Descrição de chapéu Financial Times Coronavírus

Como o 'imprinting imunológico' da Covid pode ajudar a repensar as vacinas?

Com mais de dois anos de pandemia, as pessoas adquiriram diferentes níveis de imunidade por meio de infecções e vacinas

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Clive Cookson Ian Bott Jamie Smyth
Londres e Nova York | Financial Times

O aumento das internações hospitalares por Covid-19 provocado pela subvariante BA.5 da ômicron, acompanhado pela incapacidade das vacinas de evitar a reinfecção, levou os formuladores de políticas de saúde a repensar sua abordagem às doses de reforço.

Na semana passada, os órgãos reguladores dos Estados Unidos recomendaram mudar o design das vacinas para produzir um novo reforço direcionado à ômicron —a primeira mudança na composição dos imunizantes desde sua adoção no final de 2020. A pesquisa sobre o "imprinting imunológico", em que a exposição ao vírus por meio de infecção ou vacinação determina o nível de proteção de um indivíduo, agora orienta o debate sobre a composição das vacinas contra Covid-19.

Os imunologistas dizem que após mais de dois anos de pandemia de coronavírus as pessoas adquiriram tipos muito diferentes de imunidade ao vírus Sars-Cov-2, dependendo da cepa ou combinação de cepas a que foram expostas, levando a grandes diferenças na manifestação da Covid-19 entre indivíduos e países.

Mulher com máscara e uniforme de saúde olha para seringa
Agente de saúde prepara dose de vacina contra a Covid na Cidade do México, na semana passada - Pedro Pardo - 27.jun.2022/AFP

"O efeito é mais sutil do que 'quanto mais vezes você tiver, menos proteção terá'", disse o professor Danny Altmann, do Imperial College London, que está investigando o fenômeno com colegas. "É mais útil considerar como uma sintonização progressiva de um imenso repertório. Às vezes será benéfica para a próxima onda, às vezes não."

O que é 'imprinting imunológico'?

Depois que alguém é exposto a um vírus pela primeira vez, por meio de infecção ou vacinação, o sistema imunológico lembra sua resposta inicial de uma maneira que geralmente enfraquece a resposta a futuras variantes do mesmo patógeno, mas às vezes pode fortalecê-la. As proteínas no "spike", que o vírus usa para se ligar às células humanas, desempenham um papel fundamental.

"Nosso primeiro encontro com o antígeno do spike, seja por infecção ou vacinação, molda nosso padrão subsequente de imunidade por meio do 'imprinting imunológico'", disse a professora Rosemary Boyton, do Imperial College.

Esse padrão é observado há muitos anos nos vírus da gripe e da dengue, quando era comumente chamado de pecado original antigênico. Estudos agora estão demonstrando que ele também se aplica ao Sars-Cov-2, embora os efeitos sejam difíceis de definir, de acordo com Altmann, que prefere o termo "imprinting imunológico" às conotações bíblicas de "pecado original".

Um estudo com 700 profissionais de saúde do Reino Unido feito pela equipe do Imperial College, publicado no mês passado na revista Science, descobriu que a infecção por ômicron teve pouco ou nenhum efeito benéfico de reforçar qualquer parte do sistema imunológico —anticorpos, células B ou células T— entre pessoas que foram "marcadas" com variantes anteriores do Sars-Cov-2.

"A ômicron está longe de ser um promotor natural benigno da imunidade vacinal, como poderíamos ter pensado, mas é um evasor imunológico especialmente furtivo", disse Altmann.

As vacinas usadas atualmente foram projetadas para combater o vírus quando ele foi detectado em Wuhan, na China, há mais de dois anos. Elas mantêm alta proteção contra doenças graves e internações hospitalares, mas sua eficácia contra transmissão e infecção leve diminui rapidamente, especialmente contra a ômicron.

Compreender o efeito do "imprinting imunológico" ajudará as autoridades de saúde a decidir quais vacinas usar em futuras campanhas de reforço. Boyton disse que o "imprinting imunológico" tem "implicações importantes para o design de vacinas com eficácia duradoura e estratégias de dosagem".

O 'imprinting imunológico' ajuda a explicar infecções invasivas?

