Rápida ascensão transforma Gabriel Jesus em referência no Jardim Peri

Criado na periferia, jogador será o mais jovem centroavante titular da seleção desde 1958

Camila Mattoso Luiz Cosenzo
São Paulo

​Às vésperas da Copa do Mundo de 2014, Tetinha, então com 17 anos, andava pelo Jardim Peri pedindo dinheiro de porta em porta para pintar as ruas do bairro da zona norte de São Paulo de verde e amarelo. Hoje ele é conhecido no mundo todo como Gabriel Jesus, e estará em campo na Copa do Mundo da Rússia vestindo a camisa 9 da seleção brasileira.

Aos 21 anos, completados em 3 de abril, o jogador —que ainda é chamado de Tetinha pelos amigos mais próximos— será o centroavante titular mais jovem da equipe brasileira no início de uma Copa desde 1958, quando José João Altafini, o Mazzola, então com 19 anos, foi escalado pelo técnico Vicente Feola para a estreia do Brasil, contra a Áustria.

 

“Ele reunia toda a molecada e pedia dinheiro para os moradores do bairro. Desenhamos várias bandeiras do Brasil, além de colocar bandeirolas pelas ruas”, lembra Higor Braga, 19, um dos três amigos do jogador que foram morar com ele na Inglaterra no período de adaptação ao Manchester City, seu atual clube.

Eles assistiram à maioria dos jogos da Copa de 2014 no Bar da Gi, que hoje é decorado com camisas da equipe inglesa e do Palmeiras, clube que revelou o atacante. 

O local fica na avenida Maria Antônia Martins, ponto final de algumas linhas de ônibus que vão para a zona norte de São Paulo, o que inspirou os meninos a batizar seu time de bairro de “Unidos da Final”, pelo qual Gabriel Jesus disputava peladas contra outros garotos da região. 

“Colocávamos quatro pedras para formar os dois gols e pronto. Nas férias, começávamos a jogar às 7h e só parávamos à noite. Até 2012, o Gabriel sempre brincava. Depois que entrou no Palmeiras, parou”, conta Rodolfo Augusto, 24. 

Gabriel Jesus chegou ao Jardim Peri em 2001. Ele cresceu sob os cuidados da mãe, Vera Lúcia, e ao lado dos três irmãos, Caíque, Felipe e Emanuelle. O pai deixou a família antes do nascimento do garoto. 

Mesmo na Europa, ele é a principal referência para os meninos do Jardim Peri. Andando pelas ruas do bairro é fácil encontrar imagens suas grafitadas nos muros.

A mais impressionante delas tem 34 metros de altura e foi feita em frente a uma quadra de grama sintética. A ação é da Adidas, uma de suas quatro patrocinadoras individuais. As outras são Vivo, Gatorade e Guaraná Antarctica. 

Em outra, chama a atenção a frase que mostra a ligação do atacante com o Jardim Peri: “Posso até sair do Peri, mas o Peri nunca sairá de mim.”

Ela foi dita por Gabriel Jesus após o anúncio de sua transferência do Palmeiras para o Manchester City, em 2016.

No bairro, o atacante é admirado até por torcedores de clubes rivais do Palmeiras.

Antes de se transferir para o futebol inglês, o atacante foi convidado pela Fiel Peri, braço da torcida organizada corintiana Gaviões da Fiel, para participar de evento comemorativo ao Dia das Crianças. 

Para poder contar com a presença do atleta, a organizada tirou do local itens alusivos ao Corinthians, evitando que fotos do jogador no local gerassem problemas com o time alviverde.

“Ele continua a mesma pessoa. É um garoto tímido, que fala pouco e é supereducado. A dona Vera Lúcia [mãe de Gabriel] criou muito bem os meninos. Quando ainda era criança vinha comprar bolacha e Yakult aqui”, conta Gisele Xavier, dona do Bar da Gi, que ganhou uma das 150 camisas autografadas do City que o atacante distribuiu no bairro em julho do ano passado.

Mesmo após o sucesso, Gabriel Jesus não perdeu o jeito simples de adolescente da periferia. Quando está em casa, seus hobbies prediletos são jogar videogame e ouvir pagode. 

“Quando ele não faz um bom jogo, chega em casa e se tranca no quarto. Aí esperamos ele querer conversar de novo. Se ele coloca um pagode para ouvir ou começa a tocar algum instrumento [ele toca vários, mas seu preferido é o pandeiro] é porque já está tudo bem”, diz seu irmão Felipe.

O semblante de preocupação que o jogador costuma exibir durante as partidas nos estádios da Inglaterra são os mesmos que ele já mostrava nas ruas do Jardim Peri.

“Nunca sabemos se ele está rindo ou chorando, mesmo após um gol, porque a expressão dele é sempre a mesma”, brinca seu amigo Higor, que revela outros costumes do jogador, como o de deixar para resolver tudo na última hora e as broncas que dá nos amigos quando faltam às aulas de inglês em Manchester.
Higor só desconversa quando o assunto é a origem do apelido do amigo famoso.

“A história verdadeira ninguém sabe até hoje. São várias. Alguns dizem que é por conta da bochecha, outros que é por causa do tamanho da cabeça... Independente disso, pegou. Eu sempre chamo ele de Tetinha”, conta.

 

Adaptação rápida  à seleção principal impressionou Tite

O técnico Tite, responsável pela primeira convocação de Gabriel Jesus para a seleção brasileira principal, em agosto de 2016, se surpreendeu com a rapidez com que o atacante se adaptou à pressão de vestir a camisa verde e amarela.

Em conversas com colegas e com membros da comissão técnica da seleção, o treinador costuma creditar a rápida ambientação do atacante campeão olímpico na Rio-2016 ao apoio que ele recebe da família e dos amigos.

A confiança de Tite no atacante é tanta que ele anunciou antecipadamente que o camisa 9 será o capitão do time no amistoso contra a Croácia, marcado para o dia 3 de junho, em Liverpool —o primeiro que o técnico fará com os convocados para a Copa.

“O Gabriel Jesus tem uma humildade muito grande e um comprometimento em querer aprender”, diz Marcelo Oliveira, técnico que o dirigiu no Palmeiras de 2015 a 2016.

“Lembro que ele queria participar até do treino só com reservas para evoluir o cabeceio e a finalização com o pé esquerdo”, afirma o treinador.

O técnico Cuca, que contou com a ajuda de Gabriel Jesus para acabar com o jejum do Palmeiras de 22 anos sem um título do Campeonato Brasileiro, em 2016, também enche seu ex-comandado de elogios.

“Ele foi imprescindível na campanha do título brasileiro [foi o artilheiro do time, com 12 gols]. É um jogador diferenciado, com muita vontade de treinar. Tinha até que pedir para ele diminuir um pouco a intensidade”, conta Cuca. 

Para Tostão, colunista da Folha e camisa 9 da seleção campeã mundial em 1970, o atacante tem “todas as características que um ótimo jogador da posição precisa ter”. A única ressalva é quanto à falta de habilidade para Gabriel Jesus ser tão bom fora da área quanto é dentro dela.

Ele é o artilheiro da seleção na era Tite, com nove gols —dois a mais que o atacante Neymar e o volante Paulinho.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.