Demissão de funcionário antigo após caso Sánchez causa revolta no Santos

Corte é visto como bode expiatório para poupar Peres; clube diz fazer mudança administrativa

Inscrição irregular de Carlos Sánchez ajudou a eliminar o Santos da Libertadores
Inscrição irregular de Carlos Sánchez ajudou a eliminar o Santos da Libertadores - Ivan Stort / Santos FC / Divulgação
Diego Garcia Alex Sabino
São Paulo

A demissão do coordenador do departamento de contratos, registros e transferências de atletas, Felipe Nóbrega, 31, que há 11 anos trabalhava no Santos, causou revolta nos bastidores da Vila Belmiro.

A saída do funcionário no mesmo dia da punição do clube pela Conmebol foi vista internamente como forma de usá-lo como bode expiatório para preservar profissionais contratados pelo presidente José Carlos Peres, que briga contra um processo de impeachment no clube.

Na visão de pessoas de diferentes áreas do clube, Peres quis se eximir de culpa pelo caso ao escolher um profissional sem ligações com ele como responsável pela escalação irregular de Carlos Sánchez na Copa Libertadores.

Após ter o empate em 0 a 0 da partida de ida transformado em derrota por 3 a 0, nesta terça-feira (28) o time foi eliminado pelo Independiente (ARG) nas oitavas de final.

“Ontem [terça], fui surpreendido com uma chamada do RH para informar minha demissão, sem que eu tenha sido informado pelos meus superiores. Me desenvolvi profissionalmente dentro do Santos, tenho amor incondicional pelo clube, mas a forma que está sendo dado esse desfecho para mim, por essa exposição que não partiu do clube, me deixa muito chateado. Saiu uma notícia que eu havia admitido que esqueci de mandar um email e isso não condiz com a verdade”, disse Felipe Nóbrega à Folha.

O ex-coordenador era responsável por checar sistemas como o BID, da CBF, e o Comet, da Conmebol —este dava condições de jogo a Sánchez, mas a entidade entendeu que uma confirmação direta também deveria ser feita pelo clube, o que não aconteceu.

Felipe Nóbrega preferiu não comentar sobre uma suposta intervenção política para a sua demissão.

“Não sei te dizer especificamente. O Santos passa por momento político complicado, sei que me atingiu em cheio, fui pego de surpresa”, afirmou.

Nóbrega vem sendo hostilizado em redes sociais e grupos de WhatsApp desde que vazaram notícias sobre a demissão. “Trabalhava no Santos há 11 anos, sempre pautado pela retidão de caráter, pela moralidade e amor ao clube. Na maioria das vezes, o Santos se sobrepôs à minha família e minha vida acadêmica, e sair dessa forma é decepcionante”, disse.

Peres é alvo de um processo de impeachment, acusado de ser sócio de empresas que têm entre as finalidades o agenciamento de jogadores, o que vai contra o estatuto social do clube.

No início de setembro, o Conselho Deliberativo do Santos colocará em votação o impedimento do mandatário. A comprovação de que erros da sua gestão tiveram influência na eliminação do clube poderia pesar contra ele no pleito.

O vice-presidente do Santos, Orlando Rollo, que está rachado com Peres desde o início da gestão, criticou a demissão de Felipe Nóbrega. “Nesse momento, é lamentável uma caça às bruxas. Não podemos descontar o acontecido em quem não tem esta responsabilidade. Ele (Felipe Nóbrega) apenas cumpria ordens”, disse Rollo.

Nóbrega se reportava ao departamento jurídico, que tinha Rodrigo Gama como gerente desde junho - ele veio do Atlético-PR. Gama classificou a demissão de Felipe como parte de uma reorganização interna.

“A dispensa do Felipe faz parte de reorganização administrativa que vem desde janeiro. Não tem relação direta com o ‘caso Sánchez’ e sim com a reorganização administrativa. Verificamos internamente que precisávamos mudar. Sentimos na nossa avaliação a falta de avaliações precisas, não é porque alguém errou. Ninguém errou”, disse Gama, que lembrou que outro funcionário do mesmo departamento já havia sido demitido na semana passada como parte desse processo de reorganização.

“O erro está na Conmebol. [A mudança no] Departamento de registros e transferências é mais um passo na reorganização administrativa”, completou Gama.

Em outras gestões, o departamento jurídico era o responsável por realizar a pesquisa de “nada consta”, como é chamado o procedimento para confirmar a condição de jogo dos jogadores.

Por exemplo, em torneios da CBF, o STJD é procurado para confirmar suspensões de atletas. No caso de torneios sul-americanos, é a Conmebol a responsável.

Responsável pela área, Gama afirmou que não recebeu nenhum pedido do departamento de registros sobre o caso. 

“Em nenhum momento passa pelo crivo do jurídico a análise prévia sobre o passado do jogador. Quem trabalha em conjunto é o departamento de futebol com o de registros. Somos um departamento consultivo. Se veio o problema para nós, trabalhamos por cima disso. Se não há dúvida, ninguém questiona. Nesse caso, o departamento [de futebol] não trouxe o problema”, disse Rodrigo Gama.

O departamento de futebol hoje tem Sérgio Dimas como gerente. Ele já havia sido demitido com Modesto Roma Júnior, mas foi recontratado por Peres neste ano. Procurado pela Folha, Dimas não se manifestou sobre o caso até a publicação. O presidente José Carlos Peres foi outro que ainda não respondeu.

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