Globo vê valor justo e descarta aumento de repasse no pay-per-view

Diretor da emissora defende parcela de 38% aos times no Brasileiro 2019

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Rio de Janeiro

Diretor de direitos esportivos do Grupo Globo, Fernando Manuel Pinto tenta convencer Palmeiras, Atlético-PR e Bahia —que acertaram com o Esporte Interativo em TV fechada— a aceitarem as ofertas de transmissão em TV aberta e pay-per-view para as edições do Brasileiro de 2019 a 2024. 

Os três clubes são os únicos da Série A que ainda não fecharam acordo com a emissora. 

Entre os motivos alegados para não aceitarem a proposta está a divisão da arrecadação do pay-per-view. Os times ficam com 38% do obtido com a venda de pacotes a assinantes. Outros 62% são divididos entre a emissora e operadoras.

O modelo [de pay-per-view] é justo. Os clubes são remunerados”, disse Fernando Manuel Pinto à Folha

Fernando Manuel Pinto, diretor de direitos esportivos do Grupo Globo
Fernando Manuel Pinto, diretor de direitos esportivos do Grupo Globo - Ricardo Borges/Folhapress

A proposta da Globo prevê ainda a aplicação de reduções no valor pago aos clubes que fecharam com o Esporte Interativo. A emissora quer diminuir em 20% (para TV aberta) e 5,2% (em PPV, por jogo) os novos contratos para quem assinou com a rival. 

 

Qual a sua missão à frente do principal cargo do esporte da Globo? 

A negociação dos direitos de transmissão, lidar com essa agenda de futebol, é talvez na realidade menos glamourosa do que parece. É uma missão, tarefa extremamente árdua, que envolve uma agenda frequente, de contato permanente com a entidade, com os clubes e com os outros 'stakeholders' [parte interessada] do futebol. Seria uma ilusão, imagina que você fecha um contrato e, simplesmente, coloca numa mesa e deixa para a empresa operar. Envolve uma agenda frequente tanto dos clubes que você celebrou o contrato quanto dos clubes que você ainda não tem o contrato e você segue engajado.

Qual a visão que a Globo tem do futebol hoje, sendo este responsável por parte singnificativa do faturamento da emissora? 

O futebol é uma expressão extremamente importante tanto no aspecto cultural, social e econômico. Esse é um dos principais motivos inclusive para que o Grupo Globo ter um investimento tão grande, tão robusto, tão parrudo no futebol. Demonstra a fé e a confiança que o Grupo Globo tem no futebol brasileiro como expressão nacional, cultural e social e também como um produto, como um gerador de negócios.

A Globo já chegou ao teto do que pode ser investido com os clubes?

Isso funciona como uma engrenagem. O tamanho de um negócio está ligado à capacidade também que você tem de transformar esse ativo, no caso os direitos ou propriedade esportivas, em receita. Tem uma variação e está sujeito a intempéries do gênero recessão, transformação da mídia...

A Globo já trabalha com a hipótese de não ter 100% dos jogos a partir de 2019?

O novo modelo que foi implementado é uma negociação longa, clube a clube, mas que fundamentalmente leva todos esses contratos individuais para uma mecânica de distribuição de recursos, que é coletiva, similar a todos. A gente tem feitos esforços e logrado êxito. Tanto é que cinco clubes que comercializaram os direitos de TV fechada com um terceiro [Esporte Interativo], já acertaram com o Grupo Globo a venda dos direitos de TV aberta e pay-per-view. 

Qual seria o impacto para a Globo não ter como transmitir um Palmeiras e Corinthians, por exemplo, no Campeonato Brasileiro de 2019 [sem o acerto com o clube alviverde, a emissora não poderia exibir a partida]?

Já passamos por isso em outras situações. Recentemente, o grupo deixou de ter a final do Campeonato Paranaense. Tem muita água para passar debaixo dessa ponte. Vamos seguir trabalhando.

Um pequeno grupo de clubes acha que a Globo subfatura o que paga em direitos de transmissão ao clube. Esse mesmo grupo de clubes acredita que pode se unir e quebrar o pay per view. É possível? 

É uma questão minha de filosofia e de negócio. O ideal não é mirar uma negociação do ponto de vista do que você pode gerar um problema do outro lado. Defender as causas dos clubes é papel de todos esses gestores. E muitos têm feito isso nessa construção do novo modelo. Tendo ou não fechado com a gente eu vi muitos numa abordagem construtiva, de crítica construtiva, de crítica pró desenvolvimento do negócio. Nossa avaliação aqui é que o futebol brasileiro é muito importante, é muito relevante comercialmente e é por isso é uma das maiores linhas de investimento desse grupo.

