A rivalidade histórica entre brasileiros e argentinos no futebol só valerá durante as duas partidas do Palmeiras contra o Boca Juniors nesta quarta (11), no Allianz Parque, e no próximo dia 25, na Bombonera, pela Copa Libertadores. Pelo menos para o lado de lá da fronteira.
O clube argentino abriu 60 escolinhas em 13 países e concentra no Brasil, onde está abrigado desde 2010, este plano estratégico que conta com 39 unidades abertas em oito estados mais o Distrito Federal –65% das escolas do Boca fora da Argentina.
Quatro pilares sustentam um projeto ambicioso de expansão da marca Boca pelo mundo: busca pelo surgimento de novos torcedores, consumidores da marca, estimular a prática esportiva entre jovens e criar um celeiro formador de jogadores.
Não há processos seletivos como as famosas “peneiras”. Funciona como uma escola particular, sob a condição de pagamento de mensalidades. Para frequentar as aulas, basta que meninos e meninas estejam dentro da faixa etária (entre 3 e 16 anos) e apresentar condições de saúde para a prática do esporte.
As escolas possuem, atualmente, um número que varia, em média, entre 4.000 e 4.500 alunos. De acordo com Higor Nunes dos Santos, 38, sócio-proprietário da DFS Gol —empresa de gestão e consultoria esportiva que representa o Boca Juniors no Brasil, por meio de contrato de licenciamento—, os argentinos buscam adaptar os conceitos do clube às características dos profissionais e alunos brasileiros.
“Eles até brincam: ‘se a gente conseguir aliar a filosofia de trabalho que o Boca Juniors prega com o talento que o brasileiro possui, não tem como dar errado’”, diz Higor, que divide a condução da empresa com o pai, Dagoberto dos Santos, 70, ex-diretor de futebol de Santos (em duas ocasiões) e Atlético-PR, e Carlos Júlio Pierin, 45, advogado e responsável pela parte operacional.
A cidade de São Paulo abriga três filiais que representam o time hexacampeão da Libertadores. A pioneira entre as 39 escolas instaladas foi inaugurada na Penha (zona leste). Há ainda outras no Jabaquara (zona sul) e na Lapa (zona oeste), a 3,6 km do palco do jogo desta quarta.
Thiago Maia, 21, volante do Lille (FRA) revelado pelo Santos e campeão olímpico com a seleção brasileira nos Jogos do Rio-2016 frequentou a unidade da Penha entre 2010 e 2011.
Garra argentina
Com o propósito de superar a barreira histórica e cultural entre brasileiros e argentinos, as escolinhas são guiadas pela ideia de estimular a prática de esportes por meio do futebol. A metodologia une as características que ambos têm de melhor: garra e obediência tática portenhas com a técnica e capacidade de improvisação brasileira.
María Sol López Castro, 40, coordenadora internacional das escolas Boca Juniors, afirma que o resultado surpreendeu a diretoria argentina.
“Não esperávamos [instalar 39 escolas]. Mas [esta marca] confirma que, com trabalho sério e comprometido, os objetivos podem ser atingidos”, admite.
Mas segundo ela, a prioridade das escolas é formar esportistas e não funcionar como um “recrutamento”.
“Mais além dos resultados, buscamos a superação pessoal de cada jogador”, diz.
Os coordenadores técnicos Óscar Aquino, 69, e José Malleo, 74, são os responsáveis por supervisionar o trabalho das escolas, visitando cada unidade no país a cada três meses.
Aquino e Malleo são funcionários das categorias de base do Boca há 20 e 33 anos, respectivamente. O cumprimento do padrão estabelecido pelo clube na qualidade do ensino é o aspecto considerado como o mais relevante durante a avaliação.
“Temos este intercâmbio: os profissionais do Boca vêm ao Brasil e frequentam o ambiente das escolas para mensurar o grau de evolução e avaliar professores e alunos”, diz Higor.
O fato de o Boca Juniors ser um clube estrangeiro facilita o processo de adaptação da metodologia argentina para os alunos.
“Quando os professores entendem o peso da marca Boca, tudo fica muito mais fácil. Os alunos nada mais são do que o nosso reflexo. Tudo o que somos na beira do campo eles vão ser ali dentro. Temos que tomar muito cuidado para não extrapolar, já que estamos lidando com crianças e não com profissionais”, explica Rodrigo Lopes, 36, coordenador técnico das escolas no Brasil.
De acordo com Lopes, atenção, posicionamento, consciência tática e boa execução de fundamentos —tais como passe e chute— são as características que mais chamam a atenção dos diretores durante as visitas técnicas.
Uma vez ao ano, são realizadas avaliações técnicas com o objetivo de selecionar um garoto de cada unidade para ter a experiência de uma semana de treinamentos com as categorias de base do time, na capital argentina. Ali ocorre uma segunda fase na qual será avaliado o nível de aprendizado dos garotos escolhidos.
O período de observações deste ano está previsto para ser realizado em maio e, no mês seguinte, a segunda etapa nas instalações xeneizes.
Brasil no Boca
Diante desta união –até então improvável – entre Brasil e Argentina, algum garoto poderá, em breve, seguir o caminho de Domingos da Guia, Heleno de Freitas, Paulo Valentim e Iarley. Para Rodrigo Lopes, há pelo menos um talento em cada escola que reúne as características marcantes dos dois lados da fronteira.
O clube espera contar, no futuro, com um brasileiro brilhando na Bombonera. Entretanto, faz questão de enfatizar a importância no cumprimento da regulamentação da Fifa que proíbe a transferência internacional de jogadores menores de 18 anos.
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