Marcas abrem espaço para inclusão social de olho no mercado esportivo

Crédito: Caitlin O'Hara/The New York Times Peter Kline treina para disputar maratona empurrando cadeira de rodas na cidade de Prescott, nos Estados Unidos
Peter Kline treina para disputar maratona empurrando cadeira de rodas na cidade de Prescott, nos Estados Unidos

GINA KOLATA
DO "NEW YORK TIMES"

Taylor Little tinha 20 anos quando disputou sua primeira maratona. Como sofre de paralisia cerebral, ela precisou dos braços e pernas de outra pessoa para competir.

Peter Kline tinha 60 anos e era um fundista experiente, em busca de um novo desafio, quando se posicionou por trás do triciclo de Little naquele dia de 2012, para empurrá-la pelos 42.195 metros da Maratona de Las Vegas.

Eles chegaram juntos à linha de chegada, em cinco horas e 27 minutos, e Little ainda recorda a emoção daquele dia: "Senti que podia ser como todas as outras pessoas", disse ela recentemente,

Little, 25, continuou a disputar maratonas, agora em companhia de Erin, 20, sua irmã, que também sofre de paralisia cerebral. Desde aquela primeira prova em Las Vegas, onde vivem, elas vêm participando de cerca de três maratonas por ano.

Aquele dia também mudou Kline, que corria maratonas regularmente. Ele não voltou às provas tradicionais, e fundou a organização Marathons With Meaning para aproximar corredores de pessoas que sofrem de deficiências.

A organização foi destaque em um catálogo da Brooks Running, uma empresa de equipamento esportivo e patrocinadora de Kline, para a temporada de festas do final de 2017. O catálogo abriu mão dos modelos e dos atletas olímpicos usuais e estampou, entre outras fotos, imagens da Blacl Girls Run, que promove estilos de vida saudáveis para as mulheres negras.

A iniciativa está em compasso com uma tendência no mundo da corrida.

Com a disseminação de provas de corrida competitivas, o que causou um excesso de provas com taxas de inscrição salgadas e, aos poucos, deu lugar a eventos mais sociais e menos exclusivos. O futuro do esporte talvez esteja mais na conexão do que na competição.

Para Toni Carey, 34, uma das fundadoras da Black Girls Run, o tema da Brooks foi "uma lufada de ar fresco".

Os negros continuam a ser presença rara entre os praticantes de jogging recreativo. Entre as mulheres, eles respondem por apenas 5% dos praticantes, na estimativa de Carey, e o número baixo parece ter um efeito desencorajador, levando algumas mulheres negras a nem mesmo tentarem o esporte. É aí que entra a Black Girls Run, oferecendo apoio e camaradagem.

"Quando você não se vê em um determinado esporte, acha que ele não serve para você", disse Carey.

Ao mesmo tempo, o mundo mais amplo da publicidade vem dando pequenos passos para além das imagens retocadas e idealizadas que costumam ser usadas para vender produtos para mulheres. A cadeia de drogarias CVS Pharmacy anunciou na semana passada que deixaria de retocar as imagens associadas aos seus produtos de beleza. A linha de lingerie Aerie, do grupo American Eagle Outfitters, assumiu compromisso semelhante.

Em 2004, a Dove iniciou uma campanha chamada "Beleza Real", que mostrava mulheres de diversas idades, raças e tamanhos. A estratégia valeu fama duradoura para a marca, mas ao longo dos anos ela também produziu anúncios ao estilo "antes e depois", altamente criticados, que mostravam mulheres de pele mais escura se transformando em mulheres brancas. Os críticos também apontam que, embora a Dove tivesse declarado que pretendia mudar os padrões de beleza, a campanha implicitamente dizia às mulheres que comprassem produtos Dove para ficarem mais bonitas.

Mesmo assim, a campanha gerou alta de vendas, disse Americus Reed 2º,, professor de marketing na Escola Wharton de Administração de Empresas, Universidade da Pensilvânia. Ele disse ter visto dados internos da Dove sobre os resultados.

Crédito: Eden Capsouto via The New York Times Peter Kline em fotos após término de corridas empurrando cadeiras de rodas
Peter Kline em fotos após término de corridas empurrando cadeiras de rodas

Para uma empresa como a Brooks, disse Reed, uma abordagem desse tipo pode ser um risco.

