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Artigo na Nature lista principais consensos científicos para acabar com a Covid

Quase 400 cientistas de 112 países definiram principais recomendações para governos e autoridades de saúde lidarem com a pandemia

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São Paulo

Um estudo produzido por quase 400 cientistas de 112 países e territórios procurou listar as medidas para enfrentamento da pandemia da Covid-19 com o mais alto grau de consenso científico.

A metodologia, que usa uma técnica chamada Delphi (várias rodadas de questionários perante um painel de especialistas para chegar a uma decisão final), considerou as respostas de pesquisadores, líderes de governo, autoridades de saúde e ONGs para gerar uma lista de diretrizes para pôr fim à Covid.

Profissional da saúde realiza teste de Covid em um paciente em Wuhan, local considerado epicentro da pandemia de Covid, na China
Profissional da saúde realiza teste de Covid em um paciente em Wuhan, local considerado epicentro da pandemia de Covid, na China - Hector Retamal - 2.jun.20/AFP

Ao final de pelo menos três rodadas, com uma taxa de resposta de mais de 80% dos participantes, os cientistas chegaram a 41 diretrizes e 57 recomendações com um elevado grau de consenso, que podem ser usadas por governos para definir políticas públicas.

O artigo, publicado nesta quinta-feira (3) na revista científica Nature, é liderado por Jeffrey Lazarus, diretor do grupo de pesquisa em sistemas de saúde do Instituto Global de Saúde de Barcelona (ISGlobal), na Espanha. A pesquisa inclui também cientistas brasileiros, da Fiocruz Bahia, da UFBA, da Rede de Pesquisa Solidária, ligada ao departamento de ciência política da USP, e do Observatório Covid-19 BR, dentre outros.

"Apesar dos importantes avanços científicos nos últimos dois anos e meio, a resposta à Covid foi dificultada por fatores políticos, sociais e de comportamento como desinformação, hesitação vacinal, ação coordenada global ausente e a desigualdade na distribuição de insumos, vacinas e tratamentos", escreveram os autores.

Os diferentes tipos de medidas elencados foram divididos em seis categorias: sistema de saúde, prevenção, comunicação, tratamento e cuidado, desigualdades da pandemia e vacinação.

Entre as três recomendações com maior grau de consenso (100%) estão ações entre todos os membros da sociedade para controle e prevenção de epidemias, adoção de medidas em todas as esferas de governo (por exemplo, diferentes ministérios) para solucionar os principais desafios do sistema de saúde e a estratégia "vacina mais" de prevenção, em que a vacinação contra Covid é considerada uma, mas não a única, medida para acabar com a pandemia.

Demais recomendações com alto grau de consenso foram a percepção de que o vírus continua sendo um problema de saúde em muitos lugares e que a pandemia não vai acabar se não forem feitos esforços coletivos; a importância de uma comunicação direta e clara por parte das autoridades de saúde e especialistas à população; e ações de combate global à desigualdade, incluindo fornecer ferramentas aos países mais pobres para produzir e comprar vacinas e medicamentos de alta eficácia.

As recomendações citadas no artigo podem servir como base para decisões com alto grau de confiança para acabar com a Covid como uma ameaça de saúde pública global. "A pandemia da Covid ainda não acabou, apesar de esforços individuais locais para a retomada de atividades culturais, sociais, políticas, religiosas, econômicas, de saúde e de educação", lembram os autores.

Em entrevista à Folha por email, o pesquisador Jeffrey Lazarus reforçou que, no caso da Covid, as recomendações que tiveram o mais alto nível de consenso foram aquelas que buscam unir sociedade e governo, nas diferentes esferas, para tomada de decisões. "Cada setor da economia, cada comunidade, cada fé, grupo étnico, e todos nós como indivíduos temos um papel importante para acabar com a Covid, e nenhuma autoridade ou governo deve chegar lá sozinha. A cooperação é vital", disse, reforçando ainda que medidas protetoras mais acessíveis como uso de máscaras e ventilação dos espaços também são cruciais, além da vacinação.

O pesquisador lembra ainda que, após três anos, muitas pessoas podem estar cansadas, o que afeta a confiança nas informações sobre o coronavírus. "Nossa falha em comunicar de maneira adequada, o que foi também afetado pelos esforços muito mais intensos de alguns canais negacionistas, especialmente nas mídias sociais, levou também a uma descrença do público que é preciso recuperar", disse.

