Guilherme Magalhães
Berlim

Se há uma data que permanece na memória afetiva dos alemães, é o 9 de novembro de 1989. Quase 30 anos depois da queda do Muro de Berlim, pode-se dizer que muitos lembram o que faziam ou onde estavam naquele dia.

Há três anos e meio, porém, essa data especial ganhou a companhia de outra: 8 de julho de 2014.
“A maioria das pessoas com quem você fala sobre isso na Alemanha sabe onde estava naquela noite, com quem viu o jogo, se viu todos os gols”, contou à Folha o jornalista Christian Eichler, 58. “Muitos que eu conheço perderam um ou dois gols porque foram ao banheiro ou pegar uma cerveja.”

No dia da derrota da seleção brasileira para a Alemanha por 7 a 1, Eichler estava no Mineirão. Jornalista do diário Frankfurter Allgemeine Zeitung desde 1989, trabalhava em sua quarta Copa.

“A grande festa foi ter vencido a Copa”, disse ele. “Mas a memória mais profunda, estou convencido de que foi o 7 a 1. Porque esse jogo mudou a percepção que a Alemanha tinha da sua seleção. Jogamos o futebol que sempre queríamos ver, mas tínhamos que ver os outros jogarem. Foi como se apaixonar pela sua própria seleção.”

Autor de um livro sobre o jogo, “7:1 – Das Jahrhundertspiel” (7 a 1 – O Jogo do Século, sem edição em português), Eichler se tornou na Alemanha algo como uma referência no assunto. O livro, publicado em março de 2015, vendeu quase 40 mil cópias e ganha no próximo mês nova edição com prefácio do atacante Thomas Müller, autor do primeiro dos sete gols teutônicos em Belo Horizonte.

“Se um dia houve um jogo de futebol para se escrever um livro sobre, foi esse”, afirmou. “Não pode haver só um jogo do século. Esse foi o primeiro desse século”, diz Eichler. 

Ele dividiu o livro em 90 capítulos, um para cada minuto de jogo, misturando o que acontece em campo com a história de cada jogador. 

Capa do livro “7:1 – Das Jahrhundertspiel” (7 a 1 – O Jogo do Século)
Capa do livro “7:1 – Das Jahrhundertspiel” (7 a 1 – O Jogo do Século) - Reprodução

“Para os jogadores, esse jogo contra o Brasil foi só a cereja do bolo. O bolo foi o jogo contra a Argentina”, lembra Eichler. “Essa impressão de que a Alemanha merecia mais do que nunca ganhar a Copa realmente se baseia no 7 a 1.”

Ele traça um paralelo com os outros três títulos da Alemanha, quando a seleção “não era realmente o melhor time do torneio”.

“Em 1954 venceram a grande favorita Hungria. Em 1974 derrotaram a Holanda de Cruyff, que era de longe a melhor seleção. Em 1990 foi um pouco diferente, o país vivia a euforia da reunificação, mas foi uma Copa chata, com o menor número de gols marcados, só dois países realmente bons, Alemanha e Itália.”

A percepção de que, mesmo com o título, o futebol bonito estava no pé dos outros foi a tônica dos triunfos alemães anteriores. Outro fator que alimentava essa frustração era o fato de o único confronto em Mundiais com o Brasil, “a melhor seleção na história das Copas”, ter acabado em derrota na final de 2002.

Depois de 2014, não mais. “Os alemães tiveram a impressão de que realmente tínhamos o melhor time da Copa. Foi como um ‘finalmente conseguimos’ e para isso precisávamos vencer o Brasil e de um jeito como aquele.”

O placar do último jogo naturalmente ronda as mentes dos envolvidos nos dias que antecedem o amistoso desta terça-feira (27), quando as duas seleções vão voltar a se encontrar, no Estádio Olímpico de Berlim.

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