Existe uma expressão bastante conhecida no meio da natação, segundo a qual é preciso "contar muito ladrilho" para conseguir os resultados que deseja.

Na prática, significa que o nadador tem que treinar muito, dando várias voltas na piscina, para diminuir cada vez mais seus tempos e assim conquistar vitórias e recordes.

O jovem nadador Guilherme Costa tem levado ao pé da letra a tal contagem de ladrilhos e vem colecionando recordes, se transformando em uma das esperanças brasileiras para os Jogos de 2020.

Costa é especialista em provas de longa distância, 800 m e 1.500 m livre, menos populares entre os jovens nadadores brasileiros, que se inspiram em ídolos como os medalhistas olímpicos Cesar Cielo, Gustavo Borges ou Fernando Scherer, todos velocistas.

Em pouco mais de um ano, Costa quebrou nada menos do que sete recordes sul-americanos --quatro nos 1.500 m e três nos 800 m, prova que integrará o programa olímpico nos Jogos de Tóquio.

"Sempre gostei de treinar. Como meu técnico viu que eu conseguia bons desempenhos nas séries longas, resolveu me testar nas provas de fundo, e tenho me adaptado bem", afirma Guilherme Costa, carioca de 19 anos, atualmente defendendo o Pinheiros.

Os números comprovam que a adaptação está indo bem demais. Desde o dia 1º de abril de 2017, quando ainda era atleta da Unisanta, Costa vem batendo um recorde sul-americano a cada 50 dias, em média. "São sete recordes em um ano e 18 dias. É uma marca muito expressiva", elogia o comentarista de natação dos canais Globo, Alex Pussieldi.

Costa está obtendo feitos que surpreendem os especialistas. O recorde sul-americano dos 1.500 m (14min59s01), obtido em dezembro do ano passado, o transformou no primeiro nadador da América do Sul a fazer a distância abaixo da casa dos 15 minutos.

No último Troféu Brasil, realizado no Parque Maria Lenk, no Rio de Janeiro, no mês de abril, ele bateu o recorde continental dos 800 metros livre (7min52s54) com uma marca que representa o sexto melhor tempo do mundo na distância neste ano.

"Preciso construir um patamar mais acima para ele alcançar, pois ainda está num segundo pelotão do mundo. O que faremos no Pan de Lima-2019 e na Olimpíada de Tóquio-2020, estamos construindo desde agora", afirma Rogério Karfunkelstein, treinador pessoal de Costa desde quando ele tinha 12 anos.

Foi Karfunkelstein quem percebeu primeiro o potencial do pupilo para estas provas de longa distância.

"Ele nadava borboleta quando começou a treinar comigo. Nos treinos mais longos, percebia que ele conseguia sempre melhorar os tempos. Era como se nadasse brincando", disse o treinador.

Até 2013, ele ainda se dedicava ao nado borboleta e aos 400 m livre. A partir do ano seguinte, quando conquistou o vice-campeonato nos 1.500 m em uma competição para jovens nadadores chamada Multinations, no Chipre, o foco passou a ser apenas as provas de longa distância.

A evolução foi tão rápida que por pouco ele não conseguiu uma vaga na equipe que disputou a Olimpíada do Rio, em 2016. "Demos uma parada de duas semanas no final de 2015, mas na volta, ele retornou muito mal e na seletiva ficou muito perto da classificação", lembra Karfunkelstein.

O próprio Guilherme Costa avalia que o aprendizado veio do sofrimento. "A frustração foi grande, mas foi fundamental para a minha carreira. Foi a partir dali que comecei a me dedicar muito mais aos treinos. Na época foi um baque", reconhece o nadador.

Os resultados também são frutos de treinos cada vez mais intensos. Segundo Karfunkelstein, seu pupilo nada entre 80 e 90 km por semana. "Praticamente não temos férias. Treinamos de 46 a 48 semanas por ano", calcula.

A expectativa é que a compensação venha em forma de medalhas nos Jogos de Tóquio. E a entrada da prova dos 800 m livre no programa olímpico pode dar uma força a mais no sonho do pódio.

"Ele teria alcançado um tempo na casa de 7min50s se tivesse tido um último semestre perfeito. Essa marca o colocaria em condições de brigar por uma final olímpica. Ele tem condições de evoluir ainda mais", afirma o treinador.

Coordenador técnico do Pinheiros, Alberto Silva fala com cautela sobre as esperanças de medalha para Guilherme Costa nos Jogos de 2020.

"Se o programa de treinos do Guilherme for evoluindo junto com ele, claro que dá para projetar uma final. Só acho ruim quando as pessoas criam uma expectativa muito grande. As coisas têm que acontecer naturalmente", afirma.