Descrição de chapéu
Copa do Mundo

Sem a cara da Rússia, abertura da Copa virou videoclipe de exportação

País que emocionou o mundo com o ursinho Misha deixou a desejar

Carlos Maranhão
Moscou

A festa de abertura numa Olimpíada costuma atrair mais a atenção do planeta do que a maioria das competições que começam a ser disputadas depois que a tocha é acesa, os fogos de artifício acabam e as pombas partem em revoada. Muitas vezes, os melhores momentos da cerimônia ficam gravados na memória dos espectadores. Na Copa do Mundo, em geral acaba sendo uma chateação para quem gosta de futebol e não vê a hora da bola rolar. 

Mesmo assim, havia uma certa expectativa de que os russos, mestres do balé, da música e da arte circense, pudessem quem sabe surpreender com um show que lembrasse ao menos um pouco as lágrimas que o ursinho Misha derramou em 1980 ou o belo espetáculo dos Jogos de Inverno de Sochi ( (pronuncia-se Sôtchi), quatro anos atrás, conduzido pela menina Lubov.

Não houve nada disso. Para alívio de quem queria apenas ver o primeiro dos 64 jogos deste Mundial —mesmo sendo apenas o encontro dos até então desacreditados russos contra os débeis sauditas—, tudo se resumiu praticamente a uma breve exibição do cantor Robbie Williams e da soprano Aida Garafulina, com algumas coreografias mais ou menos previsíveis.

A cultura e as tradições russas foram deixadas de lado, exceto quando, quase em um clichê do gênero clássico ligeiro, o pianista Daniel Trifonov executou os acordes iniciais do Concerto nº 1 para piano e orquestra de Tchaikovski que serviram como trilha sonora das imagens de cartão postal de Moscou.

Ao optar por esse formato, os anfitriões abriram mão da propaganda política, descontado o discurso do presidente Vladimir Putin —ouvido em silêncio pelo público e aplaudido duas vezes, ao contrário do que aconteceu com Dilma Rousseff, alvo de vaias e pesados xingamentos no Itaquerão em 2014. Acabaram produzindo um videoclipe de exportação.

Nada nem de longe guardou semelhança com o grande musical de Sochi, no qual se sucederam Pedro, o Grande, Gagárin, Dostoiévski, Nabokov, a revolução de 1917, o jornal Pravda, o Sputnik, o Lago dos Cisnes, os personagens de Guerra e Paz, geleiras, estepes, dançarinos cossacos, a tabela periódica, o paraquedas e o que mais se pudesse imaginar dos orgulhos nacionais.

O ursinho Misha é mostrado ao mundo na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Moscou em 1980
O ursinho Misha é mostrado ao mundo na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Moscou em 1980 - 19.jul.80/France Presse- AFP

Muito menos foi possível ter qualquer recordação do que se viu no Estádio Central Lênin —que seria totalmente reconstruído e transformado no Lujiniki de hoje— naquele auge da guerra fria. Os Estados Unidos do governo Jimmy Carter haviam se recusado a participar dos Jogos de Moscou, em protesto à invasão do Afeganistão por tropas da União Soviética. Aliados americanos com peso político e esportivo, como Alemanha Ocidental, Japão e Canadá, aderiram ao boicote.

Os soviéticos, cujo império terminaria em uma década, escalaram Misha para tentar convencer a humanidade, com flores e e emoção, de suas boas intenções em prol da paz —enquanto preparavam a retaliação, recusando-se a participar, junto com seus satélites, da Olimpíada de 1984, que se realizaria em Los Angeles.

Vai ser difícil esquecer do ursinho e seu significado. Já os 15 minutos que antecederam a goleada de 5 a 0 que a Rússia aplicou na Arábia Saudita irão se apagar assim que Messi, Cristiano Ronaldo e Neymar entrarem em campo.

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