Descrição de chapéu The New York Times

Jogador mais caro do mundo até 2017, Pogba vira pechincha

Ainda assim, francês não alcançou o patamar que se esperava no Manchester United

O meio-campista Paul Pogba em ação pelo Manchester United
O meio-campista Paul Pogba em ação pelo Manchester United - David Klein - 19.ago.18/Reuters
Rory Smith
Manchester | The New York Times

José Mourinho não teve de esperar muito para provar que estava certo.

Na metade da primeira temporada de Paul Pogba no Manchester United, quando persistiam questões e fervilhavam dúvidas sobre se seu desempenho valia os US$ 114 milhões (R$ 472 milhões) investidos na contratação do jogador, então uma quantia recorde, o treinador se tornou adivinho. Não ia demorar, acreditava ele, para que Pogba parecesse uma contratação "barata", em termos comparativos. 

"O verão que vem trará algumas surpresas, quanto a isso", disse Mourinho naquele momento. Ele acreditava que Pogba deixaria de ser o jogador mais caro do planeta, ao final da janela seguinte de transferências. Dentro de poucos meses, previu Mourinho, "jogadores com metade da qualidade dele custarão o mesmo preço".

Foi o que ele previu em fevereiro de 2017. Em agosto, o Paris Saint-Germain havia fechado acordo para pagar a multa rescisória de US$ 222 milhões do contrato entre Neymar e o Barcelona, e a profecia de Mourinho começou a se confirmar. O mesmo clube logo fechou negócio para pagar US$ 205 milhões por Kylian Mbappé, e o Barcelona, com os cofres cheios do dinheiro trazido pela saída de Neymar, deu US$ 105 milhões ao Borussia Dortmund para contratar Ousmane Dembele, e seis meses depois ofereceu US$ 182 milhões ao Liverpool por Philippe Coutinho. Embora seja difícil argumentar que Pogba joga duas vezes melhor que qualquer um desses futebolistas, nesse contexto o valor pago pelo United para contratá-lo começa a parecer menos extravagante.

 

Ainda mais importante é o efeito colateral que essas contratações causaram. Depois que Neymar alterou fundamentalmente a ideia do que representa valor no mercado de transferência, o Liverpool pagou US$ 96 milhões por um zagueiro de área e US$ 84 milhões por Alisson, o goleiro mais caro da história –pelo menos até o último dia 8 de agosto, quando o Chelsea investiu US$ 92 milhões para contratar Kepa Arrizabal. O Manchester City fez apenas uma  contratação, na janela de final de temporada: Riyad Mahrez. É difícil considerar que ele tenha vaga como titular garantida no time de Pep Guardiola, mas sua contratação custou US$ 77 milhões, a sétima mais cara na história do futebol britânico.

Exatamente como previu Mourinho, o valor pago por Pogba deixou de ser uma exceção e passou a representar apenas um portento da atual distorção do mercado.

Embora Mourinho tivesse razão, isso talvez não tenha acontecido pelas razões que ele imaginava. Custo não é o mesmo que valor. O custo de Pogba, o montante que o Manchester United pagou à Juventus para contratá-lo, não parece mais tão exorbitante. Mas seu valor é assunto completamente diferente.

O que aconteceu no mercado de transferências normalizou a quantia investida nele, mas isso não significa que Pogba tenha justificado o gasto. Mesmo agora, dois anos depois da transação, US$ 114 milhões não parecem representar uma contratação "barata", para tomar de empréstimo o termo usado por Mourinho.

O que aconteceu depois do final da temporada passada do Campeonato Inglês foi transformador para Pogba. Ao final da temporada passada pelo Manchester United, ele parecia um jogador imensamente talentoso, mas temperamental. Tanto em seu clube quanto na seleção francesa, havia quem duvidasse de que ele fosse capaz de domar seus instintos para servir o time, havia quem se incomodasse com seus penteados, sua presença na mídia social e sua atitude.

E ele voltou da Copa do Mundo como campeão.

