Presidente da Fifa irrita colegas europeus ao defender mudanças no futebol

Dirigentes veem Infantino como um burocrata incansável e centralizador

Tariq Panja
Moscou

No saguão com piso de mármore de um hotel Hyatt em Kiev, Ucrânia, os líderes do futebol europeu estavam fofocando, no mês passado, sobre um de seus antigos colegas: Gianni Infantino, o presidente da Fifa.

Infantino trabalhou na Uefa, a organização que comanda o futebol europeu, por quase duas décadas, por fim ocupando um posto equivalente ao de presidente-executivo. Depois, em 2016, se tornou o candidato especialmente escolhido pela Uefa para o seu posto atual - a posição mais elevada no mundo do futebol. Mas passados dois anos, as palavras calorosas e os bons sentimentos que acompanharam Infantino quando ele deixou a sede da Uefa, perto do lago de Genebra, para assumir o comando da Fifa praticamente desapareceram.

Nos últimos meses, Infantino vem irritando seus pares, colegas e até mesmo alguns de seus partidários, ao tentar promover grandes mudanças no futebol, com novos torneios que transformariam o calendário internacional. Ele ofendeu os defensores do futebol feminino ao comparecer a uma partida em Teerã na qual a entrada de espectadoras estava proibida, e causou ira aos dirigentes africanos ao adotar medidas que, na opinião deles, foram concebidas para dificultar a candidatura do Marrocos a sediar a Copa do Mundo de 2026.

De fato, a despeito de uma sequência aparentemente interminável de aparições públicas e viagens por todo o mundo nos dois últimos anos, Infantino continua a ser um enigma: um administrador workaholic que comandou a solução de muitos dos problemas financeiros e operacionais da Fifa, mas cuja batalha para mudar a estrutura básica do esporte irritou grupos poderosos, o que pode colocar em risco sua reeleição.

Por isso, quando Infantino, 48, chegou a Kiev para a final da Liga dos Campeões, no mês passado, poucas semanas antes da abertura de sua primeira Copa do Mundo à frente da Fifa, ele encontrou tumultos políticos, ira crescente e alertas vindos até mesmo das pessoas que o conhecem melhor.

"Ele precisa desacelerar", disse Evelina Christillin, italiana que é membro do Conselho da Fifa e costuma apoiar Infantino. "Sou bem amiga de Gianni Infantino. Conheço-o há 20 anos. Sinto admiração verdadeira por ele. Mas há momentos em que ele é o típico italiano do sul, feroz".

Fazendo o gesto de um motorista que puxa o freio de mão de seu carro, um dirigente de futebol que conhece Infantino há anos explicou que, na passagem de Infantino pela Uefa, os dirigentes conseguiam extrair o melhor dele, mas ao mesmo tempo eram capazes de controlá-lo quando seus planos audaciosos ameaçavam causar resultados mais arriscados. Agora, disse o dirigente, esse freio de mão não existe. 

Cresce a resistência

Aqueles que o conhecem melhor descrevem Infantino, nascido na Suíça em uma família de imigrantes do sul da Itália, como um burocrata incansável, cujas ambições são comensuráveis com sua energia. Essas mesmas qualidades, e os problemas que as acompanham, foram exibidas abundantemente alguns meses atrás, em um momento tenso da reunião do Conselho da Fifa em Bogotá, Colômbia.

Na reunião, Infantino chocou os membros do conselho que dirige a organização ao anunciar que havia recebido uma oferta de US$ 25 bilhões para a criação de dois novos torneios - um valor tentador, mas que forçaria mudanças sérias no futebol profissional. O conselho da Fifa rejeitou seu apelo por aprovação acelerada do acordo, mencionando preocupações quanto ao calendário do futebol mas também sobre as cláusulas de confidencialidade que, segundo Infantino, o proibiam de revelar as identidades dos investidores envolvidos, até mesmo para os principais líderes do futebol mundial.

