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Com empatia, energia e entendimento, Klopp transforma o Liverpool

Técnico alemão chegou ao clube em 2015 e revolucionou a equipe inglesa

LUÍS CURRO
Kiev

No dia 9 de outubro de 2015, o alemão Jürgen Klopp sentou-se na sala de entrevistas do Liverpool para falar pela primeira vez como treinador do clube. Parecia deslumbrado.

Lembrou-se das origens para tentar explicar quão grande e inesperado era o passo que estava dando naquele momento, ao assumir o comando de uma das mais conceituadas equipes do mundo.

“Sou um cara de sorte”, ponderou.

O risonho Jurgen Klopp é um dos grandes responsáveis pela chegada do Liverpool à final da Liga dos Campeões
O risonho Jurgen Klopp é um dos grandes responsáveis pela chegada do Liverpool à final da Liga dos Campeões - AFP PHOTO /UEFA

Nascido em Stuttgart, cresceu na minúscula Glatten, cidade do sudoeste da Alemanha que fica na região conhecida como Floresta Negra e que tem pouco mais de 2.000 habitantes. 

Disse que sua mãe, de origem humilde, deveria estar assistindo-o naquele momento, “sem entender uma única palavra” (Klopp falava em inglês), mas que mesmo assim estaria orgulhosa. 

Um dos jornalistas então citou o português José Mourinho, que ao chegar à Inglaterra para dirigir o Chelsea, em 2004, julgou-se um treinador especial – tendo ganhado consequentemente da imprensa o rótulo de “O Especial” –, antes de perguntar a Klopp como ele se descreveria.

“Eu sou um cara normal. Sou ‘O Normal’.” Provocou, com seu bom humor e humildade, risos na plateia.

A pergunta seguinte, não feita, deveria ser: um treinador apenas normal pode fazer o Liverpool voltar aos tempos de glória? 

O último dos cinco títulos do clube na Liga dos Campeões da Europa – entre os times ingleses, é o maior vencedor da competição – havia sido em 2005.

No Campeonato Inglês, o jejum era muito maior, de exatos 25 anos: desde 1990 não venciam essa competição nacional.

Klopp pensava em ser campeão, logicamente. Mas sabia que antes precisava lidar com um problema muito sério no Liverpool. A falta de confiança dos jogadores. 

A cobrança da torcida era imensa, crescente, e isso afetava a equipe, que a cada ponto perdido parecia se inserir em um nível de penúria emocional que a impedia de lutar por qualquer objetivo.

Klopp valoriza demais as relações humanas, e tem seu lado psicólogo. Adora falar com os atletas, saber como está a vida particular de cada um. Não tem dúvida de que o rendimento em campo depende do bem-estar pessoal de cada um. 

Tanto que repreendeu um colega de comissão técnica que desconhecia que o lateral esquerdo Robertson, um dos reforços do time para a temporada 2017/2018, preparava-se para ser pai pela primeira vez. “Como você não pode saber disso? É a coisa mais importante na vida dele agora!”

Emotivo, Klopp sofreu na metade de 2017 com o veto do Liverpool à saída de Philippe Coutinho para o Barcelona. 

Sabia que o meia-atacante, titular da seleção brasileira, estava triste porque o impediam de realizar um sonho de garoto – vestir a camisa azul e grená do gigante espanhol – e, além disso, levar sua família para um país com uma cultura mais próxima à brasileira. 

Soube, contudo, administrar a situação. Por meio de muita conversa, reintegrou Coutinho, que estava em litígio com a diretoria, à equipe, fazendo-o manter o foco em Liverpool, reforçando o quão importante ele era para as pretensões do clube na temporada. 

Coutinho rendeu e ajudou o time a avançar para os mata-matas da Liga dos Campeões, anotando cinco gols em cinco jogos.

Philippe Coutinho, hoje no Barcelona, era um dos principais jogadores do Liverpool de Klopp
Philippe Coutinho, hoje no Barcelona, era um dos principais jogadores do Liverpool de Klopp - Phil Noble/Reuters

Em janeiro, enfim, diante de uma oferta do Barcelona de € 120 milhões (R$ 511 milhões pelo câmbio atual), mais € 40 milhões por metas de desempenho, o Liverpool cedeu, e o brasileiro se mudou para a Espanha.

Coube a Klopp, então, três papéis. O primeiro, de motivador. 

Era preciso fazer o elenco acreditar que a perda de um de seus dois principais jogadores (o outro é o egípcio Mohamed Salah) não tornaria o time menos capaz.

O alemão tem como poucos a capacidade de fazer seus comandados acreditarem em si próprios. Como? Simplesmente reduzindo a pressão que cada um sente e dizendo: “Jogue o que você sabe”. 

O segundo, de administrador.

