Vexame na Copa mostra que o Brasil não ensina mais futebol - Parte 2
Editoria de Arte/Folhapress | ||
No início da década passada, Fernando Carvalho era presidente do Internacional e costumava explicar como pretendia revitalizar seu clube, em crise: "Vamos vender jogadores intermediários para o mercado externo e com isso manter talentos como Nilmar e Daniel Carvalho."
Não era exclusividade do Inter. Vitória e Cruzeiro pensavam igual. A lembrança escancara que a formação nas divisões de base durante toda a década passada privilegiou a característica de jogo da Europa, não a do Brasil.
"Por muito tempo, os clubes queriam formar jogadores de força", confirma o coordenador das categorias de base do Palmeiras, Erasmo Damiani.
Fernando Carvalho hoje diz não ter realizado seu projeto. "Não consegui vender os intermediários e tive de negociar os melhores", diz.
Refere-se às vendas de Daniel Carvalho, Nilmar e Pato, que renderam perto de R$ 80 milhões ao clube gaúcho entre 2004 e 2007.
Carvalho e Damiani admitem que a produção de jogadores "made in Brazil' para o mercado internacional fez muitos clubes privilegiarem força, potência e velocidade, em detrimento do drible e da fantasia. Isso começa a mudar pela percepção dos formadores daqui de que a Europa atual prefere os que têm qualidades técnicas e táticas.
Ninguém mais deseja um volante de 1,85 m que não sabe dar um passe longo. O cabeça de área do Real Madrid é Toni Kroos, 1,82 m, 93,5% de passes certos no Campeonato Espanhol. Na Copa do Mundo, o cabeça-de-área da seleção era Luiz Gustavo, 1,87 m, elogiado pelo índice de acertos na primeira fase do Mundial (88%), mas especialista nos passes curtos.
Nos últimos meses, o técnico Gallo, da seleção sub-21, pesquisou garotos nascidos no país que se transferiram muito cedo para a Europa e têm condição de defender o Brasil. Sua primeira lista pré-olímpica teve dez menores de 21 anos que atuam por lá.
Alguns, como Rafael Alcântara, do Barcelona, jamais treinaram num clube daqui. Vinícius Araújo, do Valencia, é diferente. Foi campeão brasileiro pelo Cruzeiro, mas está terminando sua fase de formação na escola espanhola.
Este é o retrato da seleção pré-olímpica.
Fernando Carvalho observa que, antes da Lei Pelé, o clube não precisava profissionalizar o garoto aos 16 anos. Não reclama da lei, mas julga caro manter jogadores médios. Por isso, aposta-se no maior talento e nem sempre ele vinga. Neymar treinou no Real Madrid aos 14 anos e o Santos precisou propor luvas de R$ 2 milhões para mantê-lo no Brasil. Virou profissional aos 17 anos.
Muitos amadurecem mais tarde. Paulinho foi dispensado do São Paulo, transferiu-se para a Lituânia e Polônia antes de jogar no Bragantino e ser contratado pelo Corinthians, aos 22 anos.
Alguns desistem, outros vão e nunca retornam. "Antes, os que não tinham chance nos grandes iam para os pequenos. Hoje, esse mercado ficou restrito", diz o gerente de futebol do São Paulo, Gustavo Vieira de Oliveira.
Há também o caso de Diego Costa. Do Lagartense (SE) foi para o Barcelona de Ibiúna (SP). Descoberto pelo empresário português Jorge Mendes –agente de José Mourinho– seguiu para o Sporting Braga e Penafiel, em Portugal. Depois, Atlético de Madri e Chelsea. Aceitou jogar pela seleção da Espanha e diz sentir-se espanhol, mas pretende morar em Sergipe quando encerrar a carreira.
Nunca vai fazer gols pela seleção brasileira.
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