Descrição de chapéu The New York Times

Acusações de racismo prejudicam candidatura da Alemanha a sede da Eurocopa

Após a Copa, meia Özil deixou a seleção alemã e fez críticas à federação do país

O meia Mesut Özil  e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan
O meia Mesut Özil e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan - 13.mai.18/Associated Press
Tariq Panja
Munique | The New York Times

Para Reinhard Grindel, presidente da federação de futebol da Alemanha, o momento é complicado, em seus esforços para promover a candidatura do país a sediar a Eurocopa de 2024; na verdade, qualquer coisa relacionada à seleção alemã, que até alguns meses atrás era considerada um símbolo da unidade do país e uma das forças mais insuperáveis do futebol, se tornou complicada.

No começo do mês, uma multidão carregando bandeiras da Alemanha e fazendo saudações nazistas desfilou pelas ruas de Chemnitz, no leste do país, perseguindo os transeuntes de pele escura, enquanto a polícia, em inferioridade numérica no começo do tumulto, só podia observar.

As imagens do acontecido se espalharam pelo planeta, e se tornaram mais um acontecimento que Grindel e a DFB, a federação alemã de futebol, passaram a ter de explicar. A federação vinha tentando há semanas se defender de acusações de racismo e discriminação, surgidas depois que Mesut Özil, um armador que fez parte da seleção alemã campeã do mundo em 2014, decidiu abandonar a equipe, que foi eliminada da Copa do Mundo de 2018 depois de um desempenho historicamente desastroso.

“Sou alemão quando ganhamos mas imigrante quando perdemos”, escreveu Özil em uma longa mensagem uma semana depois do final da Copa do Mundo, da qual a Alemanha foi eliminada depois de ficar em último lugar de seu grupo na primeira fase, o pior desempenho do país desde 1938.

Agora, as acusações de discriminação e intolerância feitas por um ídolo do futebol que tem raízes na numerosa comunidade turca da Alemanha vieram a ocupar posição central na campanha alemã para sediar a Eurocopa de 2024, o segundo maior torneio interseleções do futebol, abaixo apenas da Copa do Mundo. O único rival da candidatura alemã? A Turquia.

Grindel, 61, foi político, parte da União Democrata-Cristã liderada pela chanceler [primeira-ministra] Angela Merkel, e disse que a declaração de Özil representava um ponto baixo em sua trajetória como dirigente, ainda mais baixo que a eliminação da Alemanha pela Coreia do Sul na Copa do Mundo. O alvo das queixas de Özil parece ter sido mais a pessoa de Grindel do que a federação que ele dirige.

Os comentários de Özil —justos ou não— representam um desafio fundamental à imagem que a federação tenta cultivar desde que a Alemanha organizou com sucesso a Copa do Mundo de 2006. Começando com aquele evento, a DFB vem promovendo o futebol como uma força de integração racial e religiosa.

Passados 12 anos, se uma figura como a de Özil, sempre destacada como um dos símbolos dessa integração, se sentiu compelida a deixar a seleção de maneira tão controversa, o que isso revela sobre a Alemanha moderna, no momento em que ela busca garantir o direito de sediar seu primeiro grande torneio internacional desde aquele mês ensolarado de alegria e futebol 12 anos atrás?

“Todos achávamos que o esporte poderia ser capaz de integrar as pessoas à sociedade, mas isso provou não ser verdade”, disse Gunter Gebauer, filósofo e especialista em esportes na Universidade Livre de Berlim.

As palavras incendiárias de Özil surgiram depois que o jogador e a federação cometeram uma série de erros. A crise começou em maio, antes da Copa do Mundo, com uma pose fotográfica imprudente em Londres. Özil e um colega de ascendência turca na seleção alemã, Ilkay Gundogan, posaram para uma foto ao lado do presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, autoritário e nacionalista, um dia antes que a lista inicial de convocação da seleção alemã seria anunciada.