"Nosso estudo é, no final das contas, uma 'chamada para ação' dos diferentes setores. A pandemia não acabou. Nós precisamos estar melhor preparados, ou a ameaça de saúde pública global não vai acabar", completa.

A crise sanitária já provocou mais de 630 milhões de infecções globais, com 6,5 milhões de mortes, embora esses números muito provavelmente sejam subnotificados.

Segundo Maurício Barreto, epidemiologista e professor da UFBA e um dos autores, o estudo deve ser lido como um conjunto dessas decisões finais, podendo ser consultado por um político que esteja interessado em adotar alguma estratégia. "O escopo da pesquisa é a formação de consensos, ninguém está propondo uma nova tecnologia para combater o coronavírus, mas mostrando que existem várias questões a serem tratadas. E ele pode ser usado como experiência para outras doenças que possam surgir", completa.

Para chegar ao alto nível de consenso científico, o estudo contou, inicialmente, por quatro cientistas do ISGlobal, que coordenaram o estudo. A partir daí foram escolhidos 40 pesquisadores para atuar na formulação das perguntas. Estes também foram responsáveis por indicar outros colegas e especialistas de diversos países. No final, 386 cientistas, autoridades, membros de ONGs ou líderes em saúde foram selecionados, com mais da metade sendo de países de baixa e média renda (195 ou 51%).

De acordo com Barreto, a representatividade na pesquisa era importante pois quanto maior a diversidade dos participantes, maior pode ser a divergência em relação a uma ou outra medida.

"É claro que existem questões em que o consenso não é questionado, como a vacina, mas outros pontos podem ter um menor ou maior nível de consenso, por exemplo em relação ao financiamento para produzir as vacinas. A técnica [Delphi] procura unir especialistas que têm conhecimento sobre o tema mas que representam diversos interesses, de diferentes regiões do mundo, para chegar a um consenso", explica.

A análise da pesquisa ocorreu por meio de questionários, que passaram por pelo menos três ciclos de respostas. No primeiro deles, os cientistas colheram informações demográficas dos participantes e produziram 42 declarações. Mais de 1.400 comentários nos textos foram considerados e analisados segundo o conteúdo.

No segundo ciclo, 328 participantes responderam e revisaram 43 diferentes declarações e mais 53 recomendações. Os cientistas do núcleo de coordenação do estudo avaliaram então os principais pontos de divergência nos dois primeiros ciclos.

Por fim, cerca de 80% dos membros do painel de especialistas chegaram às principais diretrizes e recomendações finais. A maior parte das declarações teve um alto grau de concordância (entre 90% e 100%).


Top 10 recomendações do artigo da Nature

  1. Prevenção de pandemias e planejamento de respostas devem contar com os diversos setores da sociedade (99%)

  2. Líderes comunitários, cientistas e autoridades de saúde devem atuar para promover mensagens sobre saúde que ajudam a construir e aumentar a confiança da população sobre a Covid (100%)

  3. Países devem adotar a estratégia “vacina mais”, que inclui a combinação de vacinação, medidas protetoras, tratamento e incentivos financeiros para as populações (96%)

  4. Estratégias de prevenção e resposta a epidemias devem existir em locais com desigualdades sociais e de acesso à saúde (99%)

  5. Autoridades de saúde pública devem formar parcerias com organizações e pessoas que de confiança nas comunidades para fornecer informações verdadeiras e de fácil acesso sobre a pandemia (100%)

  6. Promover financiamentos federal, industrial e filantrópico com o foco no desenvolvimento de vacinas mais duradouras contra novas variantes do vírus (99%)

  7. Profissionais e autoridades de saúde devem combater informações falsas de maneira ativa com base na comunicação clara, direta e de fácil acesso para a população, sem o uso de jargão científico (99%)

  8. Prevenção de pandemias e planejamento de respostas devem contar com todas as esferas do governo, incluindo coordenação entre ministérios para identificar, revisar e direcionar os principais desafios do sistema de saúde (99%)

  9. Comércio global e organizações de saúde devem coordenar a transferência de tecnologias com os governos, possibilitando a fabricação de vacinas e medicamentos em países de baixa e média renda (99%)

  10. Promover a colaboração entre os diversos setores para acelerar o desenvolvimento de novos tratamentos contra a Covid (100%)

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