Descrição de chapéu AIDS

Terapia de prevenção ao HIV perde 39% dos pacientes em 4 anos

Número de atendidos no Brasil caiu de 64 mil para 39 mil; ministério diz que toma medidas para facilitar acesso

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São Paulo

De 2018 para cá, 39% dos usuários da Prep (profilaxia pré-exposição) no Brasil interromperam essa forma de evitar infecções por HIV. Entre os usuários atuais, jovens e pessoas com baixa escolaridade representam número pequeno de pacientes atendidos.

A Prep consiste em tomar diariamente a combinação dos antirretrovirais tenofovir e entricitabina, medicamentos eficazes contra o HIV. Ao fazer isso, o usuário evita a infecção pelo vírus.

O método foi aprovado para incorporação no SUS (Sistema Único de Saúde) em maio de 2017. Segundo os dados do Painel Prep, vinculado ao Ministério da Saúde, em janeiro de 2018 o método contava com mais de 64 mil pacientes atendidos. Em abril deste ano, o número caiu para 39 mil.

O Ministério da Saúde diz, em nota à Folha, que a Prep deve ser utilizada enquanto a pessoa estiver em risco de infecção pelo HIV. Além disso, a pasta afirma que toma medidas para reduzir barreiras de acesso, como disponibilização de teleatendimento para os usuários do serviço.

Pílula do Truvada, usado no tratamento profilático contra o HIV - Dado Galdieri/The New York Times

Estudos indicam alta eficácia do método: um deles concluiu que a Prep reduziu 95% de incidência do HIV em participantes com níveis sanguíneos detectáveis do medicamento —ou seja, com adesão constante à prevenção.

Por isso, os dados que indicam a queda da profilaxia preocupa especialistas. "Não conseguimos ter uma cobertura boa do uso da Prep. Ela teria que ser maior e atingir os mais jovens", afirma Alexandre Grangeiro, ex-diretor do programa nacional de HIV/Aids e pesquisador científico da Faculdade de Medicina da USP.

Grangeiro coordena estudos sobre Prep em adolescentes e adultos. Ele diz que a profilaxia precisa ser utilizada largamente para diminuir a incidência do vírus. "Se uma pessoa usar Prep, ela está protegendo somente a si mesmo."

"Não basta que se inicie a Prep, é preciso permanecer ao longo do tempo. Essa alta taxa de interrupção vai diminuindo a efetividade da profilaxia do ponto de vista da redução de incidência", acrescenta.

Ele chama a atenção para a necessidade de haver uma maior disseminação do método especialmente entre os mais jovens. Segundo ele, o risco de infecção por HIV é maior nos anos iniciais da vida sexual e, por isso, os mais jovens são um grupo de grande risco.

Segundo o painel Prep, dos usuários atuais da profilaxia, somente 12% são pessoas entre 18 e 24 anos. Em adolescentes, a Prep para maiores de 15 anos foi indicada em uma recomendação de dezembro de 2021 da Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias do SUS).

A disponibilidade para esse público ainda está em implementação, diz o Ministério da Saúde. "O protocolo clínico da Prep está em processo de atualização e vai contar com estratégias para contemplar o público mais jovem."

A pouca participação dos mais jovens no uso da Prep também é ressaltada por Maria Amélia Veras, professora do departamento de saúde coletiva da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Ela afirma que é importante um programa educacional que informe sobre a profilaxia para evitar a baixa adesão ao método. "Isso precisa ir às escolas."

Inclusive, a escolaridade é um ponto que chama atenção nos dados de usuários da Prep. Atualmente, 72% daqueles que utilizam o serviço têm 12 anos ou mais de educação. Em contrapartida, pessoas com 0 a 3 anos de estudo formal representam cerca de 1%.

Razões de abandono da Prep

Em relação à queda de 39% dos usuários nos últimos quatro anos, Veras defende uma investigação aprofundada. "O dado gera um alerta. Vai caber [...] identificar quem são as pessoas que descontinuaram e quais são as razões."