Os jogadores enfrentaram reações adversas imediatas. Jornalistas alemães questionaram sua lealdade ao país em que ambos nasceram, e cidadãos comuns recorreram à mídia social para postar mensagens abusivas e ameaças a eles.

Joachim Löw, o treinador da seleção alemã, Oliver Bierhoff, seu diretor geral, e Grindel se reuniram para decidir como administrar a crise. Eles decidiram manter os dois jogadores na seleção, ainda que reportagens tenham afirmado que Grindel inicialmente desejava barrar Özil. Os dois futebolistas foram recebidos pelo presidente da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, depois das críticas ao seu encontro com o líder turco.

Gundogan, que recorreu a um psicólogo por conta da controvérsia, divulgou um comunicado no qual explicava seus motivos para o encontro com Erdogan. Özil decidiu não fazê-lo, depois de ser informado por dirigentes da federação de que a questão havia ficado no passado e que ele deveria se concentrar na preparação para a Copa do Mundo, de acordo com pessoas próximas a ele.

Os torcedores apupavam os jogadores a cada vez que eles pegavam na bola, nos amistosos preparatórios para a copa da Rússia, e chegaram a comemorar quando um jogador adversário fez uma falta sobre Gundogan. A escola em que Özil estudou quando criança, em Gelsenkirchen, onde ele apoia programas para crianças filhas de imigrantes, cancelou uma visita que o jogador faria antes da Copa do Mundo.

Apostando em que a seleção iria longe na Rússia, dirigentes da federação presumiram que o país logo esqueceria esses erros. Mas aí vieram as derrotas para o México e a Coreia do Sul, nas quais Özil não foi, nem de longe, o pior jogador em campo pela seleção alemã. Mas ele recebeu muitas críticas, de qualquer forma, por ter causado um racha na equipe, e houve acusações de que não jogou como alemão.

Ainda que Grindel tenha declarado em entrevista ao The New York Times que não culpava Özil pelos problemas da Alemanha na Copa, ele teria apreciado que o jogador revelasse os motivos para sua reunião com Erdogan. Özil, 29, já havia se encontrado com Erdogan cerca de uma dúzia de vezes, previamente, sem reações adversas.

“A única coisa que pedi a Mesut foi que ele fizesse uma declaração sobre isso, para voltar a uni-lo aos torcedores, porque minha expectativa era a de que ele voltaria a jogar em nossa seleção no futuro”, disse o dirigente.

Cem Ozdemir, um dos mais importantes políticos de origem turca na Alemanha, disse que posar com Erdogan era “um desrespeito para com as pessoas que estão sendo multadas ou presas arbitrariamente na Turquia”. A Alemanha vem protestando de maneira especialmente intensa contra a detenção de ativistas de oposição e jornalistas pelo governo turco, entre os quais alguns detentores de passaportes alemães.

Grindel e as autoridades alemãs reconheceram que deveriam ter agido de maneira mais decidida quando surgiu a controvérsia. Em lugar disso, permitiram que ela se expandisse e que as questões quanto à fidelidade de Özil a causa nacional ressurgissem. E logo em seguida Özil anunciou que não jogaria mais pela seleção, fazendo referência a comentários de Grindel quando este era legislador, nos quais pareceu ter questionado que multiculturalismo e integração fossem compatíveis.

“Meu objetivo era não termos pessoas separadas dentro de um só país, com todo mundo fazendo o que quer e sem contato; há mulheres que vivem há 30 anos na Alemanha e não falam uma palavra do idioma”, disse Grindel. “Minha atitude era unir as pessoas”.

Katarina Barley, ministra da Justiça da Alemanha, foi uma das poucas figuras públicas a oferecer apoio a Özil. “É um sinal de alarme que um grande futebolista alemão como Mesut Özil não deseje mais jogar pelo país por conta do racismo e por não se sentir representado pela federação alemã”, ela declarou.