Podemos pensar que a Globo não teria a transmissão de 108 jogos, entre 380 no total no Brasileiro 2019, já que não teria 30% dos jogos sem esses três clubes (Palmeiras, Atlético-PR e Bahia) Como será não ter tantas partidas, podendo, inclusive, perder vários jogos decisivos? 

Existe um ensinamento grande da natação. Você deve se concentrar na sua raia. O novo modelo é bom para o clube. Ele atende na maior parte dos investimentos um critério de distribuição de recursos o mais equilibrado possível. Na hora que você tem 40% divididos de maneira igualitária, 30% baseado na colocação final do campeonato e ainda com uma estrutura onde o melhor remunerado neste quesito ganha apenas três vezes mais do que o último remunerado neste quesito isso é acima de tudo distribuição de recurso. Você ainda tem 30% baseado no número de vezes que esse clube é exibido porque também tem o aspecto de meritocracia comercial. A gente acredita que é um modelo dentro das possibilidades muito positivo, muito promissor para o futebol brasileiro. Ele é rentável.

Os clubes entendem que só tem 40% garantido nesse modelo que você citou. No caso, seriam os R$ 240 milhões, divididos por 20 clubes, R$ 12 milhões para cada. Os outros 60%, são 30% de audiência, que só a Globo sabe, e 30% de desempenho, que pode ser R$ 18 milhões (ao campeão) ou nada (aos rebaixados). Como fica o fluxo de caixa dos clubes com apenas 40% de garantia? 

Toda transformação de modelo têm bônus e, talvez, também tenha ônus, mas isso vale para qualquer clube tenha fechado todas as suas mídias com o Grupo Globo ou porque exerceu seu legítimo direito de vender parte da sua propriedade para terceiro, esses clubes vão lidar com um cenário mais desafiador. Esse cenário desafiador não vem só da aquisição de direitos. O futebol é um ambiente de uma indústria globalizada. Os clubes já há algum tempo sofrem e tem que lhe dar com maior planejamento, maior cuidado com a janela de transferência, um foco maior e preocupação na montagem de calendário. Então é um componente adicional, o planejamento financeiro estratégico de fluxo de caixa. Como é para qualquer entidade e qualquer empresa.

No pay-per-view, só 38% do total arrecadado é destinado aos clubes. Não é injusto?

O modelo é justo. Os clubes são remunerados pelo pay-per-view. Quando eles recebem um percentual da receita bruta do pay-per-view, que é o caso hoje, eles têm um acesso direto ao bolo de dinheiro que é produzido por essa engrenagem. No meu ponto de vista é um modelo justo, equilibrado.

Os outros 62% não são uma fatia muito grande para intermediários?

Novamente tem um aspecto aqui de compreensão do detalhamento. Todo mundo acha fácil fazer futebol. Talvez, todo mundo ache fácil montar um sistema de pay-per-view e operar. Se você buscar no mundo inteiro, são poucas as referências. Esse modelo que temos hoje não prejudica a exibição e remuneração dos clubes em TV aberta e TV fechada e ainda cria um modelo complementar que gera oferta de futebol plena e geração de receita adicional aos clubes.

 

Alguns clubes discordam das pesquisas internas da Globo e pensam que dão mais audiência do que vendem pacotes de pay-per-view. É verdade? 

Toda operação, todo negócio que depois resulte numa distribuição de receita entre sócios precisa estar amparada numa metodologia. Desde 2008, quando ainda existia o Clube dos 13, o dinheiro do pay-per-view é dividido com base numa pesquisa. Essa pesquisa cuja metodologia faz parte logicamente de um contrato, fez parte pela primeira vez de um contrato do clube dos 13 com os clubes na época participantes, que definiu a metodologia da pesquisa que dividiria os recursos. Note: esse dinheiro, na realidade, o conjunto da obra pertence aos clubes brasileiros. Se em algum momento houver segurança jurídica e conforto dos clubes para adotar outro critério, é uma possibilidade.

Alguns clubes acham que a Globo poderia retirar parte do faturamento do Sportv, que é alto, e colocar nessa porcentagem de pay per view, aumentando os 38%. Isso não pode ser feito? 

São modelos de negócios diferentes. Aliás, sempre o que colabora com o processo e às vezes eu sinto falta é importante sempre que você tenha um ponto de vista que critica o modelo, que também se desenvolva e no mínimo se discute alternativas e contrapropostas. Isso eu nunca ouvi e também acho que não funcione porque são modelos diferentes de negócios. Sobre a percepção de um clube de que poderia ter uma participação maior pode existir uma confusão aqui. A pesquisa que avalia a proporção de cada torcida dentro da base do pay-per-view não é necessariamente uma pesquisa de tamanho de torcida. O que influência nisso? É o tamanho da torcida, claro, e a motivação do seu torcedor para assinar. 

