Jogos Rio-2016 vivem clima de abandono e rejeição

Com incertezas sobre legado e dívidas, Olimpíada se torna estorvo para governo e cartolas

Marcelo Laguna
São Paulo

Menos de dois anos após seu encerramento, a Olimpíada de 2016 continua rendendo dor de cabeça, muitas dívidas e incertezas a respeito de seu legado para o Rio.

Se do ponto de vista esportivo o evento foi considerado um sucesso —as competições transcorreram normalmente e com recorde de venda de ingressos—, o cenário pós-Jogos criou uma espécie de clima de rejeição entre entidades e poder público.

Ninguém sabe quem assumirá o endividado Comitê Rio-2016, sem comando desde a renúncia de Carlos Arthur Nuzman, acusado de participar de compra de votos na eleição da cidade para sede olímpica, no ano passado. Há também dúvidas sobre a administração das arenas feitas para os Jogos. ​

O Parque Olímpico da Barra foi o centro nervoso dos Jogos, mas quase dois anos depois, ainda tem destino incerto
O Parque Olímpico da Barra foi o centro nervoso dos Jogos, mas quase dois anos depois, ainda tem destino incerto - Lalo de Almeida - 7.jul.17/Folhapress

No dia 5 de março foi publicado no Diário Oficial um decreto assinado pelo presidente Michel Temer confirmando para 30 de junho de 2019 a data de extinção da AGLO (Autoridade de Governança do Legado Olímpico).

A autarquia, criada no ano passado para substituir a APO (Autoridade Pública Olímpica), é a gestora de algumas instalações do Parque Olímpico da Barra da Tijuca.

Sob sua responsabilidade, encontram-se as Arenas Cariocas 1 e 2, o Velódromo e o Centro Olímpico de Tênis, além de uma quadra externa para vôlei de praia, erguida ao lado do complexo de tênis.

Um calendário de eventos vem movimentando o local desde o ano passado.

A AGLO também administra, em parceria com as Forças Armadas, o Centro Nacional de Tiro, os centros de pentatlo moderno e hóquei sobre grama, além de um ginásio multiuso, todos localizados em Deodoro.

Sob administração da prefeitura do Rio de Janeiro estão a Arena Carioca 3, no Parque da Barra, e o Parque Radical de Deodoro, onde estão as pistas de canoagem slalom e ciclismo BMX.

Embora a data de encerramento de suas atividades esteja anunciada, a AGLO admite que esta decisão pode ser modificada.

“Diante da complexidade em se transformar o modo jogo em modo legado, se acredita que não seja possível a entrega disso antes do prazo. Portanto, ainda há possibilidade de se prorrogar a existência da AGLO”, afirmou o presidente da autarquia, Paulo Márcio Dias Mello, por meio de nota oficial.

A prorrogação do órgão poderia ocorrer caso uma Parceria Público-Privada, em estudo pelo BNDES, não se consolide. “De acordo com a própria lei, com o fim da AGLO, todas as obrigações serão assumidas pelo Ministério do Esporte”, afirmou a autarquia.

Procurado pela Folha, o ministério assegura que não está preocupado com este tema no momento. “A pasta acompanha o estudo que está sendo produzido pelo BNDES que irá determinar o modelo ideal de gestão do Parque Olímpico da Barra, considerando os aspectos econômicos, sociais e ambientais”, afirmou, por nota.

SEM COMANDO

Com dívidas estimadas em R$ 130 milhões —mas que poderão chegar a R$ 200 milhões ao final de uma auditoria em andamento—, o Comitê Rio-2016 está preocupado mesmo é em saber quem irá comandá-lo no futuro.

Após a saída de Nuzman, em outubro de 2017, a entidade é presidida interinamente por um dos conselheiros, Edson Menezes.

Recentemente, três membros do conselho pediram demissão: Luiza Trajano (empresária), Manoel Felix Cintra Neto (ex-presidente da BM&F) e José Antonio Nascimento Brito (ex-proprietário do Jornal do Brasil).

Além de Menezes, o outro conselheiro que segue no comitê é Bernard Rajzman, membro brasileiro no COI (Comitê Olímpico Internacional) e medalhista de prata no vôlei em Los Angeles-1984.

O atual presidente do COB (Comitê Olímpico do Brasil), Paulo Wanderley, abriu mão de ocupar a presidência.

Em uma reunião há dois meses com o quadro de associados do comitê, formado por presidentes e representantes das confederações esportivas brasileiras, o nome de José Antônio Fernandes, ex-presidente da CBAt (Confederação Brasileira de Atletismo) foi indicado para o posto.

Pouco antes de renunciar ao cargo na CBAt, em março, alegando motivos de saúde, Fernandes também informou que não aceitará a indicação.

Com apenas seis funcionários, o Comitê Rio-2016 tem a maioria de suas dívidas ligada a fornecedores que estão sem receber desde os Jogos.

MEMÓRIA

Os problemas ligados aos Jogos de 2016 estão presentes até em relação à memória do evento. Reportagem da Folha no final de março mostrou que o COB pediu auxilio ao COI para encontrar um destino para todo o acervo técnico da Olimpíada.

Em razão do corte de gastos, a entidade também desistiu de construir um museu dedicado à memória da Rio-2016, como anunciado em 2015. O prédio, que abrigaria também a nova sede do COB, ficaria na ilha Pombeba, ao lado do Parque Olímpico.

Segundo o COB, não há recursos para administrar o acervo técnico, composto por documentos sobre atletas, projetos de instalações, manuais de operação dos Jogos e inúmeros arquivos digitais.

A indefinição sobre o destino deste material preocupa Lamartine da Costa, 82, professor da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) e pesquisador olímpico.

Para ele, isso é mais um sinal do descaso com que foi tratado o projeto da Olimpíada pelos responsáveis.

“Não estamos ainda no mesmo estágio de Atenas-2004, mas podemos ser o maior exemplo de má organização de um megaevento esportivo na história do esporte”, afirmou Da Costa, que durante oito anos integrou o conselho de pesquisa do COI.

O professor da UERJ lembra que em todas as Olimpíadas passadas a cidade-sede se comprometeu a criar um museu ou um espaço para guardar os documentos relativos ao evento.

“O que não se pode é jogar esta responsabilidade para o COI, que inclusive colocou muito dinheiro aqui na organização dos Jogos. Agora que a Olimpíada já passou, eles não têm a menor preocupação com isso. Dizer que o COI vai ajudar a ficar com os documentos da Rio-2016 é enganar a opinião pública”, afirmou Lamartine da Costa.

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