Deltacron é rara e se assemelha à ômicron, dizem especialistas

Nova cepa do coronavírus ainda não demonstrou ser capaz de crescer exponencialmente

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Carl Zimmer
The New York Times

Cientistas alertaram nos últimos dias que um híbrido das variantes ômicron e delta do coronavírus tem aparecido em vários países da Europa. Veja o que é sabido sobre o vírus híbrido, que recebeu os nomes "frankensteinianos" de deltamicron ou deltacron.

Como foi encontrado?

Em fevereiro o cientista Scott Nguyen, do Public Health Laboratory, em Washington, estava estudando o Gisaid, banco de dados internacional de genomas de coronavírus, quando notou algo surpreendente.

Ele encontrou amostras colhidas na França em janeiro que pesquisadores haviam identificado como um misto das variantes delta e ômicron. Em casos raros, as pessoas podem ser infectadas por duas variantes simultaneamente. Mas quando Nguyen estudou os dados mais atentamente, encontrou indícios de que essa conclusão era equivocada.

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Em vez disso, lhe pareceu que cada vírus na amostra de fato portava uma combinação de genes das duas variantes. Cientistas descrevem esses vírus como recombinantes. Quando Nguyen procurou o mesmo padrão de mutações, encontrou mais possíveis vírus recombinantes na Holanda e Dinamarca. "Isso me levou a pensar que essas versões recombinantes fossem reais", ele disse.

Nguyen compartilhou suas conclusões no fórum online cov-lineages, onde cientistas ajudam uns aos outros a localizar novas cepas. Essas colaborações são essenciais para verificar possíveis novas variantes. Uma suposta variante recombinante delta-ômicron encontrada em Chipre em janeiro acabou revelando ser uma miragem resultante de trabalho laboratorial falho.

"Para comprovar que uma variante é real, são necessárias muitas provas", disse Nguyen.

Foi constatado que ele tinha razão.

"Naquele dia, corremos para checar o que ele suspeitava", contou o virologista Etienne Simon-Loriere, do Instituto Pasteur, em Paris. "E confirmamos em muito pouco tempo que era verdade."

Desde então, Simon-Loriere e seus colegas encontraram mais amostras do vírus recombinante. Eles acabaram obtando uma amostra congelada a partir da qual cultivaram novas versões recombinantes no laboratório, e agora estão estudando essas novas versões. Em 8 de março os pesquisadores postaram o primeiro genoma da versão recombinante no Gisaid.

Onde foi encontrada a nova variante híbrida?

Em comunicado atualizado em 10 de março, um banco de dados internacional de sequências virais notificou a descoberta de 33 amostras da nova variante na França, oito na Dinamarca, uma na Alemanha e uma na Holanda.

Como foi noticiado inicialmente pela Reuters, a empresa de sequenciamento genético Helix encontrou dois casos nos Estados Unidos. Nguyen disse que ele e seus colegas estão analisando algumas sequências de bancos de dados nos EUA, num esforço para localizar mais casos.

Ela é perigosa?

A ideia de um híbrido entre delta e ômicron pode soar preocupante. Mas há várias razões por que não é preciso entrar em pânico.

"Esta não é uma preocupação nova", disse Simon-Loriere.

Para começar, a versão recombinante é extremamente rara. Embora exista desde pelo menos janeiro, ainda não demonstrou ser capaz de crescer exponencialmente.

Simon-Loriere disse que o genoma do vírus recombinante também sugere que ele não representará uma nova fase da pandemia. O gene que codifica a proteína da superfície do vírus, conhecida como a proteína spike, vem quase inteiramente da ômicron. O restante do genoma é delta.

A proteína spike é a parte mais importante do vírus no que diz respeito à invasão de células. É também o principal alvo dos anticorpos produzidos através de infecção e de vacinas. Portanto, as defesas que as pessoas adquiriram contra a ômicron –por infecções, vacinas ou ambas— devem funcionar igualmente bem contra o novo vírus recombinante.

"A superfície dos vírus é supersemelhante à da ômicron, de modo que o corpo a reconhecerá tão bem quanto reconhece a ômicron", disse Simon-Lorière.

Cientistas suspeitam que a proteína spike singular da ômicron também seja parcialmente responsável pela probabilidade reduzida desta de causar sintomas graves. A variante a utiliza para invadir células no nariz e vias aéreas superiores, mas ela não funciona igualmente bem dentro dos pulmões. É possível que a nova variante recombinante tenha a mesma tendência.

Simon-Loriere e outros pesquisadores estão realizando experimentos para ver como a nova variante recombinante se comporta em placas de células. Experimentos com hamsters e camundongos trarão mais pistas, mas não trarão informações novas por várias semanas ainda.

"É tão recente que ainda não temos resultados", disse Simon-Loriere.

De onde vêm os vírus recombinantes?

As pessoas às vezes são infectadas por duas versões do coronavírus ao mesmo tempo. Por exemplo, se você vai a um bar superlotado onde há várias pessoas infectadas, pode respirar vírus de mais de uma pessoa.

Dois vírus podem invadir a mesma célula ao mesmo tempo. Quando essa células começam a produzir novos vírus, o novo material genético pode estar misturado e, potencialmente, produzir um vírus novo, híbrido.

Provavelmente não é incomum que coronavírus se recombinem. Mas a maioria desses embaralhamentos genéticos levará a um beco evolutivo sem saída. Os vírus contendo uma mistura de genes podem não ter desempenho tão bom quando seus ancestrais.

Estamos realmente chamando o novo vírus recombinante de deltacron?

Por enquanto, alguns cientistas estão chamando o novo híbrido de recombinante AY.4/BA.1. É provável que isso mude nas próximas semanas.

Uma coalizão de cientistas propôs um sistema para nomear formalmente as novas cepas de coronavírus que aparecem. Eles atribuem aos vírus recombinantes uma abreviação de duas letras começando com X. O XA, por exemplo, é um híbrido que surgiu em dezembro de 2020 de uma mistura da cepa alfa e outra cepa de coronavírus chamada B.1.177.

É provável que o novo recombinante de Nguyen receba o nome XD.

Mas esse processo ficou confuso em 8 de março, quando uma segunda equipe de cientistas franceses postou online um estudo com sua própria análise do mesmo recombinante. Como Simon-Loriere e seus colegas, eles isolaram o vírus. Mas no título de seu estudo, que ainda não foi publicado em um periódico científico, o chamaram deltamicron.

Nguyen criticou a equipe por não ter reconhecido a equipe de Simon-Loriere como responsável por compartilhar originalmente os primeiros genomas de vírus recombinantes. Também a criticou por ter proposto apelidos chamativos para o recombinante que foram imediatamente noticiados em reportagens na imprensa ou posts em redes sociais que alegaram que era fake news ou tinha sido produzido em laboratório.

"Esses nomes não convencionais estão suscitando uma tempestade de teorias conspiratórias", comentou Nguyen.

Resta a ver se o nome XD vai pegar.

Tradução de Clara Allain

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