Os clubes que não firmaram ainda os acordos estão em uma posição de vantagem? 

A proposta pertence ao proponente. Quem vende, define como vende e quando vende. Quem quer comprar, só governa como comprar e como propor algum modelo. Essa pergunta é melhor dirigida a eles. Eles avaliam a questão de time a favor deles ou não.

Qual a garantia que os clubes que não fecharam ainda e fecharem terão que o contrato vigente será mantido até 2024? 

Esse grupo [da Globo] é conhecido por cumprir contratos. Todo contrato firmado é passível de uma discussão de renegociação. De um lado, de outro, de ambos. Já renegociei muitos contratos. Mas sempre respeitando os direitos e os compromissos assumidos. Voltando ao cenário hipotético de não fechar com todos os clubes, perde a Globo. Mas na minha opinião até mesmo quando você avalia e compara com outros mercados que não desenvolveram esse formato de pay-per-view que nos temos no Brasil, quem mais perde é o futebol brasileiro.

A Globo propõe que os clubes que fecharem com o EI não terão 100% de receita de em um jogo de pay per view transmitido pelo concorrente no mesmo horário? 

O clube vendeu TV fechada com determinadas características. Se essas características, elas porventura são melhores ou maiores para a TV fechada do que outros clubes venderam, em tese eles também podem ter conquistado um contrato melhor em TV fechada com terceiro. Esses clubes estarão ao mesmo modelo dos fundos de TV aberta, ao fundo de pay-per-view, com a única variação de que se ele não for capaz de entregar os direitos com as características e prerrogativas que o modelo comporta ou que os outros clubes todos cederam, ele vai ter uma solução comercial. Isso atende inclusive isonomia. Isonomia não é que todo mundo é igual. Todo mundo é igual desde que estejam na mesma situação.

A Globo tem uma estimativa de quantas assinaturas perderia caso não transmitisse 100% dos jogos?

Como nunca passamos por isso, temos que conhecer antes para opinar depois. Eu mantenho o esforço de convencimento desses clubes de como esse novo modelo nosso de TV aberta e de pay-per-view se encaixa nas necessidades e nos desejos e nos anseios desses clubes. Falta quase um ano para a temporada 2019. 

Ao aplicar redutores [descontos no repasse de valores em contrato] para quem fechou acordo com o Esporte Interativo, a Globo não está agindo para impedir a concorrência no mercado? 

É exatamente o oposto. Os redutores funcionam neste modelo igual àquela expressão de que na luta você deve se adaptar ao meio, se adaptar à circunstância que você está vivendo. Na realidade, o redutor torna a nossa proposta absolutamente compatível com a que o clube fechou com o terceiro [Esporte Interativo] em um contrato que desconheço. Esse redutor é potencial. Se o que gera a redução não se verificar na praça, como por exemplo a transmissão de jogos em TV fechada para o local, o redutor não será aplicado. 

Vivemos hoje a revolução do streaming. Quais as estratégias da Globo para esse modelo de negócio? 

Trabalhamos isso também. Eu vejo esse aspecto da distribuição streaming como um novo passo dessa história. Hoje, já existe uma exploração desses direitos através da internet streaming e de uma maneira positiva para o produto e para os clubes. Se você é assinante do Premiere, você simplesmente ligou o Premiere Play e acompanhou algum jogo de qualquer que seja o local que você esteja. É uma exploração de streaming positiva para o produto. Se deixou o cliente mais satisfeito, isso contribui para a manutenção da assinatura ou para a venda da assinatura. Ganhou o grupo, mas ganhou também o conjunto de clubes que são sócios dessa receita do pay-per-view. O mesmo acontece com a oferta do SporTV. Se você é assinante do SporTV, você tem o jogo através do SporTV Play. 

O Premiere na internet hoje é condicionado a ter uma assinatura com uma operadora. A Fox Sport lançou um novo canal em que não tem esse intermediário. Isso é uma ameaça à Globo? 

Isso reflete essa transformação da mídia e a busca incessante, mas que também deve ser segura por aumentar a base endereçável, teu potencial de geração de receita. Vamos chegar lá.

A Globo não poderia ceder VTs de seus jogos aos clubes para eles transmitirem em streamings próprios, por exemplo? No caso, poderiam até falar os nomes verdadeiros dos estádios, como o Allianz Parque, e até aumentar a receita e oferecer um produto melhor ao consumidor da própria Globo, não? 