 

Mais que isso, aliás: ele voltou como uma das figuras chaves na gloriosa e dourada campanha da França na Copa da Rússia. Não simplesmente por seu gol na final –o terceiro, e decisivo, que partiu o coração dos croatas–, mas pelo papel que desempenhou fora do campo.

Poucos dias depois da final, surgiu um vídeo que mostrava Pogba e os colegas de equipe reunidos em volta de uma mesa no vestiário da França no Estádio Lujniki, de Moscou, poucos minutos antes do início da final. Enquanto os colegas o ouviam, em silêncio, Pogba lhes disse que estavam "a 90 minutos de fazer História, um jogo". Ele os encorajou a lembrarem da dor da derrota na final da Euro 2016 —na qual a França foi derrotada em casa por Portugal —e os alertou de que a Croácia puniria qualquer falta de garra, de dedicação.

Ele havia feito mais ou menos a mesma coisa antes de vitórias anteriores contra a Argentina e o Uruguai. Como disse Adil Rami, seu colega na seleção francesa, "não sei como e não sei de onde, mas Paul Pogba se tornou um líder". Blaise Matuidi, meio-campista da Juventus e da seleção francesa, o descreveu como "um verdadeiro chefe".

Foi o momento de transformação de Pogba: um triunfo do qual ele não só participou, mas que ele comandou, o verão no qual todo aquele fervilhante potencial por fim chegou ao ponto de ebulição, e no qual todas as dúvidas ficaram para trás. Era costume dizer que Pogba não tinha maturidade para liderar, não tinha humildade para colocar o time, o apetite pelo trabalho, acima de tudo. A Rússia provou que nada disso era verdade.

Antes da primeira  partida do Manchester United na nova temporada, em casa contra o Leicester City, a capa da United We Stand, a revista dos torcedores do Manchester, foi dedicada a Pogba. Ele foi retratado diante do estádio Old Trafford, ao pôr do sol, com uma mochila preta pendurada do ombro, da qual emergia o topo dourado do troféu da Copa do Mundo. A chamada da capa citava a banda "Soul II Soul": "De volta à vida. De volta à realidade".

Se a intenção era capturar o clima tal qual visto de fora —o retorno ao cotidiano depois do escapismo da Copa do Mundo—, a capa encapsulava a situação de Pogba perfeitamente. O verão não causou a transformação que ele talvez esperasse. De volta a Manchester há algumas semanas, depois de férias longas na Califórnia e no Pacífico, ele talvez já estivesse sentindo que a Rússia não havia acontecido.

Pogba ainda se vê aprisionado em um relacionamento que só pode ser descrito como "instável", com o treinador José Mourinho, por mais que os dois afirmem o contrário. Ele continua a ser criticado rigorosamente sempre que o United fica abaixo das expectativas, e serve de para-raios para as muitas, e muito diversas queixas, de muitos, e muito diversos ex-jogadores. Pogba continua a sofrer por ter admitido que nem sempre tem "fome de bola" —uma expressão que ele usou depois da derrota do United em Brighton na semana passada.

José Mourinho conversa com Pogba durante jogo do Manchester United
José Mourinho conversa com Pogba durante jogo do Manchester United - David Klein - 19.ag.2018/Reuters

E seu futuro ainda continua incerto, graças ao seu agente, Mino Raiola, que na semana passada comprou briga na mídia social com o ex-jogador Paul Scholes, do United, que criticou Pogba na televisão. Depois de um verão em que tudo parecia ter mudado para Pogba, tudo parece continuar igual.

O motivo para isso é mais questão de especulação que de fatos. Os torcedores do Manchester United podem dizer que, para a imprensa, más notícias são boa notícia, quanto ao time deles: problemas vendem jornais. O menor tropeço que seja, da parte de Pogba ou de seus colegas, tende a gerar investigações que duram dias.

