Jogos patrióticos

Uma das maiores zebras das Copas, estrelada pelos EUA, só virou filme 55 anos depois, enquanto seus protagonistas, sem se vangloriar, viveram no anonimato

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Goleiro da Inglaterra vê bola dentro do gol na Copa de 1950
Goleiro da Inglaterra vê bola dentro do gol na Copa de 1950 - Arquivo pessoal
GIANCARLO GIAMPIETRO
São Paulo

Um time de amadores, formado por um motorista de carro fúnebre, um professor e um carteiro, derrota um dos favoritos ao título. Mais, esses jogadores estão defendendo os Estados Unidos contra a Inglaterra, opondo um país de pouca tradição ao inventor do futebol.

O roteiro da vitória dos EUA em Belo Horizonte, pela Copa de 1950, é digno de um filme de Hollywood, embora tenha demorado bastante para que a capital do cinema americano reconhecesse isso --"O Jogo de Suas Vidas", que conta a história, é de 2005.

Mas, entre as estrelas que protagonizaram uma das maiores zebras da história das Copas, a maioria descendentes de imigrantes, não há sensação de grandeza.

Um tom nada fantasioso é adotado pelos heróis americanos ao lembrar aquela façanha. Para eles, o placar de 1 a 0 pouco representava o que foi aquela partida.

"Certamente não jogamos mais que a Inglaterra", disse ao The New York Times o defensor Walter Bahr, 90, único sobrevivente da seleção.

"Foi apenas um desses jogos em que o melhor time não sai vitorioso. Tínhamos uma equipe decente, mas, se jogássemos contra a Inglaterra dez vezes, eles teriam vencido as outras nove", afirmou.

Os ingleses cansaram de perder gols, pagando também pela presunção. Stanley Matthews, estrela do time, foi poupado. No fim, o gol de Joe Gaetjens definiu o placar que custou pontos preciosos para Inglaterra, que acabou caindo ainda na primeira fase.

Fama e anonimato 

"Cedo ou tarde, os EUA farão sucesso no futebol". Está aí uma frase que se tornou comum, repetida a cada contratação de peso da Major League Soccer, principal liga americana de futebol, ou a cada vitória expressiva da seleção nacional --isso até o vexame nas eliminatórias da Copa de 2018, quando o time ficou atrás de México, Costa Rica, Panamá e Honduras. Nenhum dos heróis de 1950, porém, escutou isso na volta para casa. Só havia um jornalista do país credenciado para cobrir a Copa. Houve pouca repercussão nas semanas seguintes. Walter Bahr conta que seus companheiros viveram duas décadas de anonimato, até começarem as homenagens. Quando EUA e Inglaterra se reencontraram na Copa de 2010, ele diz ter dado mais entrevistas do que em toda a sua vida

Fica o registro 

Até hoje não foram encontradas filmagens que mostrassem propriamente o gol americano. Nos arquivos da Fifa, a câmera não acompanha a bola até o momento em que Joe Gaetjens a desvia dentro da área. A mídia internacional teve dificuldade para lidar com o resultado. O jornal The New York Times recebeu de última hora a informação sobre a vitória e teria segurado a notícia temendo que fosse piada. Na Inglaterra, jornalistas acreditavam que pudesse ter havido um erro do operador de telégrafo, e que o placar teria sido de 10 a 1 para a seleção inglesa

O dono da camisa: Joe Gaetjens 

Haitiano, o atacante lavava pratos nos EUA. Depois da Copa, foi jogar na França. Em 1964, já de volta ao país caribenho, foi detido sob ordens do presidente François Duvalier. Sua família tinha vínculo com rivais políticos do ditador. Foi então assassinado --seu corpo nunca foi encontrado. Familiares de Gaetjens afirmam que o governo americano se recusou a ajudá-lo, seja por pressão política por sua anistia ou por nunca tê-lo concedido cidadania

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