Diretora da Anvisa quer prorrogar mandato e impedir nomeação de assessor de Queiroga

Cristiane Jourdan Gomes deve ir à Justiça para ficar até 2025; governo avalia que mandato termina em julho

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Brasília

A médica Cristiane Jourdan Gomes, diretora da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), tenta prorrogar o seu mandato no órgão regulador no momento em que o governo trabalha para emplacar no mesmo cargo o advogado Daniel Meirelles, assessor do ministro Marcelo Queiroga (Saúde).

A ideia de Gomes é só deixar a agência em 4 de novembro de 2025, apesar de o fim de seu mandato estar marcado para o próximo dia 24 de julho.

Ela argumenta que o governo errou ao interpretar a nova lei das agências reguladoras e fixar o tempo de sua gestão.

O ministro da Saúde, Marcelo Queiroga - Sergio Lima/AFP

Gomes chamou o caso de "aberração jurídica". Ela ainda aguarda uma resposta da AGU (Advocacia-Geral da União) ao questionamento que fez sobre o seu tempo de mandato.

Se não for atendida, diz planejar ir à Justiça. "Vou judicializar. E é claro que a judicialização não é garante [a mudança no mandato], mas coloca em evidência os fatos dentro de um processo legal", disse ela à Folha.

Já Meirelles foi sugerido por Bolsonaro ao cargo de diretor da Anvisa na segunda-feira (4), dentro do pacote com 21 indicações para agências e autarquias.

Nesta terça-feira (5), a CAS (Comissão de Assuntos Sociais) do Senado aprovou o nome de Meirelles em sabatina atípica, sem nenhuma pergunta feita ao candidato.

Em 2020, quando era diretor-adjunto na ANS, Meirelles participou do processo de contratação para a agência de uma filha de Braga Netto, ex-ministro da Defesa e possível candidato a vice-presidente na chapa de Bolsonaro.

Após repercussão negativa, o processo de contratação foi interrompido.

O Sinagências (Sindicato Nacional dos Servidores das Agências Nacionais de Regulação) havia questionado o governo quanto ao possível nepotismo cruzado. Isso porque Daniel Meirelles é irmão de Thiago Meirelles, à época secretário-executivo da Casa Civil, pasta que estava sob comando de Braga Netto e que daria aval à contratação.

O irmão do advogado hoje atua no Planalto como subchefe de Articulação e Monitoramento.

Meirelles ainda precisa ser aprovado pelo plenário do Senado e nomeado por Bolsonaro para chegar à Anvisa. Ele só deve assumir o cargo depois do fim do mandato de Gomes, ou seja, em julho, pelas regras atuais.

Em dezembro, a pedido da diretora, a procuradoria da Anvisa elaborou um parecer defendendo "reparos" no decreto da nomeação para prorrogar o mandato até novembro de 2025.

O órgão ligado à AGU afirma que o mandato de Gomes deveria ser de cinco anos. A interpretação atual é de que ela deveria ficar na agência apenas durante o tempo que restava do mandato de Antonio Barra Torres, que deixou em 2020 uma cadeira de diretor para se tornar presidente da agência.

Barra Torres chegou a enviar o parecer de Gomes para a Casa Civil e pedir a revisão do tempo de mandato da diretora.

O texto que defende a prorrogação do mandato de Gomes, porém, causou mal-estar na Anvisa. Os demais diretores não conheciam e não aprovaram o parecer em reunião colegiada, ou seja, o documento não se tornou uma posição institucional da agência.

A chance de mudar o período de mandato de Gomes ainda levantou dúvida sobre como os demais diretores seriam impactados.

Isso porque há uma regra de "não coincidência de mandatos" na nova lei das agências, que poderia forçar que outros diretores deixassem o órgão regulador mais cedo do que o previsto.

Gomes afirma que não provocou a discussão sobre o período de mandato dos demais diretores. "É uma interpretação feita a quem interessa. O parecer é restrito ao pedido de retificação do meu prazo de mandato", disse ela.

A médica comanda a diretoria da Anvisa responsável pela análise de agrotóxicos, produtos para a saúde, cigarro e cosméticos.

Integrantes da Anvisa e do governo apontam que o líder no governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), apoia a ampliação do mandato de Gomes, o que ela nega.

"Não é meu apoiador. É uma pessoa que admiro muito, com relação à atuação política, um grande político, talvez um dos maiores políticos da atualidade. Não é meu apoiador. Meu apoiador é Deus", disse a diretora.

Em fevereiro de 2021, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Barros falou em "enquadrar" a Anvisa diante de demora no aval para as vacinas contra Covid.

A Anvisa passou a ser vista como uma barreira ao governo pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). Ele chegou a ameaçar expor nomes de servidores da agência que atuaram na liberação da vacina da Pfizer para crianças. Ainda sugeriu que havia interesses na aprovação de imunizantes contra o coronavírus.

Em resposta, Barra Torres cobrou retratação do presidente.

Gomes foi militante da fosfoetanolamina, a "pílula do câncer", e, antes de entrar na Anvisa, compartilhou publicações nas redes sociais em defesa de medicamentos como a hidroxicloroquina.

Na agência, não defendeu publicamente os tratamentos sem eficácia e apoiou reações do órgão regulador aos ataques de Bolsonaro. As chances de Gomes conseguir ampliar o mandato são consideradas pequenas por integrantes do governo.

Todos os cinco diretores atuais da Anvisa foram indicados por Bolsonaro, ainda que a agência hoje seja vista pelo mandatário como inimiga política.

Em 2021 o governo ainda desistiu de duas sugestões à Anvisa, entre elas Roberto Dias, que acabaria mais tarde sendo exonerado do cargo de diretor de Logística do Ministério da Saúde, em meio a apurações sobre supostas irregularidades na compra de vacinas.

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