Entrou dinheiro? É preciso fortalecer a equipe. Não há outro Coutinho no mercado? Que venha um pilar para a defesa, ponto fraco do time. 

O zagueiro holandês Van Dijk saiu do Southampton por € 85 milhões (R$ 362 milhões), o mais alto valor já pago na história por um zagueiro. 

O terceiro, de estrategista. 

Como atacar sem Coutinho, que formava com Salah, Roberto Firmino e Mané a sensacional quadra ofensiva do Liverpool?

Mudando o jeito de jogar. Firmino passou a recuar com frequência e a se tornar o distribuidor das jogadas, junto com o experiente meia James Milner, 32, um especialista nas bolas paradas, que passou a ocupar a vaga deixada por Coutinho.

O modo de jogar (veloz, envolvente e objetivo), por sinal, é o que mais encanta no atual Liverpool. É o que fez a torcida passar, paulatinamente, a se empolgar com as perspectivas da equipe e a reduzir a dose das críticas.

Klopp tem com os fãs o que faltava ao antecessor, o norte-irlandês Brendan Rodgers: empatia. 

Esquema decidido para o jogo, no qual ele acredita piamente – dificilmente muda a forma de a equipe jogar, mesmo se estiver perdendo –, Klopp torna-se à beira do campo um dos mais fanáticos torcedores do Liverpool.

Sua paixão e seu envolvimento são genuínos e intensos. Gestos, gritos, pulos. Vibração contagiante.

O oposto do contido e monossilábico Zinédine Zidane, o treinador do Real Madrid, rival na decisão da Liga dos Campeões da Europa, neste sábado (26), em Kiev (Ucrânia). 

“É a sua energia que carrega o Liverpool”, afirma Sam Wallace, do jornal The Telegraph, que entrevistou Klopp em março. “Ele pode até ficar bravo com os árbitros, mas geralmente pede desculpas.”

Energia também é a palavra utilizada por outro jornalista que acompanha de perto o trabalho do treinador.

“Ele trouxe [ao Liverpool] seu estilo de jogo, de entretenimento, ofensividade e pressão para forçar o erro dos adversários”, diz Ian Doyle, do tabloide Liverpool Echo. “E isso requer muita energia.”

Esse comportamento de Klopp não é recente. Ele era assim no Mainz e no Borussia Dortmund, ambos da Alemanha.

Klopp à beira do campo: participativo e enérgico
Klopp à beira do campo: participativo e enérgico - Dave Thompson/AP

O Liverpool é apenas o terceiro time na carreira de treinador de 50 anos, um ex-lateral direito que pendurou a chuteira aos 34 para imediatamente assumir a prancheta do Mainz, a equipe que defendia.

Permaneceu do clube por sete anos, com alguns resultados inéditos: levou o pequeno time à divisão de elite, em 2004, e conseguiu a classificação para a edição 2005/2006 da Copa da Uefa (atual Liga Europa), o segundo interclubes em importância no continente. 

Esse desempenho chamou a atenção do Borussia Dortmund, que o contratou em 2008. Mais sete anos de dedicação. E, dessa vez, títulos. Dois do Campeonato Alemão (2011 e 2012), um da Copa da Alemanha (2012) e dois da Supercopa da Alemanha (2013 e 2014).

Também levou o clube – de tão ou mais fanática torcida que a do Liverpool – ao vice-campeonato da Liga dos Campeões, em 2013 (derrota para o Bayern de Munique).

Depois, partiu para sua primeira experiência internacional, no equilibradíssimo futebol inglês.

No Liverpool, seu contrato vai até 2022. Se ele permanecer no clube até lá, serão outros sete anos em uma mesma agremiação.

A direção do clube acredita que Klopp seja o caminho para a volta dos troféus, que ainda não vieram com ele. Por pouco. 

Duas vezes, desde a chegada do alemão, o Liverpool foi vice-campeão, ambas em 2016. Da Copa da Liga Inglesa (derrota nos pênaltis para o Manchester City) e da Liga Europa (derrota por 3 a 1 para o Sevilla).

A consistência tem sido valorizada. O Liverpool se classificou para a Liga dos Campeões pela segunda temporada seguida (já está garantido na edição de 2018/2019), o que não ocorria há quase uma década, devido ao bom desempenho no Campeonato Inglês.

Porém o que Klopp construiu até agora é suficiente para o Liverpool superar o favorito Real Madrid na decisão da Liga dos Campeões?

Há essa expectativa na Inglaterra. No entanto, mesmo que o título não venha, Klopp não será duramente criticado. Continuará prestigiado e terá nova chance para chegar ao topo.

Pois, querendo ou não, em Liverpool ele já é muito mais do que um cara normal. É especial.

O jornalista Luís Curro viaja a convite da Nissan.

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