ALEX SABINO
DE SÃO PAULO

A Escócia não participa da Copa do Mundo desde 1998. As chances de que não esteja no Mundial da Rússia, em 2018, são grandes. Nas oito vezes em que se classificou, jamais passou da primeira fase. As esperanças do país estão na partida deste sábado (10), contra a Inglaterra, em Glasgow, às 13h (de Brasília). O confronto mais antigo de seleções na história do futebol.

O clássico em que a Escócia mudou para sempre a história do esporte ao inventar o estilo que seria consagrado décadas depois por Brasil, Holanda, Espanha e, mais recentemente, Barcelona: as trocas de passes curtas e os deslocamentos rápidos.

A Escócia inventou o tiki taka.

Nas Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018, as duas equipes estão no Grupo F. A Inglaterra lidera, com 13 pontos. A Escócia está em quarto, com sete. Apenas o primeiro colocado se classifica. O segundo pode ter a chance de tentar uma vaga pela repescagem.

Quando jogaram pela primeira vez, no West of Scotland Cricket Ground, em 1872, jamais havia acontecido uma partida entre duas seleções. Os ingleses viajaram com elenco mais experiente, de atletas mais altos e fortes. O amistoso terminou 0 a 0 porque os escoceses utilizaram sistema simples para negar aos adversários a posse de bola.

"O time escocês era composto apenas por jogadores do Queen's Park, o principal clube do país. Eles usaram um esquema que ninguém conhecia até então. Ficaram com a bola trocando passes. Os ingleses não conseguiram atacar", explica à Folha Jim Murphy, escritor, político escocês e especialista no futebol local.

O toque curto nasceu como uma arma de retranca.

"Para entender a relevância disso, é preciso olhar para a característica do esporte no século XIX", afirma Willy Maley, professor de Literatura Inglesa na Universidade de Glasgow.

Na Inglaterra, a regra do impedimento dizia que quando a bola era chutada, o jogador da mesma equipe mais próximo do gol não poderia tocá-la. Seria considerado em posição irregular. O futebol tinha característica de rúgbi. Quem estivesse com a posse, tentava driblar até conseguir o arremate ou dava um bicão e todos corriam atrás da bola onde esta caísse. Até a unificação das regras, o impedimento na Escócia era marcado apenas quando o atacante recebia passe com menos de três defensores à frente e a pelo menos 20 metros do gol. Era mais fácil fazer passes na vertical.

O amistoso de 1872 se tornou um chavão do que o esporte veria no futuro. Uma equipe mais forte e alta em busca do futebol-força. O adversário, com atletas menores e fisicamente mais frágeis, trocando passes e usando a velocidade.

Com a estratégia, o Queen's Park virou uma espécie de Barcelona do século XIX. Imbatível, se tornou tão temido pelos adversários que ninguém queria enfrentá-los. O jeito foi se filiar à Federação Inglesa. A equipe inda existe, está na terceira divisão escocesa e caiu no ostracismo por insistir em continuar amador mesmo na era do profissionalismo.

Não que a então nova ideia tenha abolido o estilo inglês que, durante décadas, foi apoiado no que ficou conhecido cono "rota 1": lançar a bola da defesa para frente e fazer os atacantes brigarem com os zagueiros pelo alto. Mas criou uma tendência.

"É possível traçar uma linha evolutiva de como essa filosofia, criada por escoceses, foi espalhada no futebol de outros países", completa Murphy.

Em 1901, RS McColl deixou o Queen's Park para ser profissional e implantar a proposta no Newcastle, na Inglaterra. Doze anos depois, o lateral co clube Peter McWilliam sofreu lesão que o obrigou a pendurar as chuteiras. Foi para o Tottenham Hotspur, em Londres, depois de ser treinado por McColl. A equipe abraçou a estratégia e tinha três jogadores que se destacaram na década de 30: Bill Nicholson, Artur Rowe e Vic Buckingham.

Rowe tirou o Tottenham da segunda divisão e colocou na elite. Nicholson conquistou o que era considerado impossível no país: fez o time ser o primeiro a vencer o campeonato inglês e a Copa da Inglaterra no mesmo ano (1961).

A chave da exportação do modelo foi Buckingham. Ele dirigiu o West Bromwich Albion e, em 1961, aceitou oferta do Ajax da Holanda. Saiu e voltou. Ao retornar, em 1964, disse que apenas toparia o cargo se o clube adotasse a sua maneira de ver o futebol. Foi atendido. No mesmo ano, escalou pela primeira vez um meia de 17 anos chamado Johan Cruyff. No ano seguinte, acabou substituído por Rinus Michels, que criaria a Laranja Mecânica holandesa da Copa de 1974.

Buckingham assumiu o Barcelona em 1969. Ficou até 1971 e foi sucedido novamente por Michels, que pediu a contratação de Cruyff. A partir daí, fica mais fácil seguir as pegadas. Michels foi o mestre de Cruyff. O jogador se tornou técnico do Barcelona e é o responsável pela ideia de que todos as categorias de base do clube catalão devem jogar da mesma forma até o profissional. O holandês foi a maior influência de Pep Guardiola, que popularizou a expressão tiki taka, embora a odeie. Porque no fundo, quer dizer a troca de passes infrutíferas, algo que vai contra tudo o que defende.

Tudo começou em 1872, no primeiro confronto entre os rivais que se enfrentam neste sábado, em Glasgow. A Inglaterra deve estar na Rússia no próximo ano. É mais provável que a Escócia, não. Apenas para dar sequência à piada (verdadeira) feita por Campbell Ogilvie, ex-presidente da Federação do país. Em 2015, no auge da crise da Fifa e prisões de dirigentes, um jornalista alemão lhe perguntou se os escoceses consideravam a possibilidade de boicotar a Copa do Mundo.

"Nós a boicotamos desde 1998", respondeu.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.