Isso tudo tem que ser visto no detalhe. Uma exploração paralela de um direito que remunera e gera tamanho retorno aos clubes pode afetar a própria capacidade desse negócio ser robusto. Aqui cabe uma avaliação absolutamente caso a caso e com todas as cautelas necessárias. Existe no Brasil a necessidade de um controle melhor da exclusividade. Uma analogia. É como se você fizesse um investimento de um belo restaurante naquela esquina e alguém pudesse passar ali e pegar uma provinha, um salgadinho ou um copo de alguma coisa. A definição de dar ou não dá e em que condições uma amostra grátis ou dar um presente, ou um agrado para o cliente é do dono do produto ou do estabelecimento. E não de quem não remunera aquilo.

Com a revolução do streaming, somada aos clubes que ainda não fecharam e ameaçam o pay per view com 100% dos jogos pela primeira vez, você pensa que o pay per view como conhecemos hoje está entrando em colapso? 

Sim. Penso, mas acho que tem um caminho ainda a percorrer e quero crer que tantos os clubes como o público brasileiro vão ter uma boa resposta do grupo nisso.

Existe o risco de ter uma reação em cadeia, os clubes que já fecharam o pay per view e tinham a promessa de 100% dos jogos, caso os outros três não fechem, fazer os demais voltarem atrás e querer renegociar os contratos? 

Ao contrário de outras competições, o Campeonato Brasileiro foi e tem sido comercializado de forma individual eu tenho segurança que nossa relação com os clubes em qualquer cenário vai estar muito bem cumprida.

Como é para a Globo ter seus três principais concorrentes no esporte como empresas americanas, no caso, ESPN, Fox e Turner? 

Para tudo na vida existem riscos e oportunidades. A credibilidade e a posição construída pelo Grupo Globo em relação ao povo brasileiro e a entrega dos produtos brasileiros também é uma vantagem. Então é uma vantagem do nosso foco no mercado brasileiro. Por outro lado, é claro em um universo absolutamente globalizado tem riscos e desafios adicionais o fato de concorrer com players que têm abrangências internacionais. Então como tudo. Existem riscos e oportunidades envolvidas.

Fernando Manuel Pinto é quem negocia pay-per-view com os clubes
Fernando Manuel Pinto é quem negocia pay-per-view com os clubes - Ricardo Borges/Folhapress

A fusão ESPN/Fox, após a compra da Fox pela Disney, pode ameaçar a liderança do Sportv? 

Tudo é ameaça quando você avalia um movimento que mexa com o mercado. Se torna mais desafiador. Já passamos por esse movimento antes quando a Fox lançou o canal no Brasil. Quando a Record lançou uma plataforma, uma estratégia para esporte. A dinâmica da concorrência nesse processo é uma situação mutável e cabe a cada player, cada grupo e lógico que temos que olhar o nosso para lidar com a situação. Concorrência faz bem ao mercado, é sadio, provoca reações, provoca reflexões de modelo.

O Sportv vai fazer uma proposta em conjunto com a ESPN pela compra da Champions League? 

O processo de leilão nem aconteceu ainda. A final em Kiev marca o último jogo do ciclo atual. O próximo ciclo começa logo após a Copa do Mundo. Esse processo de venda está previsto para começar agora, provavelmente, semana que vem. Nem sim, nem não, sobre a disputa.

A Globo foi citada por um delator do Fifagate como pagadora de propina. O caso de corrupção na Fifa mudou a forma de negociação no futebol?  

Não tenho sequer ângulo para falar sobre antes. Posso falar do que experimentei. Lido com direitos de transmissão há 20 anos. Tenho dois anos e quatro meses dedicados ao futebol, mas sempre com uma abordagem muito profissional e transparente. E tenho tido um retorno positivo com os clubes, com a CBF e com o que está acontecendo neste momento na Conmebol, como o esforço da organização do calendário, de organização e de produto. Na minha leitura, transparência e discussão técnica profissional fazem bem ao negócio e é nisso que a gente se engaja. A Globo dá grande valor a práticas éticas e transparentes em suas contratações. Por isso revisa e aprimora periodicamente seu sistema de compliance, em linha com as melhores práticas internacionais, observando a legislação em vigor.

​Fernando Manuel Pinto, 40 anos

Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e com MBA em Gestão de Negócios pelo IBMEC/RJ, o executivo está no Grupo Globo desde 2002. Atuou na aquisição de direitos para exploração de conteúdos esportivos pela Globosat, incluindo os canais de pay-per-view, UFC-Combate. Desde dezembro de 2015, atua no desenvolvimento de estratégias e na execução das negociações de direitos de futebol para a emissora.

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