Descrição de chapéu Financial Times

Aumento de infecções causa escassez global de antibióticos

Fabricantes lutam para atender à demanda pós-pandêmica, enquanto dezenas de países relatam baixa oferta de medicamentos

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Donato Paolo Mancini Hannah Kuchler
Londres | Financial Times

Um aumento de infecções bacterianas depois que os países suspenderam as restrições pandêmicas causou a falta de antibióticos como penicilina e amoxicilina, ressaltando a situação precária das cadeias de suprimentos globais.

Dos 35 países cujos dados são coletados pela OMS, 80% sofrem escassez aguda de antibióticos relacionados à penicilina, disse Lisa Hedman, líder do grupo da OMS para fornecimento e acesso a medicamentos. O Reino Unido adotou "protocolos de escassez grave" na semana passada, permitindo que os farmacêuticos prescrevam formulações alternativas de antibióticos após um aumento de infecções como o estreptococo do grupo A.

Durante a pandemia, a menor demanda por antibióticos, combinada com uma forte pressão nas cadeias de suprimentos, levou os fabricantes de medicamentos a reduzir a produção. Mas, como muitos países experimentam seu primeiro inverno sem restrições em dois anos, as pressões de oferta e os requisitos regulatórios estão dificultando o crescimento das empresas e a resolução da escassez, disseram especialistas em saúde.

Frascos de remédios
Frascos de amoxicilina - Lucy Nicholson - 27.abr.2016/Reuters

A escassez também ocorreu porque "os países não previram que as infecções respiratórias nos atingiriam [com tanta força] no primeiro ano sem máscaras", disse Hedman.

Onde foi relatada a escassez?

A escassez de amoxicilina foi relatada nos Estados Unidos e no Canadá, enquanto 25 dos 27 estados membros da União Europeia informaram à Agência Europeia de Medicamentos baixo suprimento de alguns antibióticos.

O impacto nos países mais pobres ou menores é menos conhecido, mas eles podem ser afetados de forma desproporcional, especialmente se suas moedas tiverem depreciado e eles precisarem adquirir medicamentos no mercado aberto, disse Hedman.

Embora os volumes possam ser pequenos em comparação com o uso em países desenvolvidos, eles estão longe de ser irrelevantes. Dusan Jasovsky, farmacêutico do grupo de ajuda Médicos Sem Fronteiras, disse que cerca de 5,7 milhões de pessoas morrem anualmente por falta de acesso a antimicrobianos, que incluem antibióticos, antifúngicos e antivirais.

O medo de aumento de preços atua como um "desincentivo" para relatar a escassez publicamente e à OMS, acrescentou Hedman.

Alguns farmacêuticos americanos e europeus também relataram escassez de medicamentos comuns para alívio da dor, como paracetamol, já que uma onda de gripe no inverno, o vírus sincicial respiratório (VSR) e casos de Covid-19 aumentam a demanda. Ilaria Passarani, secretária-geral do Grupo Farmacêutico da União Europeia, disse que medicamentos para tratar infecções como tuberculose e infecções de pele também foram afetados.

O que está causando o déficit?

A escassez de medicamentos, desde contra o câncer a anestésicos, foi comum no auge da Covid-19, destacando a pressão nas cadeias de suprimentos. A guerra na Ucrânia interrompeu ainda mais o fornecimento de ingredientes para antibióticos, enquanto o aumento dos custos de energia reduziu as margens dos seus fabricantes.

Adrian van den Hoven, diretor-geral da associação de fabricantes de medicamentos genéricos Medicines for Europe, disse que, após dois anos de bloqueios, teria sido difícil para os fabricantes de antibióticos prever com precisão o aumento da demanda neste inverno por tratamentos como soluções antibióticas líquidas para crianças.

"Você pode prever uma estação infecciosa mais alta, mas não pode prever a taxa muito alta em crianças", disse ele.

Jasovsky, do MSF, disse que os estoques reduzidos de antibióticos são "sintomas menores" de um "desafio sistêmico" mais amplo, que afeta toda a cadeia, desde atacadistas, formuladores de doses finais e fabricantes originais.

A maioria dos ingredientes farmacêuticos ativos do mundo hoje vem da Índia e da China, e não da Europa, disse ele. E há "pouca transparência" em relação a esses materiais porque os processos de produção em todo o mundo são considerados informações proprietárias visíveis apenas para os órgãos reguladores. Isso "dificulta a realização de uma verdadeira avaliação de risco para determinar as áreas de maior vulnerabilidade", afirmou.

A cadeia de fornecimento de antibióticos pode levar entre quatro e seis meses, desde a produção até a distribuição. Mas Rajiv Shah, diretor-executivo da atacadista Sigma Pharmaceuticals, com sede no Reino Unido, disse que verificações regulatórias adicionais significam que demorou mais para os fabricantes de medicamentos reiniciarem as linhas que foram desativadas quando a produção foi reduzida durante a pandemia.

A escassez pode ser corrigida?

A Sandoz, uma das maiores fabricantes de antibióticos genéricos, disse que aumentou a produção de medicamentos em uma porcentagem de dois dígitos em 2022, contratando 140 novas pessoas desde setembro. No próximo ano, pretende fazer o mesmo, abrindo uma fábrica na Áustria.

Mas a empresa de propriedade da Novartis está sendo pressionada pelo aumento dos custos, que são mais difíceis de repassar nos mercados europeus, que limitam os preços dos medicamentos, acrescentando que seus concorrentes asiáticos têm acesso a fontes de combustível mais baratas para o processo de uso intensivo de energia. Os custos de outros ingredientes essenciais também dispararam, como açúcar para fermentação —parte importante do processo de fabricação.

"Você não pode simplesmente jogar alguns bolos extras no forno", disse Hedman, da OMS. "Quando você faz um antibiótico, precisa desligar e revalidar seu equipamento antes de fazer outro... [a escassez] pode levar meses para corrigir."

Passarani, do PGEU, disse que as soluções incluem forçar os fabricantes de medicamentos que buscam autorização europeia a comercializar seus medicamentos em todos os estados membros e criar um mecanismo de redistribuição durante uma crise.

Jasovsky, o farmacêutico do MSF, disse que mecanismos de agrupamento entre países, empresas e organizações multilaterais devem ser adotados, e que se deve fazer mais para diversificar as capacidades de fabricação e melhorar a transparência, o compartilhamento de dados e as previsões.

A escassez aumenta o risco de resistência antimicrobiana?

Os médicos geralmente prescrevem antibióticos de "ação estreita" para evitar o surgimento de superbactérias resistentes a tratamento —um fenômeno crescente conhecido como resistência antimicrobiana. Ao visar bactérias específicas, a prática reduz a probabilidade de infecções se tornarem imunes aos antibióticos.

Mas a indisponibilidade de alguns antibióticos significa que médicos e farmacêuticos estão autorizados a dispensar outras classes de antibióticos com uma gama de ação mais ampla, que geralmente são reservadas para infecções que não são curadas por antibióticos de primeira linha.

Lorenzo Moja, cientista que trabalha na lista de medicamentos essenciais da OMS, disse que é comum os médicos prescreverem antibióticos em excesso para infecções leves nos meses mais frios, de modo que a escassez está "levando a problemas adicionais em termos de resistência".

Isso arrisca o que Moja chama de "inércia" da prescrição, em que alguns médicos acham difícil voltar a prescrever antibióticos específicos quando a escassez diminui, o que ameaça a proliferação de micróbios mais difíceis de tratar.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Colaborou Jamie Smyth, em Nova York

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