Realidade paraolímpica do Brasil precisa ser mais inclusiva, diz presidente do CPB

Mizael Conrado quer mais mulheres e pessoas com deficiência severa em Tóquio-2020

Jairo Marques
São Paulo

A dois anos do início dos Jogos Paraolímpicos de 2020, disputados por atletas com deficiência, o Brasil, considerado potência mundial da competição, pretende levar a Tóquio uma delegação renovada, mais jovem, com maior presença feminina e com mais competidores com limitações severas.

A avaliação é do presidente do Comitê Paralímpico Brasileiro, Mizael Conrado, 40, ex-atleta do futebol de 5 —disputado por jogadores com deficiência visual—, que assumiu a função em março do ano passado, no lugar de Andrew Parsons, atual presidente mundial do órgão organizador da paraolimpíada, o IPC.

“A mulher necessita de uma atenção especial para que possa ter igualdade de oportunidades não só nos esportes, mas em toda a sociedade. Quando se fala de mulher com deficiência, o quadro se agrava mais. No caso de pessoas com deficiência severa, é a mesma coisa”, diz Mizael.

Ele espera que o Brasil fique entre os dez melhores países no Japão, ciclo para o qual dispõe de R$ 500 milhões. Ele, no entanto, acredita que a atual geração de atletas irá dar seus melhores resultados apenas nos Jogos de 2024, em Paris.

Presidente do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) posa para foto
Mizael Conrado, presidente do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) desde março de 2017, posa para foto - Foto: Patricia Stavis - 24.ago.2018/Folhapress


O sr. tem ampliado aspectos sociais do comitê e dado menos holofote para o esporte de alto rendimento. Por que a mudança? Continuamos com os programas de alto rendimento e ampliamos. Mas, de fato, em nosso planejamento até 2025 aumentamos as nossas ações inclusivas. A missão do comitê é promover o esporte paraolímpico e a inclusão da pessoa com deficiência em todos os aspectos. Nesse sentido, estamos trabalhando com crianças da rede pública, vamos fazer um festival de promoção dos esportes paraolímpicos com alunos com e sem deficiência. Além disso, vamos capacitar em oito anos 100 mil professores de educação física para atuar com crianças com deficiência. Só vamos conseguir massificar o esporte paraolímpico e criar oportunidades para essas crianças se tiver gente preparada para isso nos colégios.

Entre as metas para 2020, o comitê coloca a ampliação da participação feminina e de pessoas com deficiência mais severas nos Jogos. A realidade paraolímpica precisa ser mais inclusiva no Brasil? Não tenha dúvida. Precisa, sim. Essas metas não são por acaso. A mulher necessita de uma atenção especial para que ela possa ter igualdade de oportunidades não só nos esportes, mas em toda a sociedade. Quando se fala de mulher com deficiência, o quadro se agrava mais. No caso de pessoas com deficiência severa, é a mesma coisa. Elas enfrentam grande dificuldade de acesso, têm de ter uma pessoa o tempo todo para auxiliá-las, o que tem um custo.

 A delegação vai passar por renovação, necessidade que ficou aparente no Rio? Com toda certeza. Esse é um diagnóstico preciso. Desde 2009, quando o comitê soube que o jogos seriam no Brasil, montou-se um time muito competitivo que mostrou resultado já em Londres, em 2012, quando ficamos em sétimo lugar. No Rio, batemos o recorde de medalhas (72), embora tenhamos ficado em oitavo. Isso acabou comprometendo um processo de desenvolvimento de novos atletas. E é isso que estamos fazendo hoje, com escolinhas de esportes. Estamos com 445 crianças a partir de oito anos treinando semanalmente. Além disso, criamos uma seleção dos melhores atletas saídos da paraolimpíada escolar. Isso vai nos ajudar a não ter entressafra de atletas. É uma geração que visamos para 2028, 2032. A geração de Londres começou a decair no Rio, e em Tóquio isso deve se acentuar. Então, naturalmente, estamos trabalhando com novos nomes, atletas muito jovens que darão frutos a partir dos Jogos de Paris, em 2024.

No Rio, o Brasil teve uma chuva de pratas (29) e ganhou menos ouros do que em Londres (21, contra 14). É possível avançar nesse ponto? Espero sim. Tivemos uma boa participação, mas, sim, faltaram mais medalhas de ouro. Embora conquistar 72 medalhas no total [foram 43, em Londres] seja um grande resultado. Estamos numa fase muito importante que é a revisão das classificações [que determina que tipo de deficiência disputa junto uma prova] do atletismo e da natação. Todos os atletas vão ser reclassificados e isso vai promover um rearranjo de forças. Dois campeões mundiais e paraolímpicos da Itália, por exemplo, agora estão na mesma categoria do Daniel Dias [nadador multicampeão]. Caso isso não mude, podemos ser bem prejudicados. Por isso, é preciso cautela para falar em medalhas de ouro no momento.

Ao, mesmo tempo, o sr. traçou meta de o Brasil ficar entre os dez melhores de Tóquio. Queremos ficar na melhor posição possível. Não tenho dúvida de que quando falarmos em 2028, 2032, com todos os programas de formação que estamos realizando, o Brasil vai brigar com as cinco principais potências do mundo. Hoje precisamos nos consolidar entre os dez melhores. 

O comitê tem cinco anos, no mínimo, para administrar o centro de treinamento paraolímpico, legado mais importante dos Jogos do Rio, que custou R$ 230 milhões. O que esperar do espaço? No ano passado realizamos 172 eventos no centro. Neste ano serão 204. Temos o projeto de escolinhas de formação e cerca de 40 clubes treinando semanalmente aqui. Seleções permanentes de diversas modalidades treinam aqui. O centro vai ser a ferramenta mais importante para que possamos crescer no esporte paraolímpico.

O que sr. pensa sobre realizar Olimpíada e Paraolimpíada conjuntamente? Sou bastante contrário. O avanço do esporte paraolímpico foi significativo a partir da criação dos Jogos exclusivos, em 1988 [Seul]. A repercussão só existe por conta da estrutura específica e da atmosfera criada pelo olimpismo. 

O futebol de 5 do Brasil vai continuar imbatível [o país ganhou ouro em todas as quatro edições que contaram com a modalidade]? Temos de ter cuidado. Não podemos colocar essa responsabilidade toda sobre eles. Torço para que nossa hegemonia não acabe, mas precisamos desonerar um pouco os meninos e a comissão técnica.

Mizael Conrado, 40

Advogado, é presidente do CPB (Comitê Paralímpico Brasileiro) desde março de 2017 e também vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. Bicampeão paraolímpico no futebol de 5, foi considerado melhor jogador do mundo na categoria, em 1998. É cego desde os 13 anos devido a um descolamento de retina. Tem dois filhos

 
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