Com Nuzman na berlinda, dívida da Rio-2016 deve ficar impagável

PAULO ROBERTO CONDE
DE SÃO PAULO

A operação Polícia Federal no início deste mês que intimou Carlos Arthur Nuzman a depor e recolheu seus passaportes respingou em sua prioridade como presidente do Comitê Organizador dos Jogos do Rio: saldar a dívida da entidade, atualmente próxima a R$ 132 milhões.

A Folha apurou que a investigação conduzida por autoridades brasileiras e francesas atrapalhou o esforço de persuadir o COI (Comitê Olímpico Internacional) a auxiliar na quitação do débito.

A decisão de dar recursos a Nuzman cabe ao comitê executivo do órgão. A discussão entre as partes, que já estava encaminhada e era tratada com um grupo técnico dentro do COI, arrefeceu com a repercussão do caso.

O mais provável é que não seja repassado ao Rio-2016 qualquer valor. Com isso, a dívida pode ficar impagável.

Antes da ação deflagrada, o cartola tinha um plano para persuadir o comitê olímpico a prestar-lhe um socorro financeiro, que consistia em demonstrar uma relação atualizada de débitos e um plano de ação para abatê-los.
Um dos argumentos era citar a contratação de auditoria voltada especificamente para a aferição da dívida.

Tratava-se de aspecto importante, porque de início o COI não confiou nos números mostrados pelo Rio-2016.

A apresentação estava prevista para ocorrer na assembleia do órgão em Lima, no Peru, entre 11 e 16 deste mês. Porém, Nuzman teve passaportes apreendidos pela PF.

Encurralada, agora a organização carioca quer retomar o diálogo com o COI para que ele interfira ao menos politicamente na resolução do caso.

Na primeira semana de outubro, o Comitê Rio-2016 espera fazer uma reunião com a cúpula do comitê. Basicamente, quer reforçar o que não pôde transmitir em Lima.

Como Nuzman não pode sair do país, o encontro deve ser feito por vídeo conferência.

Diante da constatação de que o COI dificilmente liberará verbas, a intenção é contar com seu apoio para convencer a Prefeitura do Rio, o governo do Estado e o governo federal a liberar verbas que quitem os R$ 132 milhões.

O dirigente também enfatizará que tem negociado individualmente com cada um dos entes governamentais.

Os três já afirmaram que, em princípio, não farão repasses. O Ministério do Esporte afirmou à Folha, em agosto, não ter mais nenhum compromisso com o comitê.

Além disso, a pasta pode ver uma redução de 68% no seu orçamento para 2018.

O governo do Rio encara crise histórica, com atraso de pagamento a servidores.

O município, sob Eduardo Paes, assinou pouco antes do início da Olimpíada um convênio de R$ 150 milhões para o evento. Do montante total, repassou R$ 30 milhões.

A União, por meio de patrocínio de estatais, também repassou dinheiro, mas R$ 73,5 milhões dos R$ 100 milhões que havia prometido.

No contrato da cidade-sede assinado quando o Rio de Janeiro ganhou o pleito olímpico, em 2009, uma cláusula determina que a prefeitura e o Estado do Rio têm de arcar com algum eventual deficit do evento.

O comitê tem de ser encerrado até o final de 2023, segundo seu estatuto.

Pouco depois dos Jogos, o Comitê Rio-2016 mudou-se da sede própria que tinha na Cidade Nova, no Rio, para um escritório no Centro. Atualmente, ele tem 26 funcionários –no auge da fase operacional, chegou a ter 6.000.

A entidade teve um orçamento de R$ 8,7 bilhões a seu dispor e fez discurso de que não precisaria de dinheiro público. Apesar disso, contraiu dívida que chegou a R$ 132 milhões, de acordo com auditoria especializada.

A maior parte do débito é com nove fornecedores. A dívida com a Light chegou a R$ 22 milhões, que, segundo a empresa, foi quitado.

Há parcela considerável também de dívidas trabalhistas. Outra pendência é com consumidores que revenderam ingressos na plataforma online do comitê. A quantidade, que chegou a ser de 140 mil em outubro de 2016, hoje está abaixo de 4.000.

SAIA-JUSTA

O impacto do suposto envolvimento de Nuzman em compra de votos provocou mal-estar entre os membros do COI, que cobram ação enfática. Ele é membro honorário do comitê e integra comissão para os Jogos de Tóquio.

Investigadores suspeitam que o cartola teria atuado em esquema de compra de votos na campanha olímpica do Rio. Ele seria o elo entre o empresário Arthur Soares de Menezes e os senegaleses Lamine e Papa Massata Diack, que efetuaram transações milionárias para negociar votos na corrida pela sede dos Jogos.

Lamine, um ex-membro do COI e presidente da Associação Internacional das Federações de Atletismo de 1999 a 2015, está preso na França.

Os advogados de Nuzman negam que ele tenha qualquer participação no esquema e entraram com pedido de habeas corpus para liberação de seus passaportes.

CRONOLOGIA DA DÍVIDA

3.jun.2016
Folha revela que Comitê Rio-2016 fez manobra seu balanço de 2015 para encobrir uma perda de R$ 129 milhões no exercício –terminou com superávit de R$ 17 milhões

ago.2016
Então prefeito do Rio, Eduardo Paes promete R$ 150 milhões, por meio de convênio, para a realização dos Jogos Paraolímpicos. Juíza proíbe o aporte de recursos por indicar falta de transparência na utilização dos recursos. O governo federal também daria R$ 100 milhões por meio de estatais

out.2016
Comitê Rio-2016 deve reembolso a 140 mil consumidores que usaram a plataforma online da entidade para revenda de ingressos. Órgão também admite dívidas de mais de R$ 20 milhões com seus fornecedores

abr.2017
Relatório de auditoria confirma que dívida do Rio-2016 chegou a R$ 132 milhões e levanta dúvida quanto à capacidade de "liquidar seus passivos"

5.set.2017
Carlos Arthur Nuzman, presidente do Comitê Rio-2016 e do Comitê Olímpico do Brasil, é intimado a depor e tem seus passaportes recolhidos pela PF sob suspeita de ter participado de esquema de compra de votos. Ele fica impedido de ir à sessão do COI em Lima, onde negociaria verbas com o órgão

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