'Elétrico', André Henning dá o tom na TV de campanha histórica da seleção de handebol
Toda grande conquista recente do esporte brasileiro foi transmitida por uma voz do rádio ou da televisão que se fixou no imaginário coletivo. Brasileiros, Mundiais, Copas do Mundo, Olimpíadas - a memória do torcedor guarda a voz dos locutores como a trilha sonora dessas vitórias.
Na sexta-feira, a seleção feminina de handebol fez história ao bater a Dinamarca por 27 a 21 em Belgrado, na Sérvia, e garantir a inédita disputa de uma final do Mundial da categoria. Hoje, as brasileiras jogarão contra a seleção anfitriã e, caso vençam, serão apenas a segunda seleção não-europeia da história dos Mundiais a conseguir o título - a Coreia do Sul foi campeã em 1995.
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André Henning, narrador do canal Esporte Interativo |
E o locutor do último dos jogos decisivos do campeonato será mais uma vez o vibrante André Henning, 38.
Seguidor da linhagem de Osmar Santos e Galvão Bueno, duas referências da narração emocionada, Henning transita continuamente entre o cômico e o (melo)dramático, beirando algumas vezes a histeria.
Sua empolgação no Mundial tem dado contornos épicos às disputas. "Foi Deus quem colocou essa bola lá dentro", "Defesa milagrosa da filha da mãe da goleira da Dinamarca", "Ai, o narrador vai ter um troço, acho que meu dia chegou" foram expressões de que Henning lançou mão para dar o tom da tensão dos jogos.
Segundo ele, nada disso é ensaiado previamente: "emoção não é algo que se treina".
Filho do jornalista Hermano Henning, ele conta que começou a narrar aos seis anos de idade, acompanhando o pai nas gravações. "Eu ia até a ilha de edição e pedia para o funcionário ligar o equipamento para eu ficar brincando de narrador ali", diz.
Em entrevista à Folha logo após a transmissão do jogo do Brasil contra a Dinamarca, ele explicou como faz para equilibrar conhecimento técnico de um esporte pouco acompanhado no Brasil e a emoção de narrar um feito histórico da seleção brasileira.
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Folha - Como tem sido narrar os jogos do Mundial de handebol?
Henning - A ficha tem caído aos poucos, para falar a verdade. Eu convivo muito com a comunidade do handebol, e tenho recebido contatos, ligações, e o pessoal fala que estou me tornando "a voz do handebol". Eu gosto muito do esporte, eu jogava quando era mais jovem e acompanho de perto hoje. Eu tenho orgulho do que está acontecendo.
E a sua empolgação durante a narração, de onde vem?
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André Henning, narrador do canal Esporte Interativo |
Eu narrei o Mundial de 2011, que foi no Brasil e elas terminaram na quinta colocação. Depois, na Olimpíada de Londres, em 2012, eu não narrei mas fui por vontade própria até lá para assisti-las. Eu conheço o esporte, as jogadoras e me identifico com a garra delas. E eu acho que porque eu sei que elas são guerreiras de verdade eu consigo ser legítimo também quando me emociono. É uma narração mais autêntica, e por isso as pessoas abraçam.
E você treina antes dos jogos?
Tecnicamente, eu me preparo muito. Eu ligo para especialistas, leio revistas sobre o assunto. Para o último jogo, li jornais da Dinamarca. Mas emoção não se treina. Tanto que eu só vou lá em cima quando o jogo pede, quando é um drama. Eu me exaltei mais contra a Hungria, porque foi um jogo duro, que foi até a segunda prorrogação. Contra a Dinamarca foi um jogo mais tranquilo para o Brasil.
E os bordões?
Eles nascem na hora, também. Tem um que eu uso bastante que é o "tem que apanhar de cinta", para quando alguém erra feio, mas esse não tem aparecido muito no Mundial. Dessa vez eu tenho repetido o "foguetaço da Duda" [armadora da seleção brasileira], que continua sendo a craque do time, na minha opinião. Quer dizer, a gente tem a melhor jogadora do mundo, que é a Alexandra, mas a Duda tem um papel fundamental de organização, de fazer o jogo coletivo.
E o bordão é autêntico, no meu caso. Quando eu falo "o narrador precisa respirar", é porque eu estou para ter um colapso e preciso parar um pouco mesmo.
E você se inspira em outros narradores?
Ah, sim, não tem como. Minhas maiores inspirações são o Osmar Santos e o Galvão Bueno, que às vezes é criticado, mas é um gênio nesse tom nacional que ele dá. E o Sílvio Luiz, no aspecto da irreverência. Mas eu acho que eu tenho uma coisa diferente deles, que é esse drama, essa inquietação... Como eu posso colocar? Eu tenho eletricidade.
E o que mudou de 2011 para cá nessa seleção para que ela tenha conseguido chegar até a final?
As jogadoras evoluíram psicologicamente desde 2011, e isso é mérito delas e do técnico [o dinamarquês Morten Soubak], que muitas vezes cancela o dia de treinamento e dedica ao acompanhamento psicológico delas. O que mudou de lá para cá foi esse controle psicológico em momentos decisivos. Eu vi a bola queimar nas mãos de algumas há dois anos. Hoje, o técnico sabe equilibrar bem a calma do dinamarquês com a energia do brasileiro.
E o que significa para o handebol brasileiro essa campanha da seleção?
Primeiro, isso vem do planejamento da Confederação Brasileira de Handebol, que tem um convênio de longa data com o clube da Áustria [Hypo]. Muitas das jogadoras da seleção atuam juntas nesse time e são treinadas lá também pelo Morten Soubak. Isso gera entrosamento.
E essa campanha já era um ponto de virada para o handebol nacional desde que elas chegaram às semifinais, que era algo inédito. Acho que isso vai aumentar o número de praticantes profissionais de handebol, vai atrair mais atenção de público e de patrocinadores para o campeonato nacional. Eu acredito que pode ser algo transformador.
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