Descrição de chapéu Copa do Mundo

Ícone soviético, goleiro Aranha Negra ressuscita até como símbolo da Copa

Morto há 28 anos, Yashin vira símbolo do Mundial e estampará nota de rublo

Carlos Maranhão
Moscou

Alguns ícones russos jamais saem de cena, a começar pela múmia de Lênin, exposta no mausoléu da praça Vermelha. Muitas outras glórias do país continuam vivíssimas décadas depois da morte, dos romances de Tolstói e Dostoiévski às músicas de Tchaikóvski e Stravinski, autores que parecem escrever e compor cada vez melhor ao serem relidos ou novamente ouvidos.

Mas há também os que andavam mais ou menos esquecidos no resto do mundo e de repente, como na Páscoa Russa, ressuscitam, sobem ao céu e entram na eternidade.

Cigarro, no entanto, não era apenas um ou outro no vestiário. Yashin fumava compulsivamente. "Chegava a quatro maços por dia", afirma o jornalista Ivan Kalashnikov, repórter em Barcelona do site Sports.ru e especialista em sua biografia. O tabagismo agravou sua úlcera e lhe causou problemas circulatórios.

Yashin ganharia oito títulos nacionais pelo Dínamo e obteve projeção internacional pela seleção a partir de 1956, quando conquistou a medalha de ouro na Olimpíada de Melbourne. Quatro anos depois, seria um dos responsáveis pelo título da Eurocopa. A final, em Paris, contra a antiga Iugoslávia, terminou com a vitória da União Soviética por 2 a 1 na prorrogação.

O Aranha Negra consolidaria seu prestígio na Copa. Esteve em quatro e jogou em três (na última, em 1970, aos 40, ficou no banco). Ajudou sua equipe a alcançar duas quartas de final e um quarto lugar. 

Na primeira, em 1958, foi uma das vítimas daqueles que seriam considerados os três minutos iniciais dos mais empolgantes da história do futebol. Nesses 180 segundos diante do Brasil, houve uma bola na trave, dribles desconcertantes de Garrincha —que estreava naquela terceira partida do Mundial ao lado de um garoto de 17 anos chamado Pelé— e o primeiro dos dois gols de Vavá. 

Yashin evitou que placar não passasse dos 2 a 0. O marcador foi pequeno, como mostrariam as goleadas brasileiras por 5 a 2 contra a França, na semifinal, e a Suécia, na final. Esse jogo inesquecível aconteceu no dia 15 de junho de 1958, em Gotemburgo, há 60 anos, a se completarem na sexta-feira.

No Chile-62, Yashin caiu em desgraça. Foi considerado um dos responsáveis pelo empate de 4 a 4 contra a Colômbia (tomou um gol olímpico) e pela derrota por 2 a 1 para os donos da casa. Tinha 32 anos e parecia ter chegado ao fim.

Como um Dostoiévski que escapa do pelotão de fuzilamento, sobreviveu para dar a volta por cima. No ano seguinte, foi o goleiro da seleção do Resto do Mundo contra a Inglaterra e ganhou a Bola de Ouro da revista France Football. Nenhum outro camisa 1 receberia esse troféu, antecessor do que hoje é oferecido pela Fifa para o melhor do mundo.

Até parar de vez, em 1971, continuou sendo admirado no mundo inteiro, inclusive no Brasil: ao conseguir do seu governo uma espécie de licença-prêmio que o Kremlin dava aos astros esportivos leais ao regime --era filiado ao Partido Comunista--, decidiu passar uma temporada no Rio, em 1965. Ia à praia de manhã e treinava no Flamengo à tarde. 

O final, infelizmente, seria doloroso. Teve a perna esquerda amputada por causa do velho problema circulatório, sofreu um AVC e morreu em decorrência de um câncer no estômago em 1990, aos 60, em Moscou, sua cidade natal.

Seu mito sobreviveu a tudo. Batizou o prêmio de melhor goleiro da Copa antes que ele passasse a se chamar simplesmente Luva de Ouro. Em 2000, a IFFHS, sigla em inglês da Federação Internacional de História e Estatísticas do Futebol, elegeu Yashin o melhor goleiro do século 20.

A partir desta semana, com a Copa do Mundo que seu país organiza, ele renasce de uma vez por todas.

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