Clube de amigos tenta colocar o Acre no mapa do futebol brasileiro

Time da região norte busca ir à divisão de acesso para a elite do Brasileiro

Marquinhos, Naldo, Vilson e Jeferson, jogadores do Atlético Acreano, se trocam no vestiário improvisado onde a equipe manda seus treinos
Marquinhos, Naldo, Vilson e Jeferson, jogadores do Atlético Acreano, se trocam no vestiário improvisado onde a equipe manda seus treinos - Manoel Façanha/Folhapress
Luiz Cosenzo
São Paulo

Campo esburacado para treinos, piscina de plástico para o trabalho de recuperação muscular dos atletas e folha salarial mensal de R$ 125 mil. A situação descrita é de uma equipe profissional que está próxima de ingressar na Série B do Campeonato Brasileiro.

O cenário é do Atlético Acreano, que está a dois jogos de chegar à divisão que dá acesso à Série A do Nacional. A última vez que uma equipe do Acre figurou na Segunda Divisão foi em 1991, quando o Rio Branco terminou na 60ª colocação entre os 64 participantes —na época, existiam apenas duas divisões.

Fundado em 1952, o clube inicia a disputa pela vaga nesta segunda (20), quando enfrenta o Cuiabá, às 21h, na Arena Pantanal, pelo jogo de ida das quartas de final da Série C. A partida de volta está marcada para o dia 27, no estádio Florestão, em Rio Branco, no Acre.

Quatro times sobem para a Série B. Se o Atlético Acreano chegar à semifinal, terá garantido o acesso. 

Atualmente, o Paysandu é o único representante da região Norte do país nas duas primeiras divisões nacionais. O Sudeste lidera com 16 times, seguido do Sul com 12. 

O Acre é um dos cinco estados brasileiros que nunca tiveram equipe na elite do futebol. Está junto com Roraima, Rondônia, Amapá e Tocantins.

A ascensão do Atlético Acreano começou há dois anos de maneira inusitada. Sem dinheiro para colocar o clube em campo na disputa do campeonato estadual, o então presidente Edson Izidório assinou uma procuração assegurando que passaria o cargo no final daquela temporada para Elison Azevedo, 43, que exercia a função de diretor de futebol.

Azevedo se uniu a dois companheiros de sala de aula: Álvaro Miguéis, atual treinador, e Francisco Geison Lopes, diretor financeiro. Eles se conheceram na Universidade Federal do Acre e tinham o sonho de assumir um time do Estado para colocá-lo no cenário nacional.

Desde então, a equipe conquistou dois títulos acreanos e no ano passado, o acesso para a Série C do Brasileiro.

"Durante uma aula, um professor afirmou que jamais uma equipe do Acre subiria para a Série B do Brasileiro. Eu lembro que o Álvaro peitou o professor e afirmou que no futuro mostraria que essa visão estava equivocada. Ele falou com convicção porque trabalhava em um projeto social com meninos de seis, sete anos", contou o presidente Elison Azevedo, empresário do ramo de call center.

"Quando comecei a estagiar, visitei vários projetos sociais e via muita qualidade nos meninos. Fiz o convite para treinar no Clube Atlético Juventus, onde comecei, e, desde então, eles me acompanham. Passei pelo Rio Branco e agora estou no Atlético Acreano", disse o treinador Álvaro Miguéis, 54, que afirma não ter se tornado jogador profissional "porque nunca quis".

Alguns desses garotos formam hoje a base do Atlético Acreano, que tem média de idade de 24 anos. Assim, a maioria do elenco —cerca de 80%— nasceu no Estado.

"Eles [jogadores] têm identificação, vontade de vencer e dar uma condição melhor para a família. Quando assumimos o clube, pagávamos no máximo R$ 1.500 e tinha gente que trabalhava e estudava. Eles acreditaram no projeto e hoje nosso teto salarial é de R$ 8.000. Fazemos por amor e com a ambição de colocar o futebol do Acre no cenário nacional", explicou Azevedo, que não se incomoda em falar da estrutura do clube.

A equipe treina em campo ruim, com terra e lama, e tem vestiário em condições precárias. O local não possui uma academia. No ano passado, os atletas usavam uma caixa d'água com gelo para fazer a reabilitação após as partidas. Atualmente, é utilizada uma piscina plástica infantil.

Com dois patrocinadores —Unimed Rio Branco e Supermercado Araújo— que custeiam 40% da folha salarial, os dirigentes tiram muitas vezes dinheiro do próprio bolso para fazer o pagamento, que acontece "sem atraso", segundo eles.

"Precisamos subir para estruturar o clube. Temos espaço para construir dois campos e potencializar a equipe com o trabalho nas categorias de base, mas sem dinheiro não conseguimos idealizar nossos projetos", acrescenta o presidente, que evita concentração nos jogos no Acre para não elevar os gastos.

Ao contrário das Séries A e B do Brasileiro, a terceira divisão não possui cotas de televisão. A CBF (Confederação Brasileira de Futebol) se responsabiliza com passagens aéreas acima de 700 quilômetros e cobertura das despesas de hospedagem e alimentação fora de casa.

Outra dificuldade do time é a logística de viagens.

O único voo do Acre com destino ao Distrito Federal e que tem as despesas pagas pela CBF sai às 3h20.

Após quase cinco horas e trinta minutos até chegar na capital federal, a equipe precisa fazer conexão para o lugar de destino.

"Sempre perdemos uma noite de sono. Desta vez, a viagem começará na madrugada de sábado e chegaremos em Cuiabá no final da manhã. Pela primeira vez, teremos mais de 24 horas para descansar.

Em outras partidas, chegamos no período da noite na véspera do jogo", contou Miguéis, que inclusive poupou o time inteiro na última rodada da fase de classificação, quando venceu o ABC por 1 a 0, fora de casa.

O objetivo era descansar os atletas antes da viagem para o jogo das quartas de final.

Na primeira fase da competição, o clube enfrentou times de Pernambuco, Natal, Bahia, Sergipe, Paraíba e Pará. Depois de liderar 12 rodadas, perdeu fôlego na reta final e se classificou na segunda colocação, atrás do Náutico.

Um dos jogadores que conhece o treinador do Atlético Acreano desde a infância é o volante Leandro, 24, que chegou no clube em 2016. Em seu primeiro ano na equipe, fazia jornada dupla para completar o salário.

Além de jogador, trabalhava como repositor em um minimercado na cidade. 

"Tinha que trabalhar para conseguir me sustentar, mas agora consigo viver apenas do futebol", disse o volante, que deve trocar de profissão em breve.

Formado em Ciências Contábeis, Leandro foi aprovado no ano passado em um concurso da Polícia Militar do Estado. Ele só não largou o futebol porque ainda não foi chamado.

"O futebol hoje é o momento, mas tenho que pensar no meu futuro. Assim que for chamado, eu vou largar", disse o atleta sem vislumbrar um futuro melhor no esporte mais popular do país.

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