Descrição de chapéu santos fc

Vítima de abuso sexual no futebol inglês diz que problema no Brasil pode ser pior

Andy Woodward, 44, detonou escândalo no Reino Unido e hoje dá palestras sobre o assunto

Alex Sabino
São Paulo

Andy Woodward fazia compras em um supermercado na Inglaterra quando começou a sentir palpitações, seguidas de um senso de ansiedade desesperador. Vou morrer aqui, pensou.

Era ataque de pânico. Aconteceu dias após ter decidido contar à polícia que durante seis anos, enquanto estava nas categorias de base do Crewe Alexandra, clube da quarta divisão inglesa, foi vítima de abuso sexual.

Dos 8 aos 14 anos, ele foi abusado por Barry Bennell, técnico do time. Woodward foi o primeiro a denunciá-lo na imprensa, em 2016, no que ele mesmo diz ter sido a decisão mais difícil de sua vida.

Por causa da iniciativa, outras vítimas tiveram coragem de falar. Bennell foi condenado a 31 anos de prisão.

“Dentro de mim, eu sabia que isso era um problema não apenas no Reino Unido, mas ao redor do mundo. O único jeito de ajudar era contando a minha história. Era risco enorme. Ninguém mais poderia aparecer e as pessoas ririam de mim. Às vezes, só é preciso uma pessoa e essa pessoa era eu. Hoje tenho orgulho do que fiz. Sei que salvei vidas e esse é um sentimento maravilhoso”, afirma Woodward, hoje com 44 anos, à Folha.

Ele está no Brasil para palestras e eventos promovidos pelo Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo na campanha “Chega de Abuso”. 

Nesta quinta (26), foi ao Santos conversar com os garotos e jogadoras do time feminino. 

Na semana passada, o clube paulista afastou Ricardo Crivelli, coordenador da base, pela denúncia feita por Ruan Petrick, 19. Este afirma ter sido abusado sexualmente pelo então olheiro em 2010, quando estava com 11 anos. 

A polícia de São Paulo abriu inquérito para investigar o caso. Crivelli nega a acusação.

Um dos questionamentos da defesa do coordenador é o motivo para o acusado ter aguardado oito anos para denunciar. Woodward esperou 13. Ele ouviu falar do caso, mas se recusa a fazer juízo de valor.

“Eu sei o que é ter um segredo escondido dentro de você. Você coloca aquilo em uma caixa [aponta para a cabeça] e quer que vá embora para que possa seguir em frente com a vida. Há o medo de que ninguém vai acreditar, o que a família vai pensar, que efeito terá sobre a carreira de jogador... Quando você coloca tudo isso junto, esse sentimento não vai embora”, completa.

Nos cinco dias no país, Woodward esteve em ONGs, conversou com jovens que sonham ser atletas profissionais e bateu na tecla de que é preciso criar uma rede de segurança para as crianças. Porque ele mesmo sabe, por experiência própria, que elas podem ser alvos fáceis.

É a primeira vez que vem ao Brasil, o país da seleção cujos jogos ele cresceu vendo pela TV, ao lado do pai. Os gols de Zico alimentaram o desejo de se tornar jogador.

Não que ele esteja em São Paulo para assistir a partidas. Há um longo caminho pela frente, que passa por prevenção nos clubes e a preparação das autoridades para fazerem as vítimas confiarem que podem contar o que sofreram.

Andy Woodward, com as costas encostadas na parede, olha para a câmera da foto após entrevista à Folha
Andy Woodward, 44, posa para foto após entrevista à Folha na sede do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo - Avener Prado - 25.abr.2018/Folhapress

Porque, como Woodward bem sabe, quem passa por isso tem sérios problemas para confiar em qualquer pessoa.

Na América do Sul há um componente extra em relação à Europa. Não é raro um jovem de talento no futebol carregar a esperança de toda a família de sair da pobreza.

“É muito mais difícil para os garotos no Brasil. Porque no futebol eles têm o poder de melhorar a vida dos pais. Podem até achar que isso [sofrer abuso] faz parte do processo para chegar onde sonham. Mas não pode ser assim. É preciso educação, dar exemplos positivos e mostrar que podem ter coragem e acreditar que o melhor é falar sobre isso.”

