Descrição de chapéu The New York Times AIDS

Agência de medicamentos dos EUA autoriza calcinha protetora para sexo oral

É a primeira vez que uma roupa íntima ganha essa classificação, criando uma nova opção de prevenção a infecções

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Pam Belluck
The New York Times

Esta é uma história sobre infecções, sexo e roupa íntima. Mais especificamente, é sobre infecções sexualmente transmissíveis, sexo oral e calcinhas ultrafinas, superelásticas e de sabor baunilha.

A FDA (Food and Drug Administration) autorizou as calcinhas a serem consideradas proteção contra infecções que podem ser transmitidas da vagina ou do ânus durante o sexo oral. É a primeira vez que uma roupa íntima ganha essa qualificação.

As calcinhas fazem parte de uma área da saúde sexual que é insuficientemente estudada, mas importante, em que as poucas opções de proteção disponíveis são vistas como incômodas e quase nunca são usadas.

Casal se abraçando
Shelly, uma enfermeira do estado de Washington, decidiu experimentar a calcinha porque ela e seu noivo, Ashton, estavam tendo problemas para voltar a praticar sexo oral após um câncer - Jovelle Tamayo/The New York Times

"O sexo oral não é totalmente isento de riscos", disse a Dra. Jeanne Marrazzo, diretora da divisão de doenças infecciosas da Universidade do Alabama em Birmingham. Ela disse que a necessidade de métodos de proteção vem ganhando importância porque mais "adolescentes vêm iniciando sua primeira atividade sexual com sexo oral". Segundo ela, para pessoas de todas as idades, uma barreira protetora agradável de usar "pode reduzir a ansiedade e aumentar o prazer ligado a esse comportamento em particular".

Segundo os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), doenças infecciosas como herpes, gonorreia e sífilis podem ser transmitidas pelo sexo oral. O risco de transmissão do HIV da vagina por meio de sexo oral é considerado muito baixo, disse o CDC. Mas o HPV, ou papilomavírus humano, é mais facilmente transmissível dessa maneira, e infecções de boca ou garganta decorrentes de alguns tipos de HPV podem evoluir para câncer oral ou de pescoço, disse a agência.

Imagem em close mostra as mãos de duas pessoas segurando e esticando uma calcinha
A FDA autorizou a calcinha de látex como proteção contra a transmissão de DSTs durante o sexo oral - Jovelle Tamayo/The New York Times

A frequência com que as pessoas transmitem infecções dessa maneira não está clara e é difícil de estudar, porque a maioria das pessoas que fazem sexo oral fazem sexo vaginal ou anal no mesmo encontro, disse o Dr. Kenneth Mayer, diretor de pesquisas médicas do centro comunitário de saúde Fenway Health, no Massachusetts, que atende principalmente pacientes que se identificam como LGBTQIA+.

"A autorização deste produto pela FDA oferece às pessoas outra opção para se protegerem contra DSTs durante o sexo oral", disse Courtney Lias, diretora do setor da FDA que encabeçou a revisão da calcinha protetora.

O único produto previamente autorizado para oferecer proteção durante o sexo oral era uma chamada "dental dam", ou barreira bucal —uma folha de látex fina e retangular (ou às vezes de poliuretano) que normalmente precisa ser mantida em posição com as mãos para formar uma barreira entre a boca e os genitais.

Como sugere o nome, a barreira bucal, inventada em 1864 e feita originalmente de borracha, foi criada para isolar dentes durante procedimentos odontológicos. Mas a crise da Aids levou à preocupação com a transmissão sexual de infecções, e no início dos anos 1990 uma firma australiana, Glyde Health, criou uma barreira bucal inspirada principalmente pelas preocupações de mulheres que fazem sexo com mulheres, conforme disse um representante da companhia.

Não há muitos dados sobre a frequência de utilização da barreira, mas um estudo feito em 2010 com 330 mulheres australianas que fizeram sexo com mulheres constatou que apenas 9,7% delas disseram ter usado a barreira bucal alguma vez e apenas 2,1% afirmaram usá-las com frequência. Um estudo do CDC em 2021 descobriu que o uso de barreiras bucais e outros métodos de sexo seguro é infrequente entre mulheres que fazem sexo com mulheres.

As barreiras bucais são vendidas online e em sex shops, mas não são encontradas amplamente em farmácias, e geralmente custam mais que camisinhas. A página da CDC na internet sobre barreiras bucais mostra como cortar uma camisinha para fabricar uma barreira bucal, mas essa ideia tampouco parece ter ganho popularidade.

"Muitas pessoas relatam que usar barreira bucal é incômodo, desajeitado e tira todo o prazer do sexo oral, tanto para quem dá quanto para quem recebe", disse Chris Barcelos, professora adjunta de estudos de mulheres, gênero e sexualidade na Universidade de Massachusetts em Boston. "Elas são ainda mais odiadas que as camisinhas."

Melanie Cristol teve a ideia de criar uma calcinha que atuasse como barreira bucal depois de passar sua lua de mel no México com sua então esposa, em 2014. Cristol, que na época era advogada corporativa, descobriu que tinha uma infecção que podia ser sexualmente transmitida.

Percebendo como eram limitadas as opções de proteção, ficou "superdesanimada", ela contou, recordando que quando foi educadora sexual na faculdade e mencionou barreiras bucais, "as pessoas olharam como se eu fosse louca".

