Folha errou ao dizer que internações de crianças de até 5 anos por Covid são quase o dobro das de idosos

Pesquisa da Fiocruz verificou inconsistência em dados após a publicação da reportagem; o correto é afirmar que a redução de hospitalização se mostra mais lenta na faixa de 0 a 5 anos

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São Paulo

A Folha errou ao dizer que as internações de crianças pequenas por Covid no Brasil passaram a ser o dobro das de pessoas com mais de 60 anos. Essa afirmação se baseava em levantamento do pesquisador Cristiano Boccolini, coordenador do Observa Infância, projeto da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

Após a publicação da reportagem, o observatório declarou ter verificado inconsistência nos dados de pessoas com 60 anos ou mais internadas. Em vez de 1.175 no período de 17 de julho a 10 setembro, como havia sido dito inicialmente, o correto é 17.331. No mesmo intervalo, foram registradas 2.205 hospitalizações de menores de cinco anos.

Com isso, o correto é dizer que as hospitalizações por Covid-19 caíram em todas as faixas etárias, porém a queda se mostrou mais lenta entre as crianças abaixo de cinco anos.

Entre as pessoas com 60 anos ou mais, a média diária de internações passou de 540, entre janeiro e julho, para 315, entre julho e setembro, uma redução de 41,6%.

Na faixa etária entre 20 e 59 anos, a média passou de 216 para 103 (-52,1%). Entre 6 e 19 anos, de 22 para 13 (-38,5%). Entre 1 e 5 anos, de 24 para 18 (-22,6%). E entre os bebês com menos de um ano, de 23 para 22 (-5,47).

"Considerando a velocidade da redução das internações, está sendo muito mais lenta do que em relação aos outros grupos etários", diz Boccolini.

Vacinação de crianças a partir de 3 anos com comorbidades na UBS Vila Romano, na Lapa, em São Paulo - Rivaldo Gomes-20.jul.2022/Folhapress

Com essa redução mais lenta, as crianças passaram a ocupar uma proporção maior no total de internados. Os idosos mantêm uma estabilidade, passando de 65% para 67%. Entre os adultos, há uma queda, de 26% para 22%. Entre as crianças abaixo de cinco anos, aumenta 50% (entre os bebês até um ano, de 2,8% para 4,6%; e de 1 a 5 anos, de 3% para 4%).

Neste ano, até 10 de setembro, foram 12,1 mil internações e 439 mortes de crianças abaixo de cinco anos por Covid. Até o momento, apenas 2,5% do público entre 3 a 5 anos tomaram as duas doses da vacina Coronavac (Butantan), aprovada em julho pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

A imunização vinha ocorrendo apenas em municípios que tinham a vacina em estoque. No último dia 19, o Butantan entregou 1 milhão de novas doses ao Ministério da Saúde, que deverão ser destinadas ao público infantil.

A vacina da Pfizer, indicada para as crianças a partir de seis meses, teve aval da Anvisa neste mês. Procurado, o ministério não disse quando o imunizante estará disponível na rede pública de saúde.

"A cada dia que a gente passa sem vacina nessa faixa etária, a gente está condenando uma criança à morte por Covid, o que hoje já poderia ser evitável", afirma Boccolini, autor da análise.

O esquema de vacinação para esse público seria discutido em reunião da câmara técnica de assessoramento em imunização da Covid do PNI (Plano Nacional de Imunizações) na sexta (30), mas o assunto foi retirado da pauta porque ainda não há um posicionamento oficial do ministério sobre a quantidade de doses que estará disponível e nem o prazo para isso acontecer.

Segundo o pediatra Renato Kfouri, membro do comitê técnico do PNI e presidente do departamento de imunizações da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), esse indicativo é necessário para o grupo definir, por exemplo, quais os grupos prioritários para receber a vacina.

"É urgente essa tomada de decisão. A cada mês são mais de mil hospitalizações de crianças abaixo de cinco anos. Já tivemos mais de 12 mil hospitalizações e mais de 400 mortes neste ano. Isso não é residual. É mais do que todas as doenças do calendário infantil, mais do que pneumonia, meningite, hepatite, sarampo, que todas juntas", diz ele.

No contrato que o ministério tem com a Pfizer, há uma cláusula que permite ajustar qual o tipo de vacina a ser recebida. Estima-se que hoje o país tenha um saldo de cerca de 35 milhões de doses. Mas nem o governo e nem a farmacêutica informam como estão essas negociações.

O Brasil possui cerca de 13 milhões de crianças entre 6 meses e 4 anos e, de acordo com o esquema vacinal previsto para esse público, serão necessárias três doses (um total de 39 milhões de doses).

Porém, como as crianças entre 3 e 5 anos também podem ser vacinadas com a Coronavac, o número de doses necessárias da vacina da Pfizer cairia para 21 milhões, segundo estimativas de técnicos do ministério.

Não é a primeira vez que o governo federal cria entraves e atrasa a vacinação de crianças contra a Covid. Em dezembro de 2021, quando a Anvisa deu sinal verde para o uso da vacina da Pfizer em crianças a partir de cinco anos, Bolsonaro criticou a decisão, e atacou a agência, o que desencadeou uma onda de ameaças a seus técnicos e diretores. À época, o presidente também minimizou o número de mortes infantis pela doença.

Em 2020 e 2021, foram 1.439 óbitos de crianças até cinco anos, sendo que 48% eram de bebês entre 29 dias e um ano incompleto (pós-neonatal), uma média de 1,9 por dia.

O Hospital Pequeno Príncipe, de Curitiba (PR), maior instituição pediátrica que atende o SUS no país, registrou no mês passado 50 internações e atendimentos ambulatoriais por Covid-19 de crianças entre 1 mês de vida e 4 anos. Em julho, foram outras 79.

Desde o início do ano até 10 de setembro, foram 940 atendimentos nessa faixa etária, quase metade da soma de todas as faixas etárias (1.890). No total, 21,5% das crianças estavam com a vacinação contra a Covid completa. Entre as suas mães, a cobertura está em 67% e, entre os pais, 63%.

Segundo o pediatra Victor Horácio de Souza Costa Junior, vice-diretor técnico do Pequeno Príncipe, a quantidade de internações infantis por Covid caiu bastante nos últimos meses, e os casos se concentram agora na faixa etária abaixo dos cinco anos ainda não vacinada.

Sintomas respiratórios, como tosse, febre, tosse e chiado no peito, muitas vezes associados à pneumonia, são os mais frequentes. "Em geral, as crianças não têm comorbidades, ficam internadas de cinco a seis dias e todas estão evoluindo bem", explica o médico.

Costa Júnior diz que entre as crianças menores de um ano, a maioria dos pais relata estar vacinada, mas, ao serem infectados pelo Sars-Cov-2 e apresentarem sintomas leves, acabam transmitindo o vírus aos bebês.

Enquanto não a vacina para os bebês acima de seis meses não chega à rede pública, Costa Júnior orienta que os pais que apresentarem sintomas respiratórios, como coriza e tosse, usem máscaras em casa e intensifiquem a higienização das mãos com o álcool em gel.

"Isso evita a transmissibilidade aos bebês. A gente vê que a situação melhorou bastante, mas a pandemia ainda não acabou."

Erramos: o texto foi alterado

Os dados de hospitalizações de crianças menores de 5 anos e de idosos informados pelo Observa Infância (Fiocruz) e publicados na versão anterior deste texto estavam errados. As internações de crianças menores de 5 anos não ultrapassaram as de idosos. Elas representam 8,5% do total de hospitalizações do país. O texto foi corrigido.

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