Fifa lança alerta de integridade quanto à votação para sede da Copa-2026

Crédito: Sergei Karpukhin/Reuters O presidente da Fifa, Gianni Infantino, durante evento em Moscou
O presidente da Fifa, Gianni Infantino, durante evento em Moscou

TARIQ PANJA
DO "NEW YORK TIMES"

Temerosa quanto a novos delitos de conduta, a Fifa alertou as 211 federações integrantes da organização de que não devem aceitar quaisquer recompensas dos comitês organizadores na votação que decidirá a sede da Copa do Mundo de 2026, em junho.

A Fifa fez seu alerta em uma carta enviada na sexta-feira (26) por sua secretária geral, Fatma Samoura. O documento de seis páginas, visto pelo jornal "The New York Times", parece ter por alvo o Marrocos, que está competindo com uma proposta conjunta do Canadá, Estados Unidos e México e ofereceu cobrir custos significativos que em geral são bancados pelas federações nacionais de futebol.

A carta de Samoura alerta os votantes a não aceitarem qualquer forma de assistência técnica ou ao desenvolvimento "que possa afetar indevidamente a integridade do processo seletivo".

A Fifa não respondeu a perguntas sobre o conteúdo da carta, limitando-se a oferecer um link para as normas do processo seletivo e outro para uma carta anterior sobre as regras do processo, enviada a todas as federações que integram a organização.

Este mês, o jornal "The New York Times" reportou que as autoridades marroquinas haviam discutido formalizar um compromisso entre o Marrocos e a Confederação Africana de Futebol (CFA) sob o qual seleções de todo o continente realizariam treinamentos e outras atividades de desenvolvimento do futebol no Marrocos. Os dirigentes da CFA ainda não decidiram se aceitarão a proposta, e não está claro se o Marrocos planeja levar a oferta adiante.

Um porta-voz do comitê organizador marroquino se recusou a comentar.

Os processos seletivos para escolher os países anfitriões de Copas do Mundo nas últimas duas décadas ou mais geraram acusações de compra de votos, e uma ampla investigação comandada pelo Departamento da Justiça norte-americano documentou histórias de pagamentos impróprios, que há anos eram conhecidos no mundo do futebol mas nunca haviam sido comprovados.

Não se conhece muitos detalhes técnicos sobre a oferta marroquina para sediar o torneio de 2026, a primeira edição com formato expandido para 48 seleções. Desde 1998, a Copa do Mundo vem sendo disputada por 32 seleções. A Fifa fez um lembrete específico ao Marrocos sobre as regras do processo, de acordo com uma pessoa diretamente informada sobre as discussões.

Em reunião com jornalistas, em Londres na semana passada, representantes do comitê organizador da candidatura do Canadá, Estados Unidos e México disseram que não tinham planos para novos programas de desenvolvimento, antes da reunião de 13 de junho, em que os países membros da Fifa decidirão o local da Copa do Mundo de 2026.

"Todos os três países conduzem programas desse tipo há anos", disse Sunil Gulati, presidente da federação de futebol dos Estados Unidos. "Não começamos novos programas do ano passado para cá".

A mais recente seleção de países-sede para a Copa do Mundo, em 2010, foi tão maculada por acusações de venda ou troca de votos que a Fifa se viu forçada a alterar suas regras. Pela primeira vez, todos os membros da organização votarão para selecionar o país anfitrião. Antes, essa escolha ficava reservada ao conselho executivo da Fifa, que tem 24 integrantes. Como constataram investigações posteriores, mais de metade dos membros desse órgão em 2010 se viram implicados em violações durante o processo que selecionou a Rússia para organizar a Copa de 2018 e o Qatar para organizar a Copa de 2022.

Os líderes do futebol da América do Norte tinham a esperança de evitar concorrência, e fizeram lobby para apressar a seleção da sede da Copa de 2026, mas a Fifa no ano passado rejeitou um pedido de estudo antecipado da proposta dos países norte-americanos –vistos por quase todos como fortes favoritos–, antes da abertura formal do processo seletivo. Isso abriu caminho para que o Marrocos se candidatasse pela quinta-vez a sediar uma Copa. O país norte-africano foi derrotado pelos Estados Unidos na seletiva para a Copa de 1994, e em novas tentativas quanto às copas de 1998, 2006 e 2010. Detalhes revelados por investigadores norte-americanos em um indiciamento por corrupção em 2015 demonstram que o Marrocos tentou subornar votantes em duas dessas candidaturas.

Diversos líderes do futebol africano, entre os quais Ahmad Ahmad, presidente da CFA, expressaram apoio publico à candidatura marroquina para 2026. A confederação continental de 54 integrantes deve votar seu apoio em bloco à candidatura marroquina na semana que vem. Mas isso também representaria violação das regras da Fifa, de acordo com a carta de Samoura.

"Todos os membros do Conselho da Fifa e delegados ao Congresso da Fifa devem selecionar seus candidatos ao shortlist ou suas escolhas finais com base em avaliação direta dos méritos das propostas, sem levar em conta comentários positivos ou adversos de outros dirigentes", ela escreveu. "Portanto, todos os dirigentes devem se abster de expressar publicamente sua opinião sobre os méritos de uma ou mais candidaturas, durante o processo de seleção".

A escolha da sede para a Copa de 2026 é crucial para as finanças da Fifa. A organização vem perdendo dinheiro como resultado do inquérito norte-americano sobre corrupção e questões legais correlatas. O presidente da Fifa, Gianni Infantino, também está tentando cumprir uma promessa de campanha, em 2016, de quadruplicar as verbas de desenvolvimento destinadas às 211 federações integrantes.

Uma Copa do Mundo expandida e realizada na América do Norte bateria todos os recordes de receita e público. O torneio de 1994 estabeleceu um recorde de venda de ingressos que ainda não foi superado, embora envolvesse apenas 24 seleções, e com isso menos partidas.

"As finanças da Fifa dependem muito, muito, de um só evento: a Copa do Mundo de futebol masculino", disse Gulati, que preside o comitê organizador dos países norte-americanos. "Assim, há uma linha direta entre as verbas para programas em todo o mundo e aquilo que acontece na Copa do Mundo, e a receita que ela gere".

A candidatura dos países norte-americanos tem vantagem financeira intrínseca por conta de um acordo assinado em 2015 entre a Fifa e as redes de TV Fox e Telemundo, ambas sediadas nos Estados Unidos, que televisarão as copas de 2018 e 2022. O acordo, que representa a extensão assinada sem concorrência de um contrato existente, algo que irritou os concorrentes das duas redes, inclui uma cláusula que elevaria em US$ 300 milhões o valor a ser pago pelos direitos de transmissão caso o torneio de 2026 aconteça nos Estados Unidos. A Fifa concedeu uma extensão dos contratos das duas redes a fim de evitar litígio judicial sobre sua decisão de transferir a Copa do Mundo do Qatar, em 2022, para o mês de dezembro, em lugar da data usual de junho-julho.

A candidatura marroquina depende em parte do argumento de que a Fifa obterá mais receita das redes europeias de TV caso o país seja selecionado, porque mais partidas poderão ser transmitidas no horário nobre em alguns dos maiores mercados mundiais do esporte.

Pela primeira vez, a Fifa produzirá uma avaliação técnica sobre os méritos de cada proposta. A organização instou os votantes a não vincularem sua decisão final a qualquer fator que não seleção da sede mais apropriada para o torneio.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.