"Eu queria me sentir sexy e autoconfiante, queria usar alguma coisa que fosse feita para meu corpo e para fazer sexo", ela explicou.

Em 2018 ela abriu uma empresa que começou a vender calcinhas descartáveis para "pessoas com vulvas". Ela deu o nome Lorals a seu produto, em parte porque o som do L "evoca palavras como ‘love’ e ‘lust’ [amor e tesão, em inglês] e lembra um pouco o movimento que você faz" durante o sexo oral.

Imagem em close mostra a mão de uma pessoa segurando uma embalagem no formato quadrado escrito: Lorals
Melanie Cristol deu o nome Lorals a seu produto, em parte porque o som do L “evoca palavras como ‘love’ e ‘lust’ [amor e tesão, em inglês] e lembra um pouco o movimento que você faz” durante o sexo oral - Jovelle Tamayo/The New York Times

Disponível na versão biquíni ou shortinhos, a calcinha é feita de látex tão fino quanto o material de que são feitas camisinhas. Ela veda a parte interna das coxas para impedir o vazamento de fluidos, disse Cristol. A empresa promove seu uso por uma série de razões, incluindo quando a mulher está menstruada, quando um parceiro tem a barba áspera ou quando uma pessoa viveu traumas no passado e não quer se expor demais.

Cristol disse que, em resposta ao feedback de consumidores, a empresa reduziu a intensidade do sabor baunilha, acrescentou mais amido de milho para reduzir a viscosidade e vai introduzir uma versão transparente, além da versão atual, que é preta e opaca.

Na quinta-feira a empresa vai começar a vender calcinhas explicitamente para proteção contra infecções. Segundo Cristol, elas serão semelhantes a seus outros produtos, mas atenderão aos padrões de uniformidade mais rigorosos exigidos para a autorização do FDA.

"O interessante é que a empresa basicamente erotizou a proteção, algo que os fabricantes de camisinhas vêm tentando fazer há anos, sem muito sucesso", disse Marrazzo.

A FDA disse que não exigiu ensaios clínicos humanos, mas, como faz com camisinhas, autorizou a Lorals depois de a empresa ter apresentado documentação extensa sobre a espessura, elasticidade, força e outras características do produto. No último ano a FDA também licenciou duas outras empresas que produzem barreiras bucais, fato que talvez sugira um aumento de interesse por parte dos consumidores.

Casal posando pra foto abraçado
Shelly e Ashton disseram que as calcinhas os ajudaram a experimentar o sexo oral novamente, e o sabor de baunilha era “como se você estivesse comendo um biscoito” - Jovelle Tamayo/The New York Times

Duas usuárias das calcinhas Lorals, cujos dados de contato foram fornecidos pela empresa e que pediram para ser identificadas apenas por seus primeiros nomes devido à delicadeza do assunto, descreveram vários motivos que as levaram a usar a roupa íntima.

Wisty, 28 anos, que se identifica como pansexual, já fez sexo com homens e mulheres e usa o pronome neutro (they/them), disse que as calcinhas são "uma solução que eu não sabia que precisava".

Residente na região de Boston, dançarina e praticante da cura energética reiki, Wisty disse que tem herpes simples, uma infecção comum que em casos raros pode provocar condições inflamatórias graves. "Eu queria encontrar alguma coisa que me facilitasse impor os limites que desejava", disse Wisty. "Queria poder explorar e curtir minha sexualidade e ao mesmo tempo ter a tranquilidade e segurança de saber que estou protegida contra o risco de meus fluidos se espalharem."

Shelly, 29 anos, enfermeira no estado de Washington, contou que viu as calcinhas no TikTok num momento em que ela e seu noivo, Ashton, estavam tendo dificuldade em voltar a praticar sexo oral depois de um câncer que necessitou cirurgia reconstrutiva ter modificado a mobilidade da língua de Ashton e sua capacidade gustativa. Depois do tratamento contra o câncer, o sexo oral, que no passado havia sido a atividade sexual favorita deles, fazia Ashton sentir que estava engasgando, e eles não o praticavam havia quase dois anos.

"Era uma coisa tão importante, que Ashton curtia muito mais que sexo penetrativo ou qualquer outra coisa", contou Shelly. Sem fazer sexo oral, ela contou que sentira "muita insegurança, pensando que ele talvez tivesse perdido o interesse" por ela.

Ela encomendou a calcinha "e passamos umas duas horas só olhando para ela", disse Shelly. "Pensamos, ‘o que é isso? Tem cheiro de baunilha. Estica ao infinito. O que é isso?’."

O uso da calcinha durante o sexo oral funcionou muito bem, contou Shelly. Ela disse que mal sentiu a calcinha e que Ashton informou que a textura era semelhante à da pele e o sabor era "como um cookie".

Shelley disse que aprecia a proteção contra infecção, porque Ashton provavelmente é vulnerável a cânceres que podem ser provocados por infecções sexualmente transmissíveis.

A experiência sexual foi especialmente importante, ela disse. "Achei que eu nunca mais voltaria a sentir aquilo. E ele ficou superentusiasmado quando percebeu: ‘Vou poder fazer tudo’."

Tradução de Clara Allain.

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