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Copa do Mundo

Crises alimentam os medos que ampliam desinteresse por Copa

Boa atuação da seleção pode reverter em parte esse novo viralatismo no país

Homem pinta rua na região central de São Paulo para a Copa - Folhapress
Alessandro Janoni Mauro Paulino
São Paulo

​Na véspera da Copa de 2014, o Datafolha concluiu que o Brasil vivia um "maracanaço social", com manifestações de rua que questionavam a realização do evento no país e os gastos públicos no torneio, um embrião do que viriam a ser os protestos pró impeachment de Dilma Rousseff (PT), ironicamente marcados pelas camisas verde e amarelas da seleção de futebol.

Logo depois, o time intensificou esse sentimento na derrota avassaladora para a Alemanha. A união pelo futebol deu lugar à explícita clivagem socioeconômica na eleição para presidente daquele ano e, no imaginário das novas gerações, o fracasso frente ao Uruguai no Maracanã de 1950 foi substituído por um placar que, desde então, traduz por meio de uma piada o cenário de desalento que toma conta do Brasil: "todo dia um 7 a 1".

As pesquisas divulgadas pelo Datafolha ao longo desta semana ilustram bem esse ambiente. São diversas crises agindo como vetores que alimentam os medos dos brasileiros e acabam por incrementar o desinteresse recorde por um dos eventos que historicamente mais desperta a consciência de identidade numa sociedade desigual.

Como alegoria, é possível listar pelo menos sete aspectos que, por hipótese, vêm minando o interesse da opinião pública contra a Copa da Fifa. Sem a intenção de ranqueá-los ou determinar o peso de cada um na composição do fenômeno, a ideia é citá-los segundo o grau de correlação que demonstram com a posição dos brasileiros sobre o torneio.

 

O primeiro é o pessimismo em relação à economia. Difícil manter agenda aberta a outros temas, como futebol, quando falta emprego e a percepção sobre o poder de compra dos salários só piora. A expectativa sobre o aumento da inflação entre os que não têm interesse pela Copa supera em 12 pontos percentuais a verificada entre os que têm algum interesse. Sobre o crescimento do desemprego, esse escore é de oito pontos.

Em segundo lugar, também nessa linha, aparecem os aspectos citados pelos brasileiros como principais problemas do país —corrupção, saúde, desemprego e violência. Eles se retroalimentam e é impossível desvincula-los da imagem da Fifa e da realização do Mundial no Brasil em 2014. A queda dos principais nomes da entidade e as denúncias da Lava Jato nos últimos anos não só prejudicaram a imagem do futebol brasileiro como colocaram em risco direitos básicos garantidos pela Constituição.

Em terceiro, o descrédito em relação às instituições do país. Os que não demonstram interesse pela Copa compõem um dos estratos da população que menos confiam nos diferentes níveis do Judiciário, na Presidência da República, no Congresso Nacional, nos partidos políticos, na imprensa e também nas Forças Armadas. O contraste entre os segmentos, nesses posicionamentos, chega a 18 pontos percentuais.O que nos remete ao quarto fator: o Brasil tem hoje o governo mais impopular desde a redemocratização do país.

A reprovação a Michel Temer (MDB) é ainda maior entre os que não querem saber da Copa —supera em seis pontos percentuais a do estrato dos que têm interesse pelo evento. A gestão emedebista que carrega o "Ordem e Progresso" da bandeira em sua marca de mandato não é exatamente, neste momento, boa propaganda.

No quinto item, a falta de esperança: metade dos desinteressados pela Copa não acha que as próximas eleições mudarão a situação atual que o país vive. No estrato oposto essa taxa cai oito pontos percentuais. No primeiro grupo, a intenção em votar em branco ou anular o voto supera a do segundo em mais de 10 pontos percentuais, mesmo quando Lula é candidato.

Em penúltimo, o desinteresse pela Copa pode refletir o crescente desinteresse dos brasileiros pelo futebol em si, como revelado no levantamento de janeiro deste ano, quando o Datafolha mostrou aumento de dez pontos percentuais nessa tendência.

Por último, em sétimo, o resultado disso tudo: esse segmento arredio é o que mais vergonha declara de ser brasileiro. É uma diferença de 20 pontos percentuais para os que enfatizam o orgulho, aspecto enaltecido em cantos da torcida brasileira.

Para não levar de zero, é importante citar um ponto a favor do torneio, segundo o espírito da população. Em período de descrédito generalizado das figuras públicas do país, Tite alcança apoio raro. A maioria aprova seu desempenho frente à seleção. Mesmo entre os que não têm interesse, cerca de metade o considera ótimo ou bom.

Uma boa atuação da seleção no torneio pode reverter em parte esse novo "viralatismo" e trazer certo alento, mesmo que por pouco tempo e apenas dentro do campo, como em títulos anteriores.

 

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