Somos mais avançados que os técnicos estrangeiros, diz Luxemburgo
"Por que fomos entender que a Europa, que sempre perdeu pra gente, está certa e nós estamos errados?".
A frase é do treinador Vanderlei Luxemburgo, que vê supervalorização das doutrinas europeias no futebol brasileiro. Para ele, os técnicos nacionais não devem nada a seus colegas estrangeiros.
À Folha, o técnico cinco vezes campeão do Brasileiro aponta uma crise de identidade como causa do mau futebol jogado no Brasil.
"Se tenho jogadores com a qualidade de desmontar qualquer esquema, por que eu tenho que transformar tudo em robô?", indaga ele, cujo time que comanda, o Flamengo, foi eliminado nas semifinais do Estadual do Rio.
A equipe estreia neste domingo (10) no Brasileiro, contra o São Paulo, no Morumbi.
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Folha - Vemos técnicos brasileiros indo para a Europa estudar futebol. Qual é o grau de defasagem que nossos treinadores estão em relação a Guardiola, Mourinho, Ancelotti?
Vanderlei Luxemburgo - Isso foi criado pela imprensa ou por parte dela. Como você mensura um técnico retrógrado? Se baseia em resultado momentâneo. Diz: "Ah, perdeu a Copa". É a primeira vez que perde Copa no Brasil?
A análise de que os técnicos brasileiros estão ultrapassados é muito injusta. Sempre estudamos e soubemos de tudo o que acontece no futebol no mundo. Foi uma opção do Tite fazer isso [estudar o futebol de outros países].
Trabalhei lá fora. Somos muito mais avançados que eles. Se você conhecer a estrutura que eles têm e a que nós temos, não é muito diferente. O que não temos é o poder econômico deles.
A diferença é só financeira?
A Alemanha veio aqui e deu um show de planejamento. Qual é a melhor economia do mundo? É da Alemanha. Eles construíram centro de treinamento em tudo quanto é canto. O governo... E a nossa economia aqui? Que ajuda nós temos de governo? Acabaram os campos de futebol. Construíram prédios e mais prédios. E onde que se joga bola hoje? Em centro de treinamento de grama sintética.
O Brasil falhou no planejamento para a Copa-14?
Será que o planejamento da Alemanha foi diferente do feito pelo Brasil de 1970? A Alemanha fez um trabalho visando a Copa que já tinha um retrospecto de duas Copas perdidas. Não é diferente do Brasil de 1966.
Se você pegar as histórias das Copas, vai ver o seguinte: um país que perde a Copa e mantém uma base, na próxima é candidato. Mas se você falar "nós perdemos uma geração nessa Copa", aí sim.
Jogadores que eram para estar como grandes protagonistas, Kaká, Robinho, Ronaldinho Gaúcho, Adriano, não jogaram a Copa. Naturalmente eram para estar lá. Os quatro principais jogadores não mantiveram carreira a nível de seleção com êxito.
Então é aí que eu me baseio na qualidade, planejamento. Somos modernos. Trabalhei no Real Madrid e levei fisiologistas, fisioterapeutas, nutricionistas. Falam do Mourinho [técnico do Chelsea], do Alex Ferguson. O Ferguson ficou por 30 anos [na verdade, foram 26] no Manchester United para ganhar duas Champions [League], com um baita orçamento. Se fosse aqui no Brasil, estaria fodido [risos].
Ao fim das últimas Copas, os modelos táticos usados pelos europeus têm se tornado padrão, como o 4-2-3-1, 4-1-4-1...
Quem disse que o mundo joga no 4-1-4-1? Não existe 4-2-3-1. Existe um 4-3-3 disfarçado. Criaram um volante como se fosse 4-1-4-1. Estão muito preocupados com isso e esquecendo a essência. Por que fomos entender que a Europa, que sempre perdeu pra gente, está certa e nós estamos errados? Será que não esquecemos de manter nossa cultura e avançar com a doutrina nossa, com a nossa qualidade?
Se produzo jogadores com a qualidade de desmontar qualquer esquema, com qualidade individual, por que eu tenho que transformar tudo em robô? Que cultura nós temos? Esquema tático? Isso não é a nossa cultura.
Acha que o futebol brasileiro perdeu sua essência?
O que aconteceu com nossas origens? Por que nós temos um campeonato que não revela mais um jogador? Isso que nós temos que voltar a discutir. Onde estão as nossas raízes? Temos que discutir para voltar à essência do futebol brasileiro, e não à essência do futebol europeu.
Como se sentiu no caso da mordaça, em que foi punido por criticar o Estadual do Rio?
O futebol é um processo ditatorial. Desde a Fifa até aqui. Eu posso criticar o presidente do meu país e não posso criticar o campeonato? Tem alguma coisa errada.
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