Mais ou menos na mesma época, dirigentes do futebol africano se queixaram de que a Fifa estava mostrando parcialidade contra a campanha do Marrocos para organizar a Copa do Mundo de 2026. Mesmo assim, os esforços para privar um comitê especialmente criado por Infantino de seus poderes para reprovar uma candidatura caso ela não cumpra os requisitos técnicos não tiveram sucesso. Depois da reunião, um membro africano importante do comitê expressou desânimo e fez críticas severas, dizendo que a Fifa havia manipulado o processo em desfavor do Marrocos e em prol dos bilhões de dólares de faturamento garantido pela candidatura da América do Norte (Canadá, México e Estados Unidos).

Membros veteranos do conselho da Fifa descreveram as cenas em Bogotá como sem precedentes em qualquer evento anterior da Fifa, com um debate que quase virou rebelião. Reinhard Grindel, presidente da federação alemã de futebol e membro do conselho da Fifa, conhecido por falar com franqueza, estava irritado durante a reunião, furioso por Infantino mal ter conversado com ele.

"Ele não quer ouvir opiniões", disse Grindel durante o evento.

Infantino recusou um pedido de entrevista para este artigo. Aceitou apenas responder por e-mail perguntas encaminhadas a ele, ainda que o The New York Times estivesse entre as organizações noticiosas convidadas para um briefing noticioso que ele comandou em Zurique em 4 de junho.

Perguntado sobre a resistência que enfrentou ao iniciar sua missão de reconstruir o futebol mundial, Infantino respondeu via e-mail que subestimou o quanto a organização resistiria a mudanças, depois da era repleta de escândalos de seu predecessor, Sepp Blatter, que foi forçado a deixar a presidência da Fifa em 2015.

Isso não aconteceu. Como presidente, Infantino responde pelas maiores decisões que a organização tem de tomar, e sua secretária geral, Fatma Samoura, senegalesa que foi funcionária das Nações Unidas, ficou marginalizada.

A Fifa não autorizou Samoura a conceder entrevista. Mas Miguel Maduro, que comandava a área de governança da organização, disse que o papel secundário a que ela se viu relegada se deve aos poderes quase totais que Infantino exerce quanto à seleção de pessoal.

Quando Infantino contratou Maduro, em 2016, a decisão foi elogiada como sinal de reforma na Fifa. Infantino encarregou Maduro, ex-advogado geral no Tribunal Europeu de Justiça, de criar um comitê independente de governança que, entre outras coisas, verificaria as qualificações dos candidatos aos principais postos na Fifa.

Nos meses seguintes, porém, essa independência causou problemas a Infantino. Dirigentes do futebol russo se queixaram de que a organização de Maduro havia se recusado a aprovar o nome de um ministro assistente da Rússia, Vitaly Mutko, para reeleição ao conselho da Fifa. A confederação asiática de futebol rejeitou as demandas de Maduro de que o número de mulheres em postos importantes fosse aumentado, e dirigentes africanos se queixaram ao descobrir que o comitê de Maduro talvez tivesse objeções aos resultados de uma eleição na confederação do continente.

Com menos de um ano de mandato, Maduro estava se preparando para embarcar em um voo para Bahrein, para o segundo congresso de Infantino na presidência da Fifa, quando o chefe de gabinete do presidente ligou e disse que ele não precisava comparecer. O mandato dele não seria renovado porque "a política" havia tornado sua posição insustentável.

"Eles sentem que precisam prestar contas ao cartel político que domina a Fifa mas não ao mundo externo, à opinião pública, à mídia ou aos torcedores", disse Maduro sobre a equipe de Infantino. "A escolha de Infantino, em última análise, foi pela sobrevivência política".

Joseph Weiler, professor de direito da Universidade de Nova York que fez parte da equipe de Maduro, foi uma das pessoas que renunciaram em protesto contra a demissão dele. Weiler apresentou uma queixa ética contra Infantino e outros dirigentes, acusando-os de interferir indevidamente no trabalho do comitê. Os resultados da investigação não foram revelados.

