Mortes ligadas ao álcool subiram 25% nos EUA durante pandemia

Estresse causado pela crise sanitária foi determinante para a elevação, dizem especialistas

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Roni Caryn Rabin
The New York Times

Quase um milhão de pessoas morreram de Covid-19 nos Estados Unidos nos últimos dois anos, mas o impacto completo dos danos colaterais da pandemia ainda está sendo calculado.

Agora um novo estudo reporta que o número de americanos que morreram de causas relacionadas ao álcool aumentou acentuadamente durante o primeiro ano da pandemia, com a desorganização de rotinas, desgaste nas redes de apoio e postergação de tratamentos.

O relatório surpreendente surge em meio à crescente compreensão de que o custo da Covid-19 vai bem além do número de mortes que a pandemia causou diretamente, e se estende às mortes adicionais causadas por doenças que ficaram sem tratamento no período e a uma disparada nas overdoses de drogas, além de a custos sociais como o atraso na educação e perda de pais e cuidadores.

Para superar o estresse da pandemia, estudo mostra que muitas pessoas passaram a consumir mais bebidas alcoólicas em casa
Para superar o estresse da pandemia, estudo mostra que muitas pessoas passaram a consumir mais bebidas alcoólicas em casa - Stefani Reynolds - 1º.mar.22/AFP

Numerosos relatórios apontaram que os americanos passaram a beber mais para lidar com o estresse da pandemia. O consumo compulsivo de álcool aumentou, assim como o número de visitas a prontos-socorros, por conta de sintomas de privação de álcool.

Mas o novo relatório descobriu que o número de mortes relacionadas ao álcool, o que inclui fatalidades causadas por doenças hepáticas e acidentes, disparou, subindo de 78.927 em 2019 a 99.017 em 2020, uma elevação de 25% no número de mortes em apenas um ano.

Isso se compara a um aumento anual de 3,6% no número de mortes relacionadas a álcool entre 1999 e 2019. O ritmo de alta no número de mortes começou a subir nos últimos anos, mas em 2019 a alta foi de apenas 5% com relação a 2018.

O estudo, conduzido por pesquisadores do Instituto Nacional de Abuso do Álcool e Alcoolismo, parte dos Institutos Nacionais de Saúde americanos, foi publicado na sexta-feira (18) pelo The Journal of the American Medical Association.

Usando informações de atestados de óbito, os pesquisadores incluíram todas as mortes nas quais o álcool foi mencionado como causa subjacente ou contributiva —apenas um pequeno número de óbitos envolvia também a Covid-19.

"A suposição é de que existem muitas pessoas que estavam em recuperação e tiveram reduzido seu acesso a sistemas de apoio no segundo trimestre daquele ano, e passaram por recaídas", disse Aaron White, o autor principal do relatório e consultor científico sênior do instituto.

"O estresse é o fator primário nas recaídas e não existe questão de que houve alta forte no estresse reportado por pacientes, e nos indicadores de ansiedade e depressão, bem como incerteza em todo o planeta sobre o que aconteceria a seguir", ele afirmou. "Isso representa uma pressão muito forte sobre pessoas que estão tentando manter uma recuperação".

Pessoas em um bar com suéteres com desenhos de Natal
Pub decorado para o Natal em Nova York - David Dee Delgado - 11.dez.2021/Getty Images/AFP

Entre os adultos de mais de 65 anos, o número de mortes relacionadas ao álcool superou o de mortes por Covid-19 em 2020; 74.708 americanos dos 16 aos 64 anos morreram de causas relacionadas ao álcool enquanto 74.075 indivíduos de menos de 65 morreram de Covid-19. O ritmo de alta no número de mortes relacionadas ao álcool em 2020 —25%— superou o de alta de fatalidades associadas a todas as causas, que foi de 16,6%.

As mortes relacionadas ao álcool subiram para todos os grupos —homens, mulheres e para todas as divisões étnicas e raciais. As mortes entre homens e mulheres subiram mais ou menos no mesmo ritmo, mas o número absoluto de mortes entre os homens foi muito mais alto.

As mortes por overdose de drogas também atingiram um nível recorde durante a pandemia, com mais de 100 mil americanos mortos de overdose no período de 12 meses encerrado em abril de 2021, quase 30% a mais do que o registrado no período de 12 meses encerrado em abril do ano anterior, de acordo com relatórios divulgados em novembro. O número de mortes associadas a opioides nas quais o álcool também desempenhou um papel cresceu, igualmente.

Os adultos dos 25 aos 44 anos registraram a maior elevação no número de mortes relacionadas ao álcool em 2020, uma alta de quase 40% ante o ano anterior, de acordo com o novo relatório.

Os dados disponíveis para 2021 indicam que as mortes relacionadas ao álcool continuaram elevadas, disse White, mas ele acrescentou que era difícil dizer se isso indicava uma continuação da tendência porque o consumo de álcool e o número de mortes em geral cai em fevereiro, depois das festas, e em seguida volta a crescer.

"Pode ser que os números voltem a cair. Ou pode ser que estejamos diante da nova norma", ele disse.

A crise já vinha se intensificando já há alguns anos, porque o consumo de álcool entre os adultos estava em alta apesar de seu uso pelos adolescentes ter caído, disse Katherine Keyes, professora de epidemiologia na Universidade Columbia, que não participou do estudo.

Os problemas de saúde mental também estavam passando por um momento de crescimento antes da pandemia, o que torna as pessoas mais suscetíveis ao abuso de substâncias.

"Como no caso de muitos dos resultados associados à pandemia, tivemos uma exacerbação de questões que já estavam começando antes da pandemia, para muitas pessoas", disse Keyes.

"O consumo de álcool vinha crescendo há 10 ou 15 anos entre os adultos, e a tendência se acelerou em 2020, com a mudança de algumas das motivações para beber. O consumo de álcool causado por estresse aumentou, e o consumo de álcool por tédio também cresceu".

Adultos dos 20 e poucos aos 40 e poucos anos que têm filhos e moram com eles estavam sob estresse mais forte, tentando conciliar o trabalho remoto e o aprendizado; os que não têm filhos, e em geral já costumam beber mais, de qualquer forma, podem ter tido de lidar com sentimentos mais fortes de isolamento e solidão.

E quando as pessoas bebem em casa, ela apontou, não existe um bartender que monitore o tamanho da dose —"a capacidade de regular a quantidade que está sendo colocada no copo é menor", ela disse—, e beber também é mais barato.

As vendas totais de álcool nos Estados Unidos cresceram 2,9% em termos de volume em 2020, ante o ano anterior, a maior alta anual de vendas desde 1968, de acordo com White.

Ele apelou por novas abordagens quanto ao vício que ensinem as pessoas a lidar com o estresse de uma maneira mais produtiva.

"Estamos entrando em uma era de saúde pública na qual falamos mais sobre promover o bem-estar e construir pessoas mais resilientes", ele disse. "O que estamos fazendo agora não é suficiente. Precisamos ajudar as pessoas a viver vidas significativas e a terem propósitos".

Tradução de Paulo Migliacci

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