Descrição de chapéu Copa do Mundo

Nova leva de designers russos transforma moda à sombra do Kremlin

Jovens se rendem a encanto de estilistas sem um sobrenome italiano ou francês

Silas Martí
Moscou

Os corredores e vitrines deslumbrantes do Gum, o shopping mais antigo e tradicional de Moscou em plena praça Vermelha, não deixam nenhuma dúvida sobre a tórrida relação dos russos com a moda. Letreiros ali brilham com nomes que fazem o coração do fashionista moscovita bater mais forte —Louis Vuitton, Prada, Gucci e outros.

Nas calçadas da cidade, lojas dessas e de outras grifes europeias despontam na paisagem como sinal de que o comunismo está enterrado bem fundo no passado soviético e que o consumismo tomou seu lugar no centro do estilo de vida daqueles que podem se dar certos luxos de presente.

Mas enquanto não mudam as vitrines das ruas nos bairros mais abastados da capital russa, os jovens moscovitas, mesmo com dinheiro para torrar com o último grito fashion, rendem-se ao encanto de estilistas que não têm sobrenome italiano ou francês.

Uma nova leva de designers russos está transformando a moda à sombra do Kremlin. Eles são todos criadores que conquistaram uma clientela (bem) nascida depois do colapso da União Soviética e que vê com outros olhos as dramáticas pegadas visuais deixadas pela época da perestroika.

O processo de reforma econômica do fim da década de 1980 abriu as fronteiras para a entrada de produtos importados num país antes isolado e coincidiu com um clima de liberdade e revolução nos costumes. Era o nascimento do punk russo, reencarnado na atualidade por bandas como o Pussy Riot e novos estilistas.

Taça de champanhe em punho, com lábios, unhas e lentes dos óculos no mesmo tom alaranjado radioativo, Anastasia Dokuchaeva explica o fenômeno num restaurante de preços superlativos do shopping de Moscou onde tem seu QG.

“Os russos agora estão todos ficando bem mais inteligentes com a moda”, diz uma das estilistas mais em evidência desse momento na Rússia. “Eles querem criar um estilo próprio, juntando alta costura com o que eles veem nas ruas.”

Dokuchaeva, ao menos, traduziu esse desejo nas roupas que vem desfilando na passarela. Seu estilo, que ela define como “esportivo chique”, mistura peças que lembram quimonos orientais, pijamas de seda e uniformes de futebol, look que agradou fashionistas que simpatizam com a Copa.

Nesse ponto, o luxo despojado de suas roupas tem um pé na era dos czares e outro na leitura afiada de um país que atravessou privações marcantes, uma alegoria dos improvisos e farrapos pós-soviéticos.

Yulia Gromova, outra estilista que faz a cabeça das moscovitas, segue uma estratégia semelhante. Sua mais nova coleção funde a estética dos Románov, a última família imperial da Rússia executada pelas tropas bolcheviques, aos desejos mais iconoclastas dos punks —são fru-frus e babados justapostos ali à transparência do plástico nos seus looks.

“É um design mais minimalista”, diz Gromova, em sua butique na Khlebzavod #9, uma antiga fábrica transformada em galeria de lojas hipster. “Há uma demanda agora por coisas diferentes, porque tudo ficou muito igual. Tentamos reagir com desenhos ousados, mas com uma herança russa.”

Todo esse contraste fica nítido nos endereços frequentados pelos moderninhos em Moscou, entre eles o distrito de sua loja. Enquanto garotas combinam as saias de tule das bailarinas com pochetes brilhantes, meninos usam calça de alfaiataria com tênis de corrida e alargadores na orelha.

No café do Winzavod, um centro cultural rodeado de galerias de arte, um rapaz de tênis dourados, cabelos amarrados num coque e alargadores verde abacate conta que muitos moscovitas descolados encontraram na moda um canal para protestos políticos, uma espécie de manifesto fashion.

“Liberdade depende bem mais de você mesmo do que da política”, diz Anton Dyachkov. “Sempre me pedem para tirar os brincos ou perguntam porque amarro o cabelo, mas com o tempo você cria uma imunidade, já não sente mais nada. Meu protesto fica dentro de uma prisão psicológica.”

Mas aqueles que superaram o tal cárcere ideológico e decidem ostentar o seu protesto em roupas e acessórios também encontram alternativas para fazer a revolução fashion.

Uma das marcas que se tornou um fenômeno entre adolescentes moscovitas, a Sputnik 1985 ficou famosa por camisetas e blusas de capuz com frases escritas no alfabeto cirílico que remetem aos últimos suspiros da União Soviética, no início da década de 1990.

Os garotos e garotas que lotam a única loja da marca, escondida atrás de um portão cego no pátio interno de um prédio sem letreiro em Moscou, muitas vezes não sabem da história daquelas estampas, mas gostam da ideia de algo de outra época que desafia os controles da atualidade.

“Esses são os punks na praça Vermelha em 1991”, diz Nikita Lakhman, um dos vendedores da marca, mostrando uma camiseta com uma fotografia em preto e branco. “A Rússia era um país jovem que se abria para o mundo, e isso reflete uma atmosfera de liberdade.”

Estilistas como os da Sputnik, aliás, devem seu sucesso atual ao maior designer da Rússia pós-soviética. Gosha Rubchinskiy, endeusado por fashionistas em Moscou, foi o primeiro a traduzir em tecidos a rebeldia fuliginosa da perestroika há mais de uma década.

Essa é uma estética que continua alinhada ao que se vê nas ruas em tempos de Copa, já que sua maior inspiração eram os hooligans suburbanos, de casacos militares e amplos moletons. Na mágica operada pela moda e pelo lado mais bruto e marginal da cultura esportiva, são looks que trazem a periferia ao centro.

“É a ideia de uma pequena revolução russa”, dizia Michael Shishatski, um cliente da Sputnik, que comprava na hora três blusas da marca. “Só que é uma revolução discreta.”

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