A Fifa afirmou que não comenta sobre as investigações de seu comitê de ética. Infantino já foi investigado e inocentado no passado, sobre a queixa de que usou um jato executivo pago pela organização para uma visita à sua mãe e para uma viagem ao Vaticano, onde se reuniu com o Papa Francisco.

Embora Infantino tenha assumido prometendo o fim da era dos excessos na Fifa - viagens em primeira classe, hotéis de cinco estrelas e salários anuais de US$ 300 mil para os principais dirigentes -, cumprir essas promessas se provou mais difícil que ele imaginava. Diversos membros do conselho da Fifa objetaram a um corte drástico em sua remuneração, e a Fifa teve de atenuar o corte e aceitar remuneração apenas ligeiramente mais baixa, de US$ 250 mil anuais para os membros do conselho.

Mas há quem defenda Infantino. Christillin, que disse que "ainda acho que ganhamos demais", apontou que Infantino havia arrastado a Fifa da posição "abaixo de zero" que ela ocupava quando ele assumiu. Vai demorar anos para que a reputação da organização seja recuperada, ainda que Infantino insista em que ela superou sua crise financeira - esta semana, a Fifa anunciará receita de US$ 6 bilhões no ciclo de quatro anos que conduziu à Copa do Mundo da Rússia. Ele demitiu cerca de 25% dos funcionários da organização.

Os patrocinadores ocidentais continuam ressabiados, porém. A Fifa não conquistou novos patrocinadores na América do Norte ou Europa desde a eleição de Infantino. Seus parceiros mais recentes vêm principalmente da China, e a Arábia Saudita, cujo crescente interesse pelo futebol incomoda alguns líderes regionais, também parece disposta a dar um empurrãozinho.

E apesar de toda a conversa sobre melhorar a imagem da Fifa, Infantino se viu envolvido em diversas controvérsias que poderiam ter sido evitadas. Na Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016, por exemplo, ele visitou o presidente da CBF, Marco Polo del Nero, e posou sorrindo para fotos com ele, ainda que Del Nero fosse alvo de um mandado de prisão do Departamento da Justiça americano, por acusações de corrupção e conluio.

Em seguida, em março, em meio a críticas severas ao envolvimento russo na morte de civis na guerra civil síria, Infantino aceitou ser filmado jogando futebol com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, no Kremlin, um compromisso contra o qual diversos assessores de Infantino o aconselharam. 

Política, sempre política

Nas últimas semanas, Infantino vem sentindo o quanto as águas políticas são traiçoeiras, no futebol internacional.

As discussões sobre uma Copa do Mundo de Clubes expandida - que abarcam as negociações secretas com investidores liderados pelo SoftBank do Japão - parecem ter afetado até o processo de seleção de organizadores para a maior joia na coroa da Fifa, a Copa do Mundo. Se as mudanças que Infantino busca adotar tivessem recebido apoio público dos dirigentes do futebol da América do Norte, a candidatura da região a sediar a Copa do Mundo de 2026 teria perdido apoio europeu essencial.

Mas contrariar Infantino tem seus riscos. De seu poleiro na Fifa House, nas colinas que cercam Zurique, Infantino ainda exerce considerável influência na Fifa e controla centenas de milhões de dólares em verbas muito cobiçadas para o desenvolvimento do futebol - dinheiro que representa todo o orçamento de muitas federações nacionais de futebol. Os homens e mulheres que trocavam fofocas sobre Infantino no saguão do hotel de Kiev no mês passado certamente estão cientes dessa equação política.

Por enquanto, na ausência de um desafiante sério ou de tropeços pessoais que o tirem do páreo, Infantino continua em posição para manter a presidência da Fifa, na eleição marcada para junho de 2019. Até lá, suas batalhas prosseguirão, e seus oponentes continuarão a protestar.

"Não se pode esperar escolher quando uma decisão importante terá de ser tomada ou uma discussão importante realizada", disse Infantino. "É isso que torna o trabalho difícil, mas também muito fascinante".

Tradução de Paulo Migliacci

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