"A marca é um sinal de identidade",ele disse, e a publicidade tradicional de equipamentos para corrida se baseia na visão idealizada que o consumidor faz de si mesmo. Uma corredora pode saber que é novata, mas ao olhar para a foto de uma atleta de musculatura perfeita em uma trilha de montanha, é possível que se imagine como igual à modelo, com um pouquinho de esforço.

Mesmo que atletas competitivos se sintam comovidos com as imagens do catálogo de festas da Brooks, eles podem rejeitar subliminarmente o produto porque não reconhecem seus eus idealizados na campanha, disse Reed.

Os corredores competitivos são muitas vezes divulgadores leais das marcas que preferem, disse Reed, embora os corredores recreativos tendam a ser menos leais e a persistir no esporte por menos tempo.
Reed acrescentou que as empresas precisam se perguntar se "vale a pena diluir o mercado-alvo à custa de possivelmente diluir a marca".

A Brooks disse que seu catálogo de festas ajudou nas vendas, mas não forneceu números. A companhia disse que planejava manter o tema em seu catálogo de março, contando histórias inspiradoras por meio de corredores reais.

Uma dessas histórias é a de Gabriele Grunewald, corredora profissional de média distância patrocinada pela Brooks, que está em tratamento por um câncer raro, um carcinoma adenoide cístico, mas continua a competir.

Outra é a de Julie Lam, triatleta que compete no circuito Ironmen e só começou a correr depois dos 40 anos de idade, ao final de um período de seis meses no qual ela perdeu o pai, o avô e se divorciou.

Carey, gerente de marketing e comunicação de uma organização sem fins lucrativos, disse que as integrantes de seu grupo não receberam cachês por sua participação no catálogo, mas que ganharam as roupas que usaram nas sessões fotográficas. E conseguiram difundir a missão da Black Girls Run de uma maneira que não esperavam.

Ela e Kline não têm dúvida de que a Brooks foi sábia em se concentrar na capacidade do esporte para criar comunidades. "Oh, meu deus, as marcas começaram a entender", disse Carey.

Kline, de Bellevue, Washington, trabalha como consultor de investimento para o banco Merrill Lynch, e disse: "Acho a ideia genial. Não tenho interesse financeiro na Brooks, mas espero que eles faturem muito com a campanha".

Crédito: Caitlin O'Hara/The New York Times Peter Kline com revista mostrando o trabalho social desenvolvido por sua entidade
Peter Kline com revista mostrando o trabalho social desenvolvido por sua entidade

Como Carey, ele e os membros de sua organização não receberam cachê para aparecer no catálogo, e Kline acrescentou que não teria aceitado dinheiro, se lhe fosse oferecido.

Ele se recorda de ter suas abordagens rejeitadas, quando procurou diversas organizações filantrópicas pedindo ajuda para localizar pessoas que não fossem capazes de participar sozinhas de uma maratona na seção de cadeirantes.

Ele disse que as organizações consideraram sua proposta "uma ideia idiota" e insistiram em que seus beneficiados preferiam passear por um parque de diversões do que serem empurrados por alguém em uma maratona.

Mas Kline sabia que precisava de uma nova abordagem para continuar a correr. Ele já estava quase entediado, depois de mais de uma década participando de maratonas. Estava qualificado para a Maratona de Boston,e participou de provas ainda mais longas que maratonas. Mas as metas que se propunha já não pareciam tão convincentes.

Por isso Kline persistiu na busca de um atleta-carona - o termo que ele prefere para o pessoal que participa da Marathons With Meaning - e encontrou Taylor Little. O tempo que eles conseguiram naquela maratona em Las Vegas foi mais de 90 minutos mais alto que a melhor marca solo de Kline como maratonista, 3h55min, na mesma prova cinco anos antes. Mas a velocidade não importava. Ele havia redescoberto sua paixão.

Eden Capsouto, mãe de Little, disse que também havia sentido o elo emocional da inclusão.

"Estava assistindo à prova na rua como mãe de uma atleta", ela disse. "Foi muito bacana".

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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