Descrição de chapéu Copa do Mundo

Copa na Rússia começa com pressão política e equilíbrio em campo

Com mão pesada, Putin injetou quase 60% dos R$ 38,4 bi gastos no Mundial

Seleção russa faz aquecimento durante treino no estádio Lujniki, em Moscou, que receberá a abertura do Mundial
Seleção russa faz aquecimento durante treino no estádio Lujniki, em Moscou, que receberá a abertura do Mundial - Felipe Dana/Associated Press
 
Moscou

Em uma de suas edições mais controversas devido ao simbolismo político, a 21ª Copa do Mundo começa nesta quinta-feira (14) na Rússia com a expectativa de alta competitividade em campo.

Resta saber se isso ocorrerá e se haverá algum impacto para o presidente Vladimir Vladimirovitch Putin, 65, o ex-espião que, desde 1999, dá as cartas na política russa e é o "dono da bola". Com aprovação perto dos 80% em seu país, ele é o vilão predileto do Ocidente devido à sua atuação agressiva no que considera assuntos de interesse da Rússia.

Desde 2010, quando a Fifa deu à Rússia a organização do Mundial, Putin anexou a Crimeia ucraniana, interveio na guerra civil síria e é alvo de sanções contra aliados.

Nada disso, porém, demoveu o russo de injetar quase 60% dos R$ 38,4 bilhões gastos com a organização do Mundial, que legará vários elefantes brancos entre os 12 estádios construídos ou reformados nas 11 cidades-sede.

A obsessão de Putin é desinteressada do ponto de vista esportivo. A Rússia, que abre o torneio às 18h (12h em Brasília) contra a Arábia Saudita no Estádio Lujniki, em Moscou, é a pior seleção presente na Copa no ranking da Fifa.

Os tempos são tensos fora dos estádios. A mais recente crise com o Ocidente, decorrente do envenenamento de um ex-espião russo na Inglaterra, levou a um pedido de boicote do torneio pelo Reino Unido. Não deu certo, mas as relações estão deterioradas.

Nesta quarta (14), falando no congresso da Fifa, Putin disse que "o esporte está além da política", para na sequência engatar uma explanação de que o evento "é também uma chance para que as pessoas aprendam coisas novas sobre um país".

Autoridades russas dizem que a Copa é um lembrete de que o país tem capacidades, apesar de estar sob pressão. "Estamos orgulhosos de mostrar isso tudo para o mundo", replicou, com aparente espontaneidade, Pavel Makienko, um dos voluntários da Fifa que atendem turistas em inglês nas imediações do Lujniki.

Analista do Centro Carnegie de Moscou, Andrei Kolesnikov duvida disso. "Nada vai melhorar a imagem externa de Putin", sentencia ele, que vê na reeleição do russo para um quarto mandato à frente do Kremlin, em março, a senha para uma estagnação política ainda maior no país.

Se depender do bom humor dos seguranças russos do Lujniki na tarde de quarta-feira, talvez ele possa estar certo.

De um modo ou de outro, a Copa é muito grande para ser descartada como instrumento político. A contestada China aprendeu isso ao sediar a Olimpíada de 2008.

E o Mundial é o maior evento em termos de exposição de mídia no mundo --a edição de 2014 no Brasil teve 3,2 bilhões de espectadores. Ainda que o Datafolha tenha identificado um inédito desinteresse pelo torneio, as coisas devem mudar se a seleção brasileira tiver um bom desempenho.

SEM FAVORITO

Por mais que seja geopolítica, Copa é campo. E esse fator promete emoções adicionais nesta edição da competição.

Primeiro, porque há um suposto equilíbrio entre os principais favoritos, com Alemanha, Brasil e Espanha, algo acima de França, Argentina, Bélgica e Portugal.

Toda Copa começa com uma lista dessa, só para ser desmentida na fase de grupos. Não se sabe o impacto que a demissão do técnico espanhol na véspera da abertura pode ter, por exemplo. Isso fora o sempre esperado despontar de um time sensação. Ou algum jogador inusual que desequilibre, a exemplo do egípcio Salah no campeonato inglês da última temporada.

O meia-atacante, que volta de contusão, introduz ainda um componente geopolítico no torneio: é o maior astro muçulmano do esporte, num momento em que a Europa que lidera o faturamento com o futebol vem fechando as portas a imigrantes como ele.

Na mão inversa, ele está sendo criticado por ser usado como garoto-propaganda da autocracia da Tchetchênia, república russa de maioria muçulmana que serve de ponte do Kremlin com o mundo árabe, e onde o Egito montou acampamento desde que chegou.

No caso do Brasil, a recuperação da equipe que foi humilhada no 7 a 1 levado da Alemanha em 2014 na própria casa, é notável. Após a chegada de Tite ao time, em 2016, o reequilíbrio do padrão de jogo e a presença de um Neymar recuperado de lesão colocaram a seleção num topo que alguns temem ser exagerado.

Há também a presença de dois superastros crepusculares, o português Cristiano Ronaldo, 33, e o argentino Lionel Messi, 30. Ambos dominam o posto de melhor do mundo da Fifa desde 2008, mas nunca ganharam uma Copa --e esta pode ser a última deles em alto nível.

Com tantos atrativos em campo ao longo de 64 jogos de 32 seleções, o fato de tudo acontecer dentro de um monólito político no qual alternância de poder não existe como no Ocidente acaba passando despercebido. Coisas podem dar errado para o Kremlin. 

A repercussão de um ato terrorista, algo nada impossível de ocorrer, acabaria amplificada. Seria Munique-72, e não Atlanta-96, para ficar em exemplos olímpicos bastante incomparáveis de resto.

O maior antípoda midiático de Putin, o blogueiro Alexei Navalni, sairá da prisão entre esta quinta e sexta-feira, o que leva a especulações se ele tentaria repetir os megaprotestos de 2017.

Dando tudo certo, a festa de Putin ainda assim não parece que será completa, a se levar a sério o apelo por aceitação feito na Fifa: "É bom que vejam que outros países são amigáveis e legais".

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