SP perdeu 2.200 médicos de postos de saúde em 8 anos, aponta pesquisa

Levantamento comparou profissionais contratados em 2014 pelo Mais Médicos com quadro atual do Médicos pelo Brasil

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São Paulo

Um levantamento realizado pelo Cosems-SP (Conselho de Secretários Municipais de Saúde do Estado de São Paulo) divulgado nesta quinta-feira (20) aponta que as UBSs (Unidades Básicas de Saúde) paulistas perderam mais de 2.200 médicos em oito anos.

A pesquisa compara dados do primeiro semestre de 2014 —quando estava em vigor o programa Mais Médicos, implantado na gestão de por Dilma Rousseff (PT)— com o mesmo período de 2022, com números de seu substituto, o Médicos pelo Brasil, em vigor há cerca de 3 anos no governo de Jair Bolsonaro (PL).

O trabalho usou informações dos 645 municípios paulistas e também analisou dados recentes, de setembro passado.

Pacientes à espera de atendimento em unidade de saúde na região da Frequesia do Ó, na zona norte de São Paulo; pesquisa diz que diminuiu número de médicos no estado de São Paulo - Zanone Fraissat - 4.jan.22/Folhapress

Segundo 850 gestores municipais relataram nos meses de maio e junho, a ausência de médicos é o principal problema enfrentado atualmente na atenção básica de saúde, de acordo com o conselho.

Em 2014 havia 2.469 vagas ocupadas por profissionais vinculados ao Mais Médicos no estado.

Já no primeiro semestre deste ano, eram 222 médicos contratados no Médicos pelo Brasil —queda de 91% nos postos de trabalho ocupados.

Também diminuiu o número de vagas oferecidas, conforme o levantamento, passando de 2.558 para 801 — redução de quase 70%.

Já a quantidade de municípios atendidos na comparação entre os dois programas, foi de 380 para 277 —redução de 27%.

O Ministério da Saúde nega que há prejuízo de provimento médico no Brasil, uma vez que os dois programas permanecem vigentes e aptos a realizar contratações de profissionais.

"O Médicos pelo Brasil visa substituir gradativamente o Mais Médicos. A substituição ocorrerá de forma gradual, sem prejuízos à população", afirma.

Especializada em gestão pública, a enfermeira Clara Carvalho, secretária municipal de Saúde em Mogi Mirim (151 km de SP), diz que a falta de interesse de médicos em aderir ao programa tem três motivos.

O primeiro é que ele não garante mais pontuação aos recém-formados em processo de residência. Também pesa o salário baixo e o fato dele não contratar profissionais estrangeiros, como acontecia no Mais Médicos.

"Os recém-formados tinham interesse em trabalhar na atenção básica. Agora preferem ganhar R$ 1.600 em cada plantão de 12 horas [de hospitais ou postos de pronto-atendimento]", diz.

Na semana passada, o governo federal abriu inscrições para contratação de 312 médicos tutores, que orientam profissionais já graduados, para serem vinculados ao programa atual. O salário inicial é de R$ 15.750, mas com benefícios pode chegar a R$ 22,7 mil, se o profissional optar por trabalhar em comunidades remotas.

Sem conseguir reforçar seus quadros com médicos generalistas, afirma a secretária, municípios não atingem metas e ficam sem recursos para contratar os demais profissionais que integram programas de saúde da família, como dentistas e fisioterapeutas.

Carvalho estima que precisaria de mais 15 médicos generalistas para implementar equipes suficientes de saúde da família para atender todos os 95 mil habitantes de Mogi Mirim.

O município atualmente sofre com a falta de profissionais, o que causa demora de até 60 dias para moradores conseguirem uma consulta com um clínico geral. "Até 30% não comparecem no dia da consulta pela demora. Até lá já resolveram o problema de outra forma", afirma a secretária.

A falta de médicos disponibilizados pelo ministério, diz o conselho, faz com que os gestores municipais tenham que ampliar a remuneração dos profissionais para conseguir contratar, o que sobrecarrega os gastos das prefeituras, que já investem mais de 25% de seus orçamentos em saúde.

A médica e professora Ana Maria Malik, coordenadora do FGVSaúde, diz que os municípios enfrentam concorrência direta entre eles, de organizações sociais e até mesmo de operadoras de saúde na contração de mão de obra, inclusive para atenção básica.

Por isso, além de salários, programas como o Médicos pelo Brasil e as próprias prefeituras precisam oferecer outros atrativos aos profissionais, como estrutura, apoio e capacitação.

"A mudança da política de saúde fez diferença, mas não pode dizer que tenha sido só isso", afirma. "No Mais Médicos havia um programa de apoio que hoje em dia não existe mais."

Presidente do Simesp, o Sindicato dos Médicos de São Paulo, Victor Vilela Dourado afirma que o discurso para fixar o profissional em seu local de trabalho nunca saiu do papel nos dois programas.

Para ele, ambos erraram por não promoverem planos de carreira. "O atual tirou propostas atrativas do anterior, como a pontuação para residentes, sem criar outros. Por isso, a rotatividade de profissionais dos dois é grande."

Resposta

Segundo o governo Bolsonaro, o programa Médicos pelo Brasil garante melhores condições de trabalho, de salários e de benefícios para os profissionais, ampliando atendimento, principalmente nas áreas mais remotas do país.

Em nota, o Ministério da Saúde diz que no total serão oferecidas 21,5 mil vagas de médicos contra 18.240 do programa anterior, para atendimento de 5.233 municípios, contra 3.815 antes.

"Os municípios menores, mais remotos e vulneráveis, que antes contavam com 163 vagas, passaram a ter com 358."

De acordo com o governo federal, atualmente, 3.300 médicos estão atuando pelo novo programa e até o fim do ano, mais 5.000 vagas devem ser preenchidas.

Para o estado de São Paulo, serão ofertadas 2.318 vagas. "Atualmente, somando os dois programas, 1.460 médicos atuam nas unidades básicas de saúde de 319 municípios do estado."

A Secretaria Estadual da Saúde diz que a CIB (Comissão Intergestores Bipartite), órgão que reúne gestores de saúde do estado e de municípios paulistas, solicitou providências ao Ministério da Saúde, desde setembro de 2021, em dois ofícios, sobre o não cumprimento da assistência integral à saúde nas unidades.

A pasta estadual afirma que com a perda de vagas de profissionais, cerca de 912 mil pessoas poderão ficar sem garantia de assistência médica no estado.

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