Em Munique, duas semanas atrás, no primeiro amistoso da Alemanha depois da Copa do Mundo, contra a seleção campeã do torneio, a França, os comerciantes da Goethestrasse —uma via dominada por restaurantes turcos e barracas de frutas e lojas de varejistas de origem turca, que vendem camisas de futebol da Alemanha e da Turquia lado a lado— lamentavam o impacto da controvérsia. Eles disseram que os comentários atraíram atenção negativa a toda a comunidade turca. Alguns deles, a exemplo de Ali Mahir Zeytinoglu, 25, disseram que Özil estava só expressando o que muitos filhos de imigrantes turcos sentem.

“Temos de respeitar um ao outro, esse é ponto”, ele disse. “Mas o problema é que algumas pessoas não nos respeitam”.

Zeytinoglu, nascido em Munique, filho de turcos, disse que se sentia turco e alemão igualmente, um sentimento que ele compartilha com Özil, que descreveu ter dois corações, um turco e um alemão.

Gebauer, o filósofo e especialista em questões esportivas, disse que “na Alemanha, as pessoas têm extrema dificuldade para compreender que alguém possa ter dois passaportes, duas nacionalidades e ser fiel a dois países”.

Embora a Alemanha continue favorita para superar a Turquia e sediar a Eurocopa 2024, os líderes da campanha alemã expressaram preocupações com as acusações de racismo de Özil; ainda que considerem que elas não tenham mérito, acarretam o risco de gerar uma votação muito mais disputada.

Autoridades turcas e os líderes do comitê organizador alemão mencionaram a questão diversas vezes, desde que surgiu o escândalo.

De fato, as consequências do caso Özil e uma onda de hostilidade aos imigrantes que ganhou força em algumas partes do país, depois do influxo de mais de um milhão de refugiados sírios, tornam mais urgente ainda que a Alemanha sedie o torneio, disse Bierhoff.

“É essa a razão para que tenhamos de ter a Eurocopa de 2024, para mostrar ao mundo que esse este país é diferente”, disse Bierhoff. “É claro que você nem sempre tem tudo do jeito que gostaria, mas a maioria das pessoas da Alemanha é diferente. Precisamos mostrar isso.

Diante da França, Gundogan entrou em campo vindo do banco de reservas no segundo tempo, e foi recebido com uma mistura de aplausos e vaias, um sinal da indignação que muita gente talvez continue a sentir quanto àquele dia de maio.

“Isso precisa acabar já”, disse Löw depois da partida, um empate sem gols. “Se um jogador da seleção nacional é vaiado, isso não ajuda a pessoa alguma”. Löw insistiu em que Gundogan defende os valores alemães. “Ele nasceu aqui, sua família e amigos vivem aqui”.

O compromisso do futebol alemão quanto a acolher minorias não deve ser questionado, disse Grindel. Ele disse que havia 50 mil refugiados e pessoas em busca de asilo inscritas em muitos dos 25 mil clubes de futebol alemães. A DFB também convidou diversos de seus representantes para diversidade, entre os quais o atacante brasileiro Cacau, que é negro e defendeu a Alemanha na Copa do Mundo de 2006, para conversar com a imprensa internacional. Cacau disse jamais ter sofrido racismo, em quase duas décadas na Alemanha.

Mas há pouca diversidade no comando da DFB. Os dirigentes de primeiro escalão não representam a Alemanha moderna que o comitê organizador da candidatura alemã alardeia. Pode ser que surjam mudanças, mas por enquanto o foco é conquistar o direito de sediar a Eurocopa, em uma votação que acontecerá em 27 de setembro. Um fracasso seria inaceitável, especialmente por a candidatura rival ter sido montada pela Turquia de Erdogan.

“Isso seria horrível para os alemães, pior que qualquer coisa”, disse Gebauer. “Eu diria que Erdogan é o homem mais odiado da Alemanha”.

Tradução de Paulo Migliacci

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.