A professora diz que a interrupção pode estar associada a uma mudança no comportamento dos usuários. Um exemplo é o início de uma relação monogâmica em que os parceiros tenham testes negativos para HIV.

No entanto, outros motivos podem ser materiais. Um caso é se a pessoa parou de utilizar o serviço por falta de dinheiro para se deslocar até os centros de saúde. Também há problemas relacionados à rotina de cada pessoa, já que é necessário fazer exames periódicos e ir aos locais de dispensação para receber o medicamento.

"É preciso pensar nas barreiras que podem ser materiais no sentido de as pessoas não conseguirem chegar às unidades de saúde", afirma Veras.

Essa foi a situação do atendente Gabriel de Paula, 19. Assim que completou 18 anos, ele iniciou uma vida sexual mais constante e viu na Prep uma forma de se proteger do HIV. Antes disso, o jovem sabia pouco sobre a profilaxia.

Ele conta que iniciar o uso do medicamento foi fácil. Manter a rotina de se dirigir ao centro de saúde que o atendia também não era difícil no começo –mesmo que o deslocamento levasse em torno de duas horas.

O cenário mudou quando ele trocou de horário no trabalho. O centro que o atendia só funcionava no período da tarde. De início, o jovem trabalhava somente pela manhã, mas, quando começou a trabalhar à tarde, ficou difícil.

"Eu fiquei um mês sem utilizar, eu não conseguia buscar por causa da rotina", afirma.

O que diz o Ministério da Saúde

Em notas enviadas à Folha, o Ministério da Saúde diz que a Prep deve ser utilizada quando há risco de infecção pelo HIV e que tomou medidas para facilitar o acesso e continuidade. Uma das ações foi a ampliação do tempo de dispensa do medicamento de 1 para 4 meses. "A iniciativa reduz a frequência de ida dos usuários aos serviços de saúde, facilitando a manutenção do uso da profilaxia."

O ministério acrescenta que há o uso do teleatendimento para auxiliar no acesso e manutenção da Prep e que realiza oficinas nos estados para capacitar profissionais de saúde. Também afirma que a busca pela profilaxia subiu. "Entre março de 2021 e abril de 2022, o número de usuários de Prep dobrou."

Questionada sobre as razões que levaram à descontinuidade dos usuários da profilaxia entre 2018 e 2022, a pasta diz que a interrupção deve ser discutida pelo paciente com um profissional de saúde. Para aqueles que param de utilizar a profilaxia, o ministério da Saúde recomenda a realização de um teste de HIV em quatro semanas a partir da interrupção.

Como a Prep funciona?

A profilaxia consiste nos antirretrovirais tenofovir e entricitabina combinados em um comprimido. O usuário consome uma pílula por dia para evitar a replicação do HIV caso seja exposto ao vírus. No primeiro dia do uso da Prep, a pessoa utiliza dois comprimidos, conforme uma revisão da Conitec.

Para quem ela é recomendada?

Alguns grupos são prioritários para uso da Prep, como homens que fazem sexo com outros homens, trabalhadoras do sexo e mulheres trans. No entanto, em relatório de 2021, a Conitec explica que a profilaxia é considerada para qualquer adulto com vida sexual ativa, observando aspectos como práticas sexuais, número de parcerias, uso inconsistente de preservativo e desejo pessoal de aderir a Prep.

Como iniciar o uso da Prep?

A primeira etapa é se dirigir a um serviço de saúde público que oferte a profilaxia. O Ministério da Saúde disponibiliza uma página na internet com os endereços. Já no atendimento, os profissionais conversam com a pessoa para explicar sobre a Prep e entender das suas práticas sexuais. Também são feitos alguns exames –indivíduos soropositivos não estão aptos à profilaxia, por exemplo.

Depois que começar com a Prep, é possível abandonar outras formas de prevenção?

A Prep faz parte da prevenção combinada, um modelo baseado em diferentes métodos para evitar a transmissão do HIV. Outros mecanismos da prevenção combinada são o uso de camisinha e testagem constante para ISTs. Além disso, a Prep é eficiente somente na prevenção do HIV. Para outras ISTs, esse método não evita a transmissão.

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