suspenso até a regularização. Desde então, as secretarias estaduais e municipais de Saúde foram orientadas a utilizar o levofloxacino 500 mg em substituição à rifabutina.

De acordo com o ministério, no dia 24 de janeiro, foram entregues à Secretaria Estadual de Saúde de São Paulo 5.460 comprimidos do levofloxacino 500 mg, com cobertura até abril de 2022.

"Cabe esclarecer que a Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo deve solicitar o levofloxacino 500 mg diretamente à SES [Secretaria de Saúde]", diz trecho da nota.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.