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Sinais de vírus animal são descobertos em homem que recebeu coração suíno transplantado

Paciente não mostrou sinais de rejeitar o órgão, mas sofreu complicações antes de morrer

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Roni Caryn Rabin
The New York Times

Traços de um vírus que sabidamente contagia suínos foram encontrados em um homem de 57 anos do estado de Maryland que sobreviveu por dois meses com um coração transplantado de um porco geneticamente modificado. A informação é do cirurgião que realizou o procedimento, o primeiro desse tipo.

A revelação destaca uma das objeções mais fortes aos transplantes de órgãos de animais em humanos: que o uso amplo de órgãos animais modificados pode facilitar a introdução de novos patógenos na população humana.

A presença do DNA do vírus no paciente pode ter contribuído para a deterioração repentina do estado dele, mais de um mês após o transplante, aventou o cirurgião, Bartley Griffith, da Escola de Medicina da Universidade de Maryland.

Médicos seguram um coração que será transplantado para ser humano
Médicos realizam transplante de coração de porco para o paciente David Bennett - Universidade de Maryland - 10.jan.2022/AFP

Mas, segundo ele, não há evidência de que o paciente tenha desenvolvido uma infecção ativa do vírus ou que seu coração tivesse rejeitado o coração suíno.

O paciente, David Bennett Sênior, estava gravemente doente antes da cirurgia e apresentou diversas outras complicações após o transplante. Ele morreu em 8 de março.

Revelada por Griffith no mês passado numa reunião da Sociedade Americana de Transplantes, a notícia dos traços virais encontrados no paciente foi divulgada primeiramente pelo MIT Technology Review.

Em entrevista concedida ao New York Times nesta quinta-feira (5), Griffith e seu colega, Muhammad Mohiuddin, diretor científico do programa de xenotransplantes cardíacos do Centro Médico da Universidade de Maryland, disseram que a morte de Bennett os entristeceu, mas que eles não desistiram da meta de usar órgãos de animais para salvar vidas humanas.

"O que aconteceu não nos mete medo real sobre o futuro dessa área, a não ser que por algum motivo este incidente isolado for interpretado como um fracasso total", disse Griffith. "Foi um aprendizado. Cientes que esse problema existe, é provável que consigamos evitá-lo no futuro."

O cirurgião Bartley Griffith (à esq.) e o paciente David Bennett, que recebeu um coração transplantado de um porco geneticamente modificado - Escola de Medicina da Universidade de Maryland/The New York Times

Modificado geneticamente para que seus órgãos não fossem rejeitados pelo sistema imunológico humano, o porco foi providenciado pela empresa de medicina regenerativa Revivicor, sediada em Blacksburg, Virgínia.

Representantes da empresa se negaram a dar declarações na quinta, e representantes da Food and Drug Administration (FDA), que deram aos cirurgiões a autorização emergencial que possibilitou a realização da cirurgia na véspera do Ano-Novo, disseram que não podiam responder a perguntas imediatamente.

Representantes da universidade disseram que, embora o porco tivesse sido examinado diversas vezes para verificar a presença de vírus, os exames só captam infecções ativas, não as infecções latentes, nas quais o vírus pode ficar escondido discretamente dentro do corpo do animal. (Os testes foram feitos com cotonetes nasais, mas o vírus foi detectado posteriormente no baço do porco.)

De acordo com Griffith, o vírus latente pode ter chegado ao paciente de carona no coração transplantado.

Inicialmente, o transplante foi considerado um sucesso. Bennett não deu sinais de haver rejeitado o órgão, e o coração suíno continuou a funcionar por bem mais que um mês, ultrapassando um marco crítico para pacientes transplantados.

Um teste indicou a presença em Bennett de DNS do citomegalovírus suíno pela primeira vez 20 dias após o transplante, mas em nível tão baixo que Griffith disse ter pensado que podia ter sido um erro de laboratório.

Mas cerca de 40 dias após a cirurgia, Bennett repentinamente ficou gravemente doente, e exames posteriores revelaram uma alta alarmante nos níveis de DNA viral.

Durante a reunião, Griffiths disse aos outros cientistas especializados em transplantes: "Então começamos a pensar que o vírus que havia aparecido já no vigésimo dia como apenas um leve indício deve ter aumentado com o tempo e pode ter sido o responsável por desencadear tudo isso".

A saúde de Bennett deteriorou abruptamente no 45º dia após o transplante.

Os médicos o trataram com medicamentos antivirais e imunoglobulina intravenosa, um produto feito de anticorpos, mas o coração transplantado se encheu de fluido, dobrou de tamanho e parou de funcionar. Bennett acabou recebendo perfusão extracorpórea .

Em meio a uma escassez aguda de órgãos humanos doados, o transplante de Bennett foi um de vários transplantes revolucionários feitos nos últimos meses e que oferecem esperança a dezenas de milhares de pacientes que precisam de novos rins, corações e pulmões.

Em outubro, cirurgiões em Nova York conectaram um rim cultivado num porco geneticamente modificado a um paciente com morte cerebral. O órgão funcionou normalmente e produziu urina.

Em janeiro, cirurgiões da Universidade do Alabama em Birmingham relataram ter transplantado rins de um porco geneticamente modificado para o abdome de um homem de 57 com morte cerebral.

Mas a possibilidade de consequências imprevistas, especialmente o potencial de introduzir patógenos animais na população humana, pode esfriar o entusiasmo pelo uso de órgãos geneticamente modificados.

Muitos cientistas acreditam que o coronavírus que desencadeou a pandemia global de Covid-19 se originou de um vírus transmitido de um animal não identificado a humanos na China.

Tradução de Clara Allain

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