Jogador brasileiro ganha quatro salários mínimos por mês em média

Apenas 3% dos atletas profissionais ganham mais de R$ 51 mil

Alex Sabino guilherme garcia
São Paulo

Era o final de abril e Kauê Ramos Ceccacci já estava preocupado em saber onde estará em 2019. Seu contrato com a Portuguesa Santista, clube paulista que subiu neste ano para a Séria A2 do Paulista, a segunda divisão estadual, acabará em dezembro.

Ele tem tamanho senso de urgência porque, aos 23 anos, não acredita ter pouca idade para o futebol profissional.

“Eu estou jovem? Você acha? Não estou tão jovem assim, não. Preciso correr atrás”, afirma o jogador.

Nascido em Santos, a 73 km de São Paulo, Kauê é o representante típico do jogador de futebol no Brasil

Pesquisa feita pela Folha com os registros de atletas profissionais no Ministério do Trabalho em 2016 
—últimos dados disponíveis— mostra que a síntese do jogador brasileiro é alguém de 23 anos, com contrato há 12 meses, e que recebe R$ 3.653 por mês, pouco mais de quatro salários mínimos naquele ano (R$ 880). O valor é equivalente à renda familiar de uma família de classe média.

Em todos os critérios, Kauê Ramos se encaixa. Em outros, mais subjetivos, também. Ele mesmo reconhece querer o que dez entre dez jogadores de futebol do país almejam: fama, fortuna e se transferir para o futebol europeu.

“As crianças que começam no futebol hoje em dia pensam isso mesmo. É o que aparece na TV”, completa.
É uma responsabilidade que ele carrega desde cedo. Por causa do talento nas quadras de futsal, ganhou bolsa integral para estudar em uma das mais caras escolas particulares da Baixada Santista. 

Tinha de jogar bem para se manter. Como quando, aos 17 anos, decidiu largar o futsal para se dedicar ao campo.

“Cheguei à conclusão de que um jogador de futebol de campo médio ganha salário bem maior do que quem pratica futsal, mesmo que seja um nome top do esporte”, afirma.

Por enquanto, o salário de Kauê (e da média dos seus colegas de profissão) está bem longe do pago pelas principais equipes da Séria A do Campeonato Brasileiro. No Flamengo, o peruano Paolo Guerrero, atualmente afastado por doping, recebe aproximadamente R$ 800 mil mensais.

A pesquisa aponta que 1% dos atletas de maiores vencimentos ganham mais do que os 78% mais pobres. O salário médio do atleta de futebol no Brasil é inferior ao de um técnico de fabricação de margarina (R$ 3.656) e pouco superior ao do despachante documentalista (R$ 3.652,50). 

“A imagem que o público em geral tem do jogador é totalmente distorcida pelo que acontece nos grandes clubes. A situação dos atletas de grandes clubes paulistas, como Corinthians, São Paulo e Palmeiras, é muito diferente do que se vê no interior. Não tem comparação”, afirma Rinaldo Martorelli, presidente do Sindicato dos Atletas Profissionais de São Paulo.

O número de jogadores de futebol no país em 2016 era de 12.880 e se manteve estável em relação aos dois anos anteriores. Cerca de 8.000 deles estão concentrados em São Paulo. 

Há dois estados que não têm nenhum atleta registrado no Ministério do Trabalho: Roraima e Amapá.

“O jogador no Brasil dificilmente tem estabilidade e não consegue um contrato longo, de três ou mais anos. Eu ainda tenho a sorte de estar em São Paulo. Disputei a Série A3, que tem mais visibilidade do que vários estaduais de primeira divisão”, analisa Kauê Ramos.

Mais importante do que isso, recebe os salários em dia. “Conheço muita gente que não tem a mesma sorte”, completa o meia-atacante.

Esse é um dado que a estatística não consegue mostrar e que o ex-jogador da seleção Mauro Silva, vice-presidente de integração da FPF (Federação Paulista de Futebol), vê todas as semanas.

Ele visita os clubes do estado para conversar com os jogadores em nome da entidade. Busca saber a situação profissional de cada um e resolver os problemas financeiros com as agremiações. 

“Como todo profissional, o jogador tem compromissos no final do mês e precisa pagar. Isso é o básico, ter o salário em dia”, disse em entrevista à Folha em agosto de 2017.

Não está nas estatísticas porque não é mensurável, mas mesmo aos 23 anos, uma idade que ele mesmo não considera baixa para jogador de futebol, Kauê sonha muito alto. 

O espelho dele é o patamar em que Neymar, maior nome do futebol brasileiro, chegou. 

“Eu vejo o sucesso do Neymar... É isso o que a gente almeja. O futebol é um projeto de vida, também para ajudar as pessoas como ele fez, ao abrir um instituto [Instituto Neymar Jr, em Praia Grande] para cuidar de crianças da região”, afirma o jogador que, sem empresário, busca sozinho em sua rede de contatos uma oportunidade para a próxima temporada, que só começa daqui a sete meses.

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