Descrição de chapéu Copa do Mundo

Sucesso inglês na Copa vira bandeira diante de crise política, diz escritor

Semi na Rússia contrasta com momento complicado de saída da União Europeia

Londres

Quando o país que sofre desde 1966 menos esperava, com um time modesto, sem astros e sem muita confiança da torcida, a seleção inglesa voltou a uma semifinal de Copa depois de 28 anos.

Agora a euforia tomou conta de Londres, e por todos os lados só se ouvem cantos de que “o futebol está voltando para casa” —até mesmo Eric Clapton e Justin Timberlake puxaram o coro em shows no último fim de semana.

A alegria na Rússia contrasta, entretanto, com um momento complicado da política do país, que negocia sua saída da União Europeia em meio a polêmicas e crises.

O escritor britânico Alex Bellos
O escritor britânico Alex Bellos - Carlos Cecconello - 11.04.2011/Folhapress

A semifinal, por exemplo, ocorre logo após o governo da primeira-ministra Theresa May perder dois de seus secretários e enfrentar forte pressão —o que levou o tabloide “The Sun” estampar em sua capa nesta terça uma “mensagem aos políticos” por uma trégua: “Vocês não sabem que tem um maldito jogo rolando?”, dizia a manchete.

Segundo o escritor Alex Bellos, a Copa está criando uma disputa política em torno da narrativa do avanço da seleção. Enquanto um grupo tenta usar as vitórias para mostrar a excepcionalidade do país em meio à separação da União Europeia, outro tenta mostrar que a seleção é formada em grande parte por imigrantes, que ajudam a fortalecer um país multicultural.

Formado em matemática e filosofia por Oxford, Bellos é autor do livro “Futebol: O Brasil em Campo” (Ed. Zahar), escrito enquanto viveu cinco anos no Brasil trabalhando como jornalista para o jornal “The Guardian” e para a rede BBC.

O livro é um retrato do Brasil usando o futebol como ponto de partida. Ele fala da realidade em cidades como Rio e São Paulo, mas também trata do esporte no Nordeste e Norte.

 

Qual sua impressão sobre o clima geral de empolgação dos ingleses com a Copa? 

As pessoas estão empolgadas e mal acreditam, mas, mesmo assim, elas não estão parecendo triunfalistas como no passado. Há poucas bandeiras da Inglaterra nas ruas. O país não está em um clima exageradamente nacionalista, e as pessoas parecem estar apenas aproveitando o momento e o fato de que tudo parece estar dando certo.

Minha principal percepção, entretanto, é pelas lentes do que está acontecendo na sociedade inglesa e britânica neste momento. É impossível ver qualquer coisa na cultura política atualmente sem falar sobre o “brexit” [o processo de rompimento do Reino Unido com a União Europeia] e as imensas divisões na sociedade.
Tradicionalmente, assim como se fala muito no Brasil, há uma expectativa de que o que acontece em campo tem reflexos na sociedade e na política. Se a seleção vai bem, há a expectativa de que o governo se beneficie disso. Se a seleção vai mal, isso pode atrapalhar os planos do governo.

Como acha que vai se dar essa influência? 

O que temos aqui na Inglaterra hoje é uma disputa pela narrativa da Copa e de como isso vai influenciar a política. Por um lado, há o discurso de que a Inglaterra é um país pequeno e isolado, mas capaz de alcançar muito mais do que se espera dela, e por isso não precisa do resto do mundo, e a separação da União Europeia será brilhante. Já vemos alguns comentaristas de direita fazendo discursos assim.

Por outro lado, os liberais, de esquerda argumentam que o time é formado por quase metade de jogadores negros, Harry Kane, principal estrela do time, tem ascendência irlandesa, Raheem Sterling nasceu na Jamaica, e muitos outros jogadores são de segunda ou terceira geração de imigrantes. Esta outra narrativa é parecida com a da França em 1998, indicando que este time é uma representação perfeita da Inglaterra multicultural. 

No momento, é difícil saber qual narrativa vai ganhar. No começo da Copa, a impressão era que os liberais e intelectuais tinham medo que a Inglaterra fosse bem, pois a seleção poderia ser usada pela direita, e hooligans sairiam destruindo tudo, mostrando o pior do país. Como o avanço está gerando uma reação diferente, mais saudável, e o principal tema é este de que o “futebol está vindo para casa”, as coisas mudaram.

 

O tom agora é mais amigável, liberal, bem humorado, e parece que o discurso da diversidade pode sair vitorioso junto com o time. É um debate interessante, e que em menos de uma semana vai passar por grandes disputas e depender do que acontece no campo.

Você se referiu à música “Three Lions”, que virou hino da Inglaterra na Copa com a frase “football is coming home” (o futebol está vindo para casa). Acha que esse sentimento de ser “a casa” do futebol é algo realmente forte entre os ingleses?

Não acredito que ninguém aqui pense realmente que, pelo fato de o futebol ter sido inventado na Inglaterra, o país merece ganhar a Copa. A música é de um programa de humor. Ela é muito irônica, e as pessoas entendem esse lado dela. É pura diversão. Os ingleses têm muito senso de humor, e as músicas das torcidas sempre apelam para o humor. É evidente que sabemos que os melhores jogadores do mundo não são ingleses, então é uma forma de se divertir.

Enquanto falamos da empolgação inglesa, o Brasil foi desclassificado novamente. Acha que isso muda algo na forma como o país é visto em termos de futebol?

Quem viu o jogo contra a Bélgica viu que o Brasil jogou bem, mas perdeu por azar, então isso não pesa tanto sobre a força do futebol do Brasil. Foi uma forma respeitável de deixar a Copa. Por outro lado, o mais marcante foi que o Neymar acabou visto como um simulador, mais preocupado com o cabelo e com a imagem, e que cai sempre que alguém toca nele.

 

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