Descrição de chapéu Ética & Saúde genética

Extinção de prazo para cultivo de embrião preocupa especialistas

Decisão de sociedade internacional reacende debate ético sobre manipulação genética

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Stephanie Suarez Suzana Petropouleas Vitória Carolina
São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília

A decisão da ISSCR (Sociedade Internacional para Pesquisa com Células-Tronco) de eliminar o prazo máximo de 14 dias recomendado para pesquisas com embriões humanos in vitro já impacta estudos na área e preocupa especialistas, que temem implicações éticas.

O problema é que a instituição —composta por especialistas de 67 países —não fixou um novo prazo, levantando temores de que a manipulação de embriões avance sem controle em nações com legislação mais frouxa.

Definido nos anos 1980, o prazo ajudou a reduzir a oposição social à manipulação de embriões e permitiu o avanço das pesquisas, diz Insoo Hyun, professor do Centro de Bioética da Faculdade de Harvard e um dos responsáveis pela atualização.

A força-tarefa da ISSCR diz que o limite foi estabelecido quando o cultivo em laboratório não passava dos cinco dias. Agora, quando já se chegou a 13, a restrição impede o avanço das pesquisas em um período fundamental do desenvolvimento humano, aquele em que células embrionárias se diferenciam em tecidos e órgãos.

Os pesquisadores dizem que, com mais tempo para estudar o embrião, será possível entender as causas de defeitos congênitos ou os abortos espontâneos frequentes no período inicial da gravidez, além de impulsionar a medicina regenerativa.

Para Irene Yan, professora do Departamento de Biologia Celular e do Desenvolvimento da USP (Universidade de São Paulo), será fundamental também para validar tecnologias não baseadas em embriões, como as células pluripotentes induzidas usadas no desenvolvimento de organoides (protótipos de órgãos e tecidos criados em laboratório).

Ela acredita que comunidade científica manterá o controle sobre as pesquisas. "Você não consegue publicar seus resultados a não ser que demonstre que o projeto passou pela verificação ética."

Quem também vê a mudança com otimismo é Lygia da Veiga Pereira, professora de genética e biologia da USP cujo grupo foi responsável pelo mais longo cultivo de embrião de que se tem notícia no país, de sete dias.

A decisão, diz ela, abre a "caixa preta" do período compreendido entre a terceira semana, quando as pesquisas in vitro não podiam mais ser feitas, e a quinta, quando é possível iniciar as ultrassonografias do útero.

Lygia pondera que a ISSCR recomenda o uso do mínimo possível de embriões e que a aprovação de novos estudos leva em conta sua relevância.

Demais restrições, porém, dependem da legislação de cada país. "Pulverizar o controle da regra pode ser danoso", diz Eduardo Sequerra, pesquisador do Instituto do Cérebro da Federal do Rio Grande do Norte. "Qual será o limite para o cultivo quando, tecnologicamente, der para avançar?"

A mudança reacende o debate sobre manipulação genética para, por exemplo, escolher o sexo. "É uma discussão pertinente e deve ser pública. Nem tudo que temos capacidade de fazer, devemos fazer", diz Sérgio Rego, do comitê de integridade em pesquisa da Fiocruz.

No Brasil, esse tipo de intervenção é vedada. Resolução publicada neste ano pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) determina: "As técnicas de reprodução assistida não podem ser aplicadas com a intenção de selecionar o sexo (presença ou ausência de cromossomo Y) ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, exceto para evitar doenças no possível descendente."

O avanço das técnicas de pesquisa pode trazer, ainda, dilemas éticos dignos de filmes de ficção científica.

Liderados pelo especialista em células-tronco Jacob Hanna, pesquisadores do Instituto de Ciência Weizmann, em Israel, cultivaram embriões de camundongo fora do útero por até 11 dias (um terço da gestação). Antes, o prazo se restringia a 24 horas. Vídeos mostram o coração batendo nos embriões.

O israelense já solicitou às autoridades locais a permissão para trabalhar com embriões humanos por até 40 dias, período em que estruturas como o coração já estão em formação.

"Há muito que se pode ver [a partir do 14º dia], mas é preciso ponderar: para que você está fazendo isso e como vai utilizar?", afirma Viviane Rosa, bióloga formada pela Unicamp que integra o grupo da cientista Marta Shahbazi, na Universidade de Cambridge. Em 2016, Shahbazi relatou o cultivo de embriões até o 13º dia. A Inglaterra ainda proíbe que se ultrapasse o limite de 14 dias.

No Brasil, a regulação das pesquisas com embriões é feita pela Lei da Biossegurança, de 2005. Embora não haja lei que defina tempo máximo de cultivo, uma resolução do CFM anunciada após decisão da ISSCR determinou que embriões para reprodução assistida não devem ultrapassar o 14º dia de desenvolvimento in vitro.

A legislação brasileira permite doar embriões para pesquisa se eles forem inviáveis para a fertilização in vitro ou caso tenham sido congelados até 2005. Em ambos os casos, é necessário consentimento do casal doador.

De acordo com o Sistema Nacional de Produção de Embriões, em 2019 o país registrou 100.380 embriões congelados, e apenas 22 foram doados para estudo.

Jorge Venâncio, coordenador da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), diz que o Brasil tem pouca pesquisa sobre embriões.

Em 2020 e 2021, a Conep aprovou 68 projetos com embriões no país: 28 correspondem a pesquisas experimentais, quando o pesquisador tem controle junto a determinadas variáveis, e 26 observacionais, tipo de pesquisa em que não há "intervenção" do pesquisador a fim de se obter os dados amostrais.

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