Com puxadinho, estádio da Copa é um risco para tem quem medo de altura

Para manter fachada histórica, Arena Iekaterinburgo instalou arquibancada externa

Iekaterinburgo | The New York Times

Havia gotas de chuva no paletó azul-escuro de Leonid Rapoport, o ministro do Esporte da região russa de Sverdlovsk, em meio à garoa da tarde da quarta-feira, em uma visita às arquibancadas auxiliares do Estádio Tsentralnii.

"Os torcedores não se incomodam se há ou não uma cobertura", ele disse, sorrindo, em russo.

Ingressos da Copa do Mundo são difíceis de comprar, mas mesmo as pessoas que tiveram a sorte de consegui-los podem se apanhar assistindo de fora, por assim dizer.

Vista lateral da Arena Iekaterinburgo e parte da arquibancada provisória para os jogos do Mundial
Vista lateral da Arena Iekaterinburgo e parte da arquibancada provisória para os jogos do Mundial - James Hill/The New York Times

Nos preparativos para o torneio, arquitetos foram encarregados de aumentar temporariamente a capacidade da Arena Iekaterinburgo, construída originalmente em 1957, mas mantendo intactas as paredes originais. A solução que eles por fim encontraram envolvia pensar fora da caixa: a construção de duas arquibancadas provisórias que se estendem para fora do estádio, nas duas pontas, como enormes gavetas abertas.

O projeto causou reações variadas, bem antes da partida inicial. Os críticos o definiram como horrível - uma solução precária, quase absurda. Os simpatizantes da ideia a definiram como exemplar em termos de praticidade e de construção sustentável, algo visto raramente nos grandes eventos esportivos internacionais. Os torcedores e dirigentes de futebol, enquanto isso, só queriam saber se as arquibancadas eram seguras, e cabia a Rapoport e outros acalmar suas preocupações.

"É claro que vi todas as reações", disse Oleg Gak, o arquiteto chefe do projeto, que defendeu de maneira bem-humorada o trabalho de sua equipe, em entrevista antes da Copa. "Mas quero dizer que, quando concluo qualquer grande projeto, sempre existem pessoas que gostam ou desgostam da nova edificação, especialmente se só a veem em uma fotografia.”

As críticas começaram a fervilhar no final do ano passado, quando fotos da obra passaram a circular internacionalmente, inspirando muitas reportagens e uma torrente de emoticons que expressavam incredulidade, no Twitter. Tomadas aéreas das arquibancadas provisórias, em ângulo largo, as faziam parecer uma espécie de íngreme escadaria da terra ao céu, e ridiculamente distantes do gramado. Uma manchete cruel do site esportivo Deadspin, "olha essa estádio horrível da Copa do Mundo", parecia resumir o teor dominante da reação da audiência online.

"Recebemos muitos emails sobre o quanto o estádio era estúpido, naquele período", disse Michal Karas, editor-chefe do StadiumDB, um site que cobre a construção de arenas esportivas em todo o mundo.

Mas Karas e outros elogiaram a arena em entrevistas, em meio à preocupação de que outros dos estádios construídos na Rússia venham a se tornar elefantes brancos, depois do torneio de um mês de duração.

William Craft Brumfield, historiador da arquitetura russa na Universidade Tulane, definiu a reconstrução do estádio como "evidentemente muito curiosa", mas ainda assim elogiou o governo e os arquitetos locais por manterem o espírito do local, que vem sendo usado como campo para a prática de esportes desde cerca de 1900.

"Para eles, é uma espécie de solo sagrado", disse Brumfield sobre os moradores de Iekaterinburgo, uma cidade industrial histórica na região dos Montes Urais.

O estádio foi inaugurado em 1957, e sua fachada histórica - adornada por semicolunas, baixos relevos, esculturas e detalhes em estuque, ao estilo neoclássico da era stalinista - terminou por se tornar parte do patrimônio histórico da região, e sobreviveu a diversas reformas.

Instruído a expandir a capacidade do estádio para 35 mil torcedores, mas preservar a fachada inferior como base, Gak e sua equipe do Instituto de Projeto de Arenas, um escritório de arquitetura em Moscou, conceberam um plano que essencialmente criaria um novo estádio dentro das paredes originais, acrescentando arquibancadas provisórias que poderiam ser removidas depois do torneio.

O estádio, cuja capacidade será reduzida a 23 mil espectadores, será usado depois da Copa pelo time local de futebol, o F.C. Ural. O projeto custou 12,5 bilhões de rublos, ou US$ 199 milhões (aproximadamente R$ 758 milhões), disse Rapoport.

Vista externa da Arena Iekaterinburgo
Vista externa da Arena Iekaterinburgo - James Hill/The New York Times

Elizaveta Likhacheva, diretora do Museu Estatal Schchusev de Arquitetura, em Moscou, comparou elogiosamente essa abordagem híbrida, de combinação de velho e novo, a "colocar um copo em um podstakannik" - um suporte decorativo de madeira para xícaras de chá, tradicional na Rússia. Ainda que ela também encare com alguma desaprovação a estética do projeto, afirmou que o burburinho de comentários negativos sobre o estádio revelava um impulso mais profundo a zombar de tudo que seja russo, por parte de alguns ocidentais.

"A questão não é a Copa do Mundo, não é o estádio, não é a arquitetura", ela disse. "Nenhum desses críticos visitou Ecaterimburgo, e eles tampouco compreendem exatamente o que a Rússia é.”

Os torcedores com medo de altura podem discordar, porém. Os assentos temporários estão instalados em uma estrutura metálica densa e íngreme. As arquibancadas provisórias têm 41 metros de altura, e haverá espectadores acomodados bem na beirada da estrutura. As pessoas das fileiras mais altas terão a impressão de estarem contemplando o panorama do topo de um edifício de 14 andares.

De lá, eles acompanharão as jogadas por meio de uma grande abertura retangular na lateral do estádio, cuja cobertura obstrui parcialmente sua visão das outras arquibancadas, como se fossem pedestres assistindo da calçada a uma partida mostrada no televisor de um bar de esportes.

"Se você realmente for ao estádio e subir ao topo da arquibancada provisória, terá não só uma boa visão do campo, mas uma linda vista da cidade", disse Gak, rindo.

Alguns meses, Alexander Meytin, diretor de segurança da Premier League russa, admitiu ter alguma preocupação com a estrutura provisória, mas ele declarou depois do primeiro jogo de teste, dois meses atrás, que as arquibancadas provisórias passaram bem por todas as provas e, especialmente, "não oscilaram ao vento".

Na quarta-feira, Rapoport foi perguntado se os espectadores passionais não teriam motivo de preocupação caso seu entusiasmo os levasse a pular de seu assentos, em pleno céu.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.