Nos EUA, cheerleaders dizem que assédio sexual é parte do trabalho

Funcionárias das equipes das ligas americanas são obrigadas a assinar contratos de sigilo

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Juliet Macur John Branch
The New York Times

​As cheerleaders das equipes profissionais de esportes nos Estados Unidos são em muitos casos dançarinas com formação em balé, jazz, dança moderna, hip-hop e sapateado. Após superarem dezenas de concorrentes, elas têm a oportunidade de exibir o talento atlético e coreográfico aperfeiçoado por anos.

Mas não demoram a descobrir que o papel delas em eventos esportivos é parte pequena das funções.

Elas são obrigadas a lidar com aquilo que muitas vezes é visto como o lado desagradável do trabalho: interagir com torcedores em jogos e outros eventos promocionais nos quais bolinações e assédio sexual são frequentes.

Em entrevistas com dezenas de cheerleaders e ex-cheerleaders —principalmente da NFL, principal liga de futebol americano do mundo, mas também da NBA e dos jogos de hóquei sobre o gelo— elas descreveram a exploração sistemática que sofrem por parte de clubes que lucram com a imagem delas.

As garotas, nos eventos, ficam sujeitas a comentários sexuais ofensivos e a toques indesejados da parte dos fãs.

“Se você está usando um sutiã push-up e uma saia curta e pregueada, esse tipo de coisa infelizmente parece ser visto como parte do trabalho”, disse Labriah Lee Holt, ex-cheerleader do Tennessee Titans, equipe da NFL.

“Jamais passei por uma situação em que alguém do time ou da equipe profissional do clube me fizesse sentir assim. Mas esse é o tipo de experiência pela qual você inevitavelmente passa quando encontra pessoas que estão enchendo a cara de cerveja.”

Os dirigentes dos clubes sabem da situação, dizem as cheerleaders, mas pouco fazem para barrar o assédio.

Uma ex-cheerleader do Washington Redskins recordou uma tarefa especialmente desconfortável, quando ela e cinco colegas foram enviadas à casa de um torcedor, onde diversos homens estavam bebendo e assistindo a um jogo de futebol americano.

Quando vão às áreas de estacionamento dos estádios, onde os torcedores confraternizam antes das partidas, as cheerleaders muitas vezes o fazem em duplas ou pequenos grupos, por segurança.

Segundo Holt, elas precisam circular pelos estacionamentos, entrar nas barracas, conversar com os torcedores, sacudir seus pompons. “E às vezes encontram homens velhos e repulsivos, que estão bebendo e dizem coisas inapropriadas. É bem comum, e os dirigentes sabem disso.”

Uma dançarina que trabalhou por muito tempo como animadora de torcida do Dallas Cowboys e que pediu anonimato por ter assinado um contrato de confidencialidade com o clube recorda especialmente de um jogo. ​

Ela conta que, certa vez, estava passando por um grupo de torcedores do Philadelphia Eagles, sorrindo e acenando, quando um sujeito atraiu sua atenção e disse: “Espero que você seja estuprada”. Segundo conta, esse é o tipo de coisa que torcedores gritam para elas.

Mesmo os torcedores do seu time, ela diz, quando se embriagam, gritam coisas horríveis, e as cheerleaders  têm de ouvir a contragosto. É parte do trabalho e algo que elas precisam aguentar.

Os Cowboys e os Titans não responderam a pedidos de comentário. A NFL se recusou a tratar dos relatos específicos das cheerleaders.

Um porta-voz da liga de futebol americano declarou que “a NFL e todos os clubes que a integram apoiam práticas de emprego igualitárias. Os empregados têm o direito de trabalhar em um ambiente respeitoso e positivo, e livre de todo tipo de assédio”.

Alguns clubes, reconhecendo o problema, tratam da questão do assédio durante o treinamento das cheerleaders, e nos manuais dados a elas e aos membros de equipes de dança.

Isso não impede que os clubes enviem as animadoras de torcida a confraternizações pré-jogo, aos camarotes de torcedores importantes, ou às arquibancadas dos estádios.

A maior parte dos torcedores é cortês, recorda Lisa Kelly, que foi cheerleader do Carolina Panthers por uma temporada cerca de uma década atrás, enquanto trabalhava em período integral como pesquisadora jurídica em um escritório de advocacia. 

Mas caminhar em meio às multidões de torcedores entusiasmados, diz ela, quase sempre significava problema.

Debra Katz, advogada de Washington que há três décadas vem conduzindo processos por assédio sexual, entre os quais casos envolvendo políticos dos dois grandes partidos americanos, disse que as equipes de esportes profissionais têm a obrigação legal de proteger suas cheerleaders de contatos indesejados por parte dos torcedores.

“Os clubes vendem a aparência delas, o que é parte daquilo que está sendo promovido, e não é inesperado que as empregadas envolvidas sejam submetidas a toques indesejados, arrochos e coisas semelhantes”, disse Katz. 

“Os empregadores sabem, ou deveriam com certeza saber, que a empregada será assediada, e por isso devem ser considerados responsáveis, em termos judiciais. Eles têm a obrigação de proteger seus trabalhadores”, diz.

O fato de que alguns clubes exijam que suas cheerleaders assinem acordos de confidencialidade é uma prática problemática, em situações nas quais é provável que aconteça assédio, disse Katz.

“Quando empregadas desprovidas de poder assinam acordos de confidencialidade, isso cria uma situação na qual assédio sexual ou remuneração inadequada seguem adiante sem obstáculos, pois as pessoas têm medo de se pronunciar”, diz a advogada.

Para Katz, sempre que existe uma profissão ou setor no qual se pode antecipar que haverá assédio sexual, forçar alguém a assinar um acordo de confidencialidade tem a função clara de proteger a imagem do clube.

As cheerleaders raramente denunciam casos de assédio, porque sentem que eles são parte esperada do trabalho, e por medo de perderem o emprego caso se queixem.

Para inúmeras mulheres que trabalharam para os clubes por anos, o prazo de prescrição para queixas, que varia em cada estado, provavelmente já se esgotou.

Os manuais e os contratos que as cheerleaders recebem raramente oferecem informação detalhada sobre como lidar ou denunciar os casos de assédio dos torcedores.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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