UFMG espera transpor 'vale da morte' e iniciar testes de vacina própria contra Covid

SpiN-Tec usa tecnologia 100% nacional e já recebeu autorização da Anvisa para testagem em humanos

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Brasília

Uma das pesquisadoras à frente da vacina contra a Covid-19 em desenvolvimento pela UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), a professora Ana Paula Fernandes afirma que o projeto pode ajudar a destravar o desenvolvimento de outros imunizantes no Brasil.

O grupo está perto de atravessar o chamado vale da morte, fase em que boa parte dos projetos de pesquisa fracassam. Em outubro, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) autorizou os testes em humanos, e a primeira etapa está prevista para começar ainda neste ano.

Criança recebe aplicação da vacina contra covid no braço
Criança recebe dose de vacina contra a Covid-19 - Tania Rego-15.jul.22/Agencia Brasil

"É uma grande fronteira da ciência, da tecnologia e da inovação no Brasil desenvolver, conceber e fazer todo o processo para aprovação regulatória de uma vacina, atendendo às exigências e chegando ao estágio de poder fazer o estudo clínico em humanos", diz.

"É um processo completamente inovador no contexto do desenvolvimento de vacinas e imunobiológicos no Brasil. A nossa expectativa é de que todo esse aprendizado, a quebra dessa barreira e a transposição desse vale da morte possa ser replicado em outras vacinas para as quais a população brasileira é ainda extremamente carente."

Batizado de SpiN-Tec MCTI UFMG, o imunizante começou a ser desenvolvido em 2020 pelo Centro de Tecnologia de Vacinas da universidade mineira.

Desde então, o projeto contou com o apoio da USP (Universidade de São Paulo), da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), e recebeu recursos da Prefeitura de Belo Horizonte, do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e de fundações de amparo à pesquisa de Minas e São Paulo.

O ensaio clínico incluirá participantes saudáveis de ambos os sexos, com idade entre 18 e 85 anos, que completaram o esquema vacinal primário com Coronavac ou AstraZeneca, e receberam uma ou duas doses de reforço com AstraZeneca ou Pfizer há pelo menos seis meses.

Com a maioria dos brasileiros vacinados contra a Covid-19, a SpiN-Tec será aplicada como dose de reforço, mas os pesquisadores acreditam que o imunizante também poderá ser usado como primeira dose, se a segurança e a eficácia forem comprovadas.

"Primeiro, nós vamos testar nessa condição. Nada impede que, ao longo desse processo, a gente avalie outros formatos e ela, no futuro, possa ser usada em crianças e, principalmente, como dose para primovacinação [primeira dose]", afirma Fernandes.

Na primeira e na segunda fases —já aprovadas pela Anvisa—, serão avaliadas a segurança, a dose ideal a ser aplicada e a eficácia. Concluídas essas duas fases, o grupo deverá pedir autorização para a terceira, na qual cerca de 4.000 voluntários serão testados. Só depois disso a vacina pode ser registrada e produzida.

Apesar da alta cobertura vacinal contra a Covid-19, Fernandes afirma que um imunizante 100% nacional pode fazer com que o país tenha independência tecnológica, reduza os custos de vacinação e consiga destravar outras vacinas, como a da varíola dos macacos, da malária viva e da leishmaniose.

Em outra frente, o Instituto Butantan, responsável pela produção da CoronaVac, tem trabalhado no desenvolvimento de outra vacina nacional, a ButanVac. Os resultados da primeira fase, encerrada em junho, indicaram que o imunizante é seguro e induz a produção de anticorpos.

"A Covid não desapareceu. Certamente, nós vamos precisar oferecer doses de reforço e, em algum momento, substituir as vacinas importadas por uma vacina desenvolvida em território nacional para vacinar a população de forma independente. Então ainda é justificável levar a cabo o desenvolvimento dessa vacina", defende Fernandes.

"Obviamente que, na medida em que você cria uma equipe altamente capacitada, e você cumpre todo o processo de desenvolvimento de uma vacina, esse aprendizado vai ser de muita importância para a geração de novas vacinas", diz.

Antes mesmo da pandemia de coronavírus, a tecnologia usada na SpiN-Tec já estava sendo desenvolvida pela UFMG para vacinas contra a leishmaniose e a doença de chagas.

O objetivo do imunizante é induzir no organismo a chamada resposta imune celular, ou seja, a produção de células de defesa (linfócitos T) especializadas em reconhecer e matar o vírus.

Por isso, diferentemente da ButanVac, fabricada com a mesma técnica usada na vacina da gripe, a SpiN-Tec pretende testar a eficácia de uma tecnologia nova contra a Covid-19 desenvolvida em território brasileiro.

A Anvisa analisou as etapas anteriores da pesquisa, incluindo os testes em animais, e concluiu que os dados "demonstraram um perfil de segurança aceitável da vacina candidata". O resultado dos estudos em animais foi publicado em agosto na revista Nature Communications.

"A gente pode falar que ela é 100% concebida e desenvolvida no território nacional. Que é uma diferença, por exemplo, da CoronaVac, da ButanVac e da AstraZeneca porque a tecnologia dessas vacinas não foi desenvolvida por pesquisadores brasileiros", diz a pesquisadora da UFMG.

"É um aspecto inédito no desenvolvimento de vacinas no Brasil porque todas as vacinas usadas no nosso plano nacional de imunização tiveram a tecnologia importada. Então essa é a grande diferença."

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