Ele viveu esse sonho e não foi o que esperava. Fez parte de equipe do Crewe Alexandra, que era a melhor da Inglaterra. Enfrentava a base do Manchester United que tinha David Beckham, Paul Scholes, Gary Neville, Nicky Butt e Ryan Giggs e vencia por 3 a 0.

Enquanto os nomes dos antigos rivais se tornaram famosos ao redor do planeta, ninguém do pequeno clube da região de Cheshire explodiu. Além de Woodward, só outros dois conseguiram se tornar profissionais. 

“Minha carreira no futebol foi roubada. Tive de lutar durante toda a juventude até os 29 anos, quando parei, para entrar em campo. Quando alguém gritava comigo, por qualquer motivo, ninguém sabia o que se passava na minha cabeça”, lembra.

Não é difícil perceber que, a partir dos abusos, Woodward passou anos perdido, sem saber como se encontrar. Há traços de folhetim em sua história. Parecem ficção.

O homem que passou anos o abusando sexualmente se casou com a irmã de Woodward. Tornou-se cunhado de Bennell, seu algoz, convivendo com ele em festas e eventos familiares, sem coragem para contar a verdade.

Quando a irmã soube o que havia acontecido, entrou com o pedido de divórcio.

Após parar de jogar, Woodward quis ajudar os outros. Entrou para a polícia.

“Eu queria fazer a diferença, mas afetou minha maneira de ver as coisas. Lidar com alguns casos foi bem difícil”, afirma ele, que sofreu sanção disciplinar por ter tido romance com uma mulher relacionada a um caso que investigava.

Woodward em ação no estádio de Old Trafford, contra o Manchester United, pela Copa da Liga inglesa em 1998
Woodward em ação no estádio de Old Trafford, contra o Manchester United, pela Copa da Liga inglesa em 1998 - Reuters

Em nenhum momento Woodward chama Bennell pelo nome. Refere-se ao abusador apenas como “ele.” Não o perdoa, mas não mostra ódio. Afirma ser indiferente e que vê-lo atrás das grades é o bastante. Levou anos e sessões de terapia para lidar com o trauma emocional. Revelar ao mundo ajudou.

O custo na vida pessoal foi grande: três casamentos fracassados. Ele está no quarto.

“Todos que sofreram esse tipo de abuso têm histórico de relacionamentos fracassados, vícios em álcool ou drogas.”

Ele não esquece o que aconteceu, mas encontrou um jeito de lidar com isso. A recompensa é os pais que o param na rua para agradecer porque agora estão atentos ao comportamento dos filhos que jogam futebol, o esporte que quase roubou também sua vida. Woodward teve pensamentos suicidas mais de uma vez. 

Hoje ele afirma estar bem. Mais do que isso: garante que nunca esteve melhor. Encontrou uma missão na vida. Promove também o De-press-on, aplicativo projetado para ajudar pessoas com depressão e crise de ansiedade.

“Eu ainda preciso lutar contra isso. Nem todos os dias são ensolarados”, diz.

Por isso, fez tatuagem no bíceps esquerdo. Puxa a manga da camisa para mostrar:

O que você pensa, se torna.

O que você sente, atrai.

O que você imagina, cria.

“É Buda”, ele informa. “E é muito verdade.”

Inquérito na equipe santista espera pela versão do acusado

O inquérito que apura a denúncia de abuso sexual no Santos está à espera do depoimento do acusado, o coordenador afastado das categorias de base do clube Ricardo Crivelli.

O advogado de defesa Adriano Vanni afirma que, assim que a Delegacia de Repressão à Pedofilia pedir, seu cliente irá se apresentar para prestar depoimento.

“Eu disse para os delegados que nem é preciso fazer uma convocação formal. Basta me telefonar que ele [Crivelli] virá”, afirma Vanni.

Luciano Pereira, empresário de Ruan Pétrick, que denunciou ter sido abusado sexualmente quando tinha 11 anos, afirma que o jogador recebeu sondagens para voltar ao futebol, mas necessita de uma autorização da Justiça para se ausentar por um longo período de tempo.

Até a semana passada, o meia-atacante treinava na Portuguesa Santista, equipe que subiu para a Série A2 do Campeonato Paulista.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.