Ex-presidente do Santos comprometeu R$ 1,8 mi de Neymar com empresa

Modesto Roma assinou confissão de dívida por porcentagem em verba repassada pelo PSG

O ex-presidente do Santos Modesto Roma Júnior, de camisa lilás, olha para frente durante entrevista à Folha
O ex-presidente do Santos Modesto Roma Júnior - Eduardo Anizelli/Folhapress
Alex Sabino Diego Garcia
São Paulo

Antes de deixar a presidência do Santos, Modesto Roma Júnior registrou uma confissão de dívida com uma empresa, comprometendo parte do valor adquirido com a venda de Neymar do Barcelona para o Paris Saint-Germain

Devido a uma regra da Fifa que obriga o pagamento de parcela do valor das transações internacionais para as equipes que formaram os atletas, o Santos recebeu R$ 33 milhões pelo negócio, que teve valor total de 222 milhões de euros (R$ 824 milhões), a transação mais cara do futebol mundial.

Em dezembro de 2017, Moacyr Roma, sobrinho de Modesto Roma Júnior e assessor da presidência durante a gestão do tio, de 2014 a 2017, registrou uma dívida por comissão de 5% sobre o valor que o clube recebeu pela venda de Neymar ao Paris Saint-Germain. A dívida é com a empresa Quantum Solutions Ltda, com sede em Malta, um paraíso fiscal. 

Segundo documento do departamento jurídico do Santos, no dia 11 de dezembro de 2017, dois dias após Roma Júnior ser derrotado por José Carlos Peres na eleição no clube, o sobrinho e assessor esteve na sede do clube e solicitou a redação de documento que constasse a intermediação para recebimento da quantia paga pelo PSG.

O pedido era uma forma de comissão decorrente do “mecanismo de solidariedade”, como é chamado o sistema da Fifa de ressarcimentos aos formadores. Ele ainda teria solicitado que a documentação tivesse data retroativa, de 1º de agosto de 2017, quando a transferência do atacante foi efetivada. 

A declaração por escrito foi elaborada pelo departamento jurídico e entregue a Moacyr Roma para coleta das assinaturas. Em 27 de dezembro, o sobrinho do ex-presidente retornou com os papeis assinados e com outro registro de confissão de dívida igualmente assinado, mas com data de 12 de dezembro, pedindo que fossem formalizados.

Em ofício enviado ao clube, o ex-gerente jurídico José Ricardo Tremura alertou para a possibilidade de o Santos ser processado por causa da documentação.

A Folha teve acesso tanto à confissão de dívida quanto ao contrato de intermediação com data retroativa entregues por Moacyr Roma. Os documentos comprometem 429 mil euros (cerca de R$ 1,8 milhão) à Quantum.

Está estipulado nos documentos que o dinheiro será pago em razão de “contrato de intermediação” por serviços prestados na busca de “valores a título de mecanismo de solidariedade perante o PSG decorrentes da contratação de Neymar”.

As assinaturas são do ex-presidente Modesto Roma Júnior e do ex-vice César Augusto Conforti, além de representante da empresa maltesa e duas testemunhas. 

O caso está sendo investigado no clube. A atual gestão do Santos informou que “o expediente está na Comissão de Inquérito e Sindicância por ter sido encaminhado pelo Conselho Fiscal, portanto, ainda em fase de apuração. Dessa forma, já saiu do âmbito da gerência jurídica”.

TAPA-BURACO

Como Neymar atuou até os 21 anos no Santos, o clube tem direito a 4% das transações internacionais do jogador até o final de sua carreira. A venda do atacante foi concretizada em agosto de 2017. Um mês depois, o Santos recebeu comunicado do PSG informando que repassaria o valor que o time brasileiro tinha direito. 

Em outubro, Modesto Roma Júnior confirmou que o clube recebeu os R$ 33 milhões da equipe francesa. Na época, o cartola não citou nenhum serviço de intermediação para o recebimento do repasse. 

A Folha apurou que em negociações entre grandes clubes já é feita a previsão para o pagamento do mecanismo de solidariedade, que é repassado ao time formador 30 dias após a transferência.

Segundo o atual presidente do Santos, José Carlos Peres, que assumiu o clube em dezembro, o dinheiro obtido com a venda do ex-santista foi usado para quitar parte de uma dívida com a Doyen Sport, fundo de investimento que pagou a contratação do atacante Leandro Damião no fim de 2013.

“O Santos utilizou esse dinheiro (da venda de Neymar) e pagou a primeira parcela. A paulada foi grande”, afirmou Peres.

OUTRO LADO

O ex-presidente do Santos Modesto Roma Júnior confirmou que seu o sobrinho Moacyr Roma fez uma cobrança ao clube para quitar a dívida com a Quantum Solutions.

“Foi o mesmo procedimento feito em outras negociações em que o Santos tinha dinheiro a receber (de mecanismo de solidariedade). O pessoal dessa empresa da França [Malta, na verdade] fez a intermediação dessa cobrança e existe uma comissão. Temos troca de e-mails, tudo normal. Tudo correto”, afirma o ex-presidente.

“Escritórios de advocacia cobram 10%. Essa empresa cobrou 5%. Só que houve um erro do jurídico na época. Não foi feito o contrato. Isso foi visto depois e corrigido para que seja pago. É um erro, mas nada demais. Um erro normal”, completa Roma.

O ex-vice César Conforti disse que não comentará o caso. “Assinei por solicitação do presidente. Pergunte a ele”. O ex-gerente jurídico José Tremura não respondeu às perguntas.

“Quem responde é o Modesto Roma, não tenho nada a declarar”, afirmou Moacyr Roma, sobrinho do ex-presidente. 

A Folha procurou a Quantum Solutions, mas não encontrou nenhuma empresa com esse nome em Malta. No endereço que consta no contrato como sendo da Quantum Solutions funciona uma empresa chamada Francis J. Vassallo & Associates Ltda (FJVA), que providencia serviços de taxas internacionais. 

Uma diretora dessa empresa é Adriana Vassallo. O nome dela aparece com assinatura como representante da Quantum tanto na confissão de dívida quanto no contrato de intermediação entregues por Moacyr Roma. Uma mensagem foi enviada a ela, mas não teve resposta.

Procurado, o Paris Saint-Germain afirmou que não comenta as negociações financeiras que realiza.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.