Descrição de chapéu Copa do Mundo

Estádios da Copa perdem a alma por semelhanças exigidas pela Fifa

Arenas têm conforto e segurança, mas dentro deles ninguém se sente na Rússia

Carlos Maranhão
Moscou

Na frente do maior estádio da Copa, o Lujniki, que será palco da final, há a imponente estátua de Lênin.

Um outro grande monumento, em homenagem a Spartacus, chama a atenção de quem chega ao Spartak, segundo estádio de Moscou utilizado nesta Copa do Mundo.

Vistas de fora, as arenas de Samara e São Petersburgo lembram naves espaciais.

Cada um dos 12 cenários deste Mundial tem, do lado externo, uma cara inconfundível. Ao entrar para ver as partidas, no entanto, a sensação se desfaz. Eles ficam quase idênticos.

 

Nas transmissões da TV, quando não se sabe qual é o local da partida, é preciso esperar que as imagens exibam, no meio do gramado, rodeado pelas placas mutantes de publicidade, o nome da cidade em que se realiza o encontro.

Foi de certa forma assim no Brasil, há quatro anos, na África do Sul, em 2010, e na Alemanha, em 2006. No Mundial da Rússia, porém, a padronização interna chegou a extremos nunca vistos.

"Houve uma pasteurização dos projetos [na Copa do Mundo], e o resultado é que ficou tudo igual", afirma Marcio Kogan, um dos mais premiados arquitetos brasileiros.

Como os rituais se repetem --as colossais bandeiras desdobradas na grama impecável, os times e os árbitros entrando juntos, os 90 segundos para a execução dos hinos, a contagem regressiva nos telões--, antes que a bola comece a rolar a impressão é que vamos ver, mais uma vez, a reprise de um espetáculo já apresentado no mesmo teatro.

Não por acaso. Dona do maior evento esportivo do planeta, ao lado dos Jogos Olímpicos, a Fifa preparou dois longos e minuciosos regulamentos, com um total de 205 páginas, para que absolutamente nada escape do figurino padrão do evento.

Antes de mais nada, os gramados devem ter precisamente 105 metros de comprimento por 68 metros de largura, embora a primeira das 17 regras do jogo seja mais flexível ao fixar suas dimensões.

Dada a rigidez, viraram quadras, como as de tênis e basquete. Nos dois círculos de arquibancadas, os assentos coloridos, inquebráveis e à prova de fogo, precisam manter uma distância de 85 centímetros entre os encostos, equivalente às poltronas dos aviões na classe econômica.

 

Menos vistos nas transmissões, os espaços entre os círculos abrigam as chamadas áreas de hospitalidade, ocupadas por patrocinadores, com setores VIP e VVIP (um nível acima), além da tribuna de honra.

São necessários nesses setores assentos mais largos e confortáveis, "escolhidos com grande cuidado", visibilidade completa e um serviço de refeições "cinco estrelas" para que os anfitriões "possam impressionar seus convidados", segundo os mesmos regulamentos.

O público também não percebe, salvo em imagens de relance, os detalhes dos vestiários. Mas é tudo estabelecido com minúcias: número de banheiros, chuveiros, tomadas, geladeiras e até secadores de cabelo (dois para os jogadores, um para os árbitros).

Sem dúvida, os estádios da Copa --do mesmo modo que os principais palcos de competições internacionais, incluindo os do Brasil-- tornaram-se mais confortáveis, funcionais e seguros. Mas perderam sua alma.

Não se trata de saudosismo, e sim de uma constatação: dentro deles, ninguém se sente na Rússia. São ambientes tão globalizados como os anúncios onipresentes, que podem estar grafados em inglês, chinês ou cirílico.

Compram-se nas máquinas automáticas chocolates americanos. Quiosques com funcionários vestidos de vermelho vendem um único refrigerante, uma única marca de cerveja, uma única água mineral. Aceita-se pagamento com cartão de crédito, desde que ele seja da bandeira patrocinadora do Mundial. A conta virá convertida em dólar.

"Estádios de Copa do Mundo deveriam servir para ser expressão da cultura do país que a sedia, mostrando a dimensão física e humana do seu território", afirma o arquiteto Mauro Munhoz, um dos responsáveis pelo projeto do Museu do Futebol de São Paulo. "O que eles têm a ver com a Rússia? Poderiam estar em qualquer lugar do mundo."

O embaixador André Corrêa do Lago, membro do comitê de arquitetura e design do MoMA de Nova York, levanta a hipótese de que as exigências da Fifa, aumentando o custo das obras, desestimularam as construtoras a contratar arquitetos melhores e mais ousados. Estima-se que tenham sido gastos cerca de R$ 15 bilhões com os estádios.

"Aeroportos, centros de convenções, hotéis e outros equipamentos urbanos também ficaram muito parecidos em todo o mundo por terem que seguir padrões e expectativas internacionais", diz Corrêa do Lago.

"É um desafio interessante para os arquitetos: como lidar com essas restrições e mesmo assim serem criativos."

Nas suas determinações às entidades filiadas, a Fifa defende a tese de que estádios têm que servir para as atuais e as próximas gerações de torcedores, o que justificaria seus intermináveis critérios de padronização.

Parece inevitável, porém, que algumas das arenas russas virem elefantes brancos, como aconteceu no Brasil e na África do Sul, ou se tornem obsoletas no futuro.

É o que se pode constatar em uma curiosa exposição sobre a história dos estádios soviéticos e russos aberta no Museu Schusev de Arquitetura, em Moscou.

"Na Rússia e em outros lugares do mundo se pergunta a mesma coisa: o que fazer com as velhas arenas?", escreve o arquiteto russo Eduard Akopian no livro de apresentação da mostra, da qual é o curador.

"Lugares legendários como o Maracanã e Wembley foram quase completamente destruídos, por força das atuais diretrizes no futebol. Até quando os novos estádios vão ser considerados relevantes? Talvez não por tanto tempo assim."

O custo dos estádios

Estádio Lujniki
R$ 1,39 bilhão

Estádio Spartak
R$ 1,09 bilhão

Arena Rostov
R$ 1,15 bilhão

Arena Samara
R$ 1,05 bilhão

Estádio Olímpico Fisht
R$ 1,59 bilhão

Estádio Kaliningrado
R$ 1 bilhão

Estádio São Petersburgo
R$ 2,42 bilhões

Arena Mordovia
R$ 1,1 bilhão

Estádio Nijni Novgorod
R$ 941 milhões

Arena Volgogrado
R$ 941 milhões

Arena Iekaterinburgo
R$ 738 milhões

Arena Kazan
R$ 1,14 bilhão

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