Antes de ser herói nacional, Ricardo Gareca foi vilão.
Fez o gol que classificou a Argentina para o Mundial de 1986 e eliminou os peruanos, a seleção que hoje dirige.
O lance deveria ter selado sua presença na Copa do México. Mas a estreia vai acontecer apenas em 2018, na Rússia.
Na época, Gareca era nome certo na lista do técnico Carlos Bilardo. Em época pré-internet, esperava a ligação no hotel que servia de concentração para seu clube, América de Cáli.
No meio da tarde, quando saiu no corredor, percebeu que nenhum outro jogador o encarava. Gareca não estava na lista. "Eu não disse nada. Apenas fui para o meu quarto e chorei", confessa.
Ele se sentiu injustiçado. No momento em que Bilardo era massacrado pela imprensa argentina, Gareca o defendeu. Organizou conversa dos jornalistas com jogadores da seleção e estes pediram para que as críticas parassem.
De certa forma, depois disso nasceu o Ricardo Gareca que depois seria técnico e classificaria o Peru para a Copa do Mundo pela primeira vez depois de 36 anos.
"O maior desafio foi fazer os peruanos acreditarem no próprio potencial. Havia um problema de confiança. No momento em que alguma coisa dava errada no jogo, era o fim. Tivemos de fazê-los perceber que havia um caminho", disse Gareca à Folha dias antes do sorteio que definiu que a seleção vai enfrentar França, Dinamarca e Austrália no grupo C.
Falar em disciplina é discurso que não caberia para o Gareca atacante pré-1986.
Em 1981, ele foi suspenso por oito jogos por arrancar o cartão vermelho da mão do árbitro e jogá-lo para cima. Quando voltou do gancho, ofendeu outro juiz e ficou fora por mais 11 partidas.
É o mesmo Gareca que hoje fica cheio de dedos para falar sobre a situação de Paolo Guerrero, suspenso por doping, mas que poderá jogar a Copa após a redução da sanção para seis meses.
"Não posso comentar sobre essa situação. Paolo é uma referência para o grupo. É grande jogador e excelente pessoa. Ninguém na seleção tem nada de ruim para dizer a respeito dele", completa.
Não é a classificação que vai encerrar a lavagem cerebral que Gareca faz nos jogadores e torcedores peruanos. É algo que precisa seguir.
Ele afirma ter percebido isso na homenagem feita ao time, quando um deputado disse que havia uma geração de peruanos que jamais viu a seleção disputar a Copa. No evento, Gareca recebeu do Congresso a medalha de honra no grau de cavalheiro.
O técnico argentino quer que a classificação vire rotina. Como foi para o Equador entre 2002 e 2010 ou para a Colômbia a partir de 1990.
"Não é possível que o Peru vá esperar mais 30 anos para ir novamente ao Mundial. O futebol peruano precisa encarar a vaga como algo natural, não inesperado."
O momento que sentiu sua mensagem ser assimilada de verdade tem data: 5 de setembro de 2017. O Peru venceu o Equador em Quito e entrou no grupo dos classificados.
Desde que a vaga foi assegurada, Gareca é questionado sobre a volta à seleção do atacante Claudio Pizarro, 39, do Colônia (ALE). Sempre usa a resposta para mandar recado aos outros atletas: o grupo não está fechado. Motivação é palavra batida, mas ele usa a própria decepção de 31 anos atrás como combustível.
E, se a equipe passar da fase de grupos, todos vão acreditar mais no seu credo: "Não vamos à Rússia para fazer figuração. A classificação foi emocionante, vi muita gente chorando, mas temos potencial para mais."
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