Uma análise menos passional talvez aponte que o United, o maior clube na maior liga do planeta, não tem como evitar escrutínio quando tropeça. Que isso aconteça com muito mais frequência agora do que, digamos, há uma década, deve-se ao time ter passado a tropeçar muito mais desde a aposentadoria de Alex Ferguson. Pogba muitas vezes ocupa posição central nas controvérsias porque ele é o melhor jogador do time.

As duas avaliações contêm uma falha crucial, no entanto: os problemas do United nos dois últimos anos, e o contraste entre o desempenho de Pogba na seleção francesa e sob o comando de Mourinho, não são invenção da imprensa. A maneira pela qual o problema é refletido não explica por que ele existe.

Mourinho sugeriria que a explicação é simples. Ele deixou perfeitamente claro, na pré-temporada deste ano, por meio de críticas constantes à diretoria do clube, de que precisa de mais dinheiro para jogar no mercado de transferência pós-Neymar e adquirir companheiros melhores para Pogba.

Outros podem apontar que a equipe do United –embora não tão talentosa quanto a da França– não é exatamente formada por amadores. Mourinho tem jogadores de muitas seleções sob seu comando, diversos dos quais ele mesmo contratou, a preços salgados. Talvez, então, o verdadeiro problema esteja em que não consegue inspirar Pogba da mesma maneira que o treinador da seleção francesa, Didier Deschamps, fez.

Mas essa é mais uma explicação que não sobrevive a análise. Pogba e Deschamps nunca foram assim tão próximos, e nos dias anteriores à Copa do Mundo havia rumores de que estavam rompidos. Pogba usou uma entrevista à revista France Football para sugerir ao treinador que mudasse seu esquema de jogo, e Deschamps rebateu criticando o desempenho do jogador. Pogba claramente é capaz de brilhar mesmo jogando sob o comando de um técnico de quem não gosta muito.

Existe uma outra possibilidade: a de que o contraste que se materializou entre o Pogba que emergiu na Rússia e o Pogba que existe em Manchester se deva não a alguma diferença inata nele, mas sim a uma diferença no contexto em que o jogador se vê colocado.

Pogba sempre deslizou em campo. Ele se move languidamente, sem esforço, cobrindo grandes áreas do gramado sem nunca parecer correr. Ele não se apressa em campo, não cerca ou persegue os adversários. Não ostenta muito sua capacidade física, seu esforço. Em lugar disso, é um jogador elegante, gracioso; um jogador de grandes momentos, de brilho repentino, mas não de luminosidade constante.

E é assim que ele "sempre foi", disse Pogba em sua entrevista à France Football.

"O que eu conquistei, conquistei sendo assim", ele disse. "Esse é meu estilo de jogo".

O problema é que, em certas situações, sua economia de movimentos pode ser entendida como falta de esforço. Pela França, na Copa do Mundo, bastou que seu jogo emergisse em determinados momentos; o futebol de seleções é muito mais descontínuo que o de clubes, e a elegância de Pogba, em jogos nos quais faltava ritmo e fluência, era um ponto positivo, e não negativo. O mesmo pode ser dito sobre o que Deschamps definiu como a capacidade dele para "fazer tudo" —ser o tipo de meio-campista que cada partida exigisse. Porque a França passou pela Copa com facilidade, vencendo sem parar, não havia motivo  para críticas a Pogba.

Pelo United, no Campenato Inglês –onde a força física sempre foi mais valorizada que o cérebro–, as coisas são diferentes. A Inglaterra sempre preferiu meio-campistas esforçados; qualquer coisa menos do que isso parece preguiça.

Quando o United não se encaixa, quando o United não vence, o fato de que Pogba não se enquadre a esse estereótipo é causa de críticas. E sua flexibilidade passa a ser um ponto fraco: não importa que tipo de meio-campista ele tenha sido no jogo, é sempre possível imaginar que ele poderia ter se saído melhor se escolhesse um caminho diferente.

Em suma, não é que Pogba mude. Ele não diminui em Manchester, ou cresce jogando pela França. Ele é sempre Pogba. Mas o valor que é atribuído a ele muda de acordo com aquilo que o cerca.

Tradução de Paulo Migliacci

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