A maioria das pessoas no mundo industrializado foi infectada ou vacinada contra a Covid –ou ambos. A Pesquisa de Infecção nas Escolas da Inglaterra, administrada pela Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, divulgou na semana passada dados que mostram que 99% dos alunos do ensino médio testaram positivo para anticorpos de Covid por infecção natural.

Nesta fase da pandemia, a grande maioria dos casos de Covid são reinfecções em pessoas cujas defesas imunológicas adquiridas por vacinas ou infecções anteriores não se sustentam contra as subvariantes BA.4 e BA.5 da ômicron.

Essas infecções "breakthrough", ou invasivas, não são necessariamente tão leves quanto muitas pessoas acreditam, disse Ziyad Al-Aly, epidemiologista clínico da Universidade de Washington em St Louis. Ele analisou os registros de saúde de 34 mil pessoas com infecções por Covid no banco de dados da Administração de Veteranos dos EUA, que presta serviços de saúde para militares aposentados. O risco cumulativo de danos graves ao coração, cérebro e pulmões aumentou significativamente a cada infecção repetida.

Em outro estudo, Al-Aly e colegas descobriram que, embora as vacinas sejam boas para prevenir a Covid-19 aguda, elas eram apenas 15% eficazes na prevenção da Covid longa, que é definida como sintomas que duram 12 semanas ou mais após o diagnóstico de Covid-19. "Pegar Covid, mesmo entre pessoas vacinadas, parece quase inevitável hoje em dia", disse ele.

O 'imprinting imunológico' influenciou as discussões sobre vacinas?

Algumas pessoas contrárias às vacinas incluíram o "imprinting imunológico" em seus argumentos, alegando que as vacinas se tornam menos eficazes à medida que o vírus evolui –o que os imunologistas rejeitam com ênfase.

"Embora nossas últimas descobertas destaquem preocupações claras sobre a natureza da infecção por ômicron, a vacinação permanece eficaz contra a doença grave", disse Altmann. "Aqueles que são elegíveis para receber um reforço devem ser incentivados a fazê-lo."

O professor Christian Drosten, importante virologista alemão, disse em entrevista à revista Der Spiegel que ampliar o intervalo entre as injeções pode ajudar a reduzir o impacto do "imprinting imunológico".

"Suspeito que o efeito [da vacinação] irá melhorar quanto maior for o intervalo da vacinação anterior", disse. "[Mas] ainda não se sabe realmente qual deve ser o intervalo entre as vacinações."

Como a imunidade diferente afetou as decisões sobre vacinas?

A Organização Mundial da Saúde disse no mês passado que as vacinas baseadas na ômicron podem ser benéficas como reforço, porque ampliariam a proteção contra diferentes variantes.

E no dia 28 de junho o comitê consultivo da Agência de Alimentos e Drogas (FDA) dos EUA votou por 19 a 2 pela inclusão de material genético da ômicron em novas doses de reforço.

"Estamos tentando usar cada grama do que podemos da modelagem preditiva e dos dados que estão surgindo para tentar nos antecipar a um vírus que tem sido muito astuto", disse Peter Marks, diretor do Centro de Avaliação e Pesquisa Biológica da FDA.

Na quinta (30), a agência recomendou a inclusão de um componente das subvariantes BA.4/BA.5 da ômicron em uma nova dose para campanhas de reforço no outono. Mas o órgão não aconselhou uma mudança na vacina existente para as primeiras doses.

Moderna e BioNTech/Pfizer, os principais fabricantes de vacinas de RNA mensageiro, apresentaram dados de laboratório mostrando que suas versões mais recentes, direcionadas à ômicron, produzem uma potente resposta de anticorpos contra BA.4 e BA.5. Mas alguns imunologistas permanecem incertos se serão mais eficazes do que receber mais uma dose da vacina original de Wuhan.

"Devido ao 'imprinting imunológico', os padrões de imunidade contra a spike em diferentes pessoas e populações tornaram-se heterogêneos, complexos e imprevisíveis", disse Boyton. "Isso é um argumento para avançarmos de maneira cuidadosa, ponderada e baseada em evidências."

"O desafio para a próxima geração de vacinas para Covid é ampliar a resposta imune para proteger contra futuras variantes preocupantes."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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