CBF muda empresa vencedora de licitação após concorrência

Confederação assinou com firma que não existia nas datas das ofertas e dos contratos

Fachada do prédio da CBF, na Barra da Tijuca, no Rio - Ricardo Borges/Folhapress
Catia Seabra Diego Garcia Paulo Vinicius Coelho
São Paulo

Envolvida em uma série de escândalos nos últimos anos, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) havia prometido dar mais transparência aos seus negócios. Mesmo assim, se envolveu em nova polêmica. Desta vez, após realizar concorrência para comercialização dos direitos TV do Nacional para o exterior e de publicidade estática a partir de 2019, a entidade trocou a vencedora sem fazer nova licitação. E assinou com uma empresa que sequer existia durante o processo de disputa ou nas datas dos contratos.

A Folha teve acesso à apresentação que a confederação fez aos 20 clubes da Série A, com as propostas de oito empresas diferentes. A BR Newmedia, que ofereceu R$ 550 milhões, foi participante do processo e escolhida como vencedora da licitação por comissão formada por representantes de cinco clubes.

Porém, no contrato que foi enviado para assinatura dos clubes, ao qual a Folha também teve acesso, a empresa que aparece como detentora dos direitos é a BR Foot Mídia. O acordo ainda prevê pagamento de comissão de 10% (R$ 55 milhões) do contrato para a CBF, quase o dobro do que vai receber cada clube individualmente.

 

Patrícia Coelho, sócia da BR Newmedia que participou do processo de concorrência, confirmou à Folha que a BR Foot Mídia é uma empresa diferente da sua. “Estou totalmente fora do negócio”, disse.

Quando a CBF procurou os clubes para promover a licitação, em julho do ano passado, a BR Foot Mídia não existia —ela foi criada com o nome de Quasar em 18 de agosto de 2017, com capital de apenas R$ 100.

Só em 4 de julho de 2018 a Junta Comercial do Estado de São Paulo (Jucesp) outorgou a mudança de nome da empresa para BR Foot Mídia, e seu capital subiu para cerca de R$ 150 milhões. O contrato com a CBF é de 18 de junho deste ano, antes mesmo, portanto, da existência da firma que coloca seu nome nos documentos. 

A empresa é representada pelo advogado Caio Cesar Vieira Rocha, ex-presidente do STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) entre 2014 e 2016, durante as gestões José Maria Marin e Marco Polo Del Nero à frente da CBF.

Rocha afirma que as duas empresas - BR Foot Mídia e BR Newmedia - eram formadas pelo mesmo grupo de investidores. A única mudança seria a saída de Patrícia do negócio. 

Walter Feldman, secretário-geral da CBF, confessou a troca, mas defendeu que não foi uma substituição. Ele qualificou a mudança de empresas como um “aperfeiçoamento”.

“Houve uma primeira apresentação, era da BR Newmedia a proposta, depois houve uma transição quando foi aprovada. A análise jurídica da equipe é que não haveria contradição quanto a isso”, disse.

Segundo a CBF, não haveria problema na mudança das empresas porque o teor da proposta não foi modificado. “A proposta é a mesma, os componentes são os mesmos”, disse Walter Feldman.

Até agora, 18 dos 20 clubes da Série A assinaram o contrato com a BR Foot Mídia. Flamengo e Atlético-PR, porém, apresentam resistência.

“Tudo isso foi decidido com os clubes. Na última reunião, o Flamengo estava presente e concordou, inclusive dizendo que representava também o Atlético-PR”, disse Feldman.

Os dois clubes resistem a assinar o acordo pois dizem ter em mãos uma proposta do fundo de investimento Prudent Group, de Luxemburgo, que seria mais vantajosa.

Por essa proposta, que não foi apresentada no processo de licitação promovido pela CBF, os clubes dividiriam US$ 200 milhões (R$ 820 milhões) pelo direito de transmissão do Brasileiro no exterior a partir de 2019, em um contrato de 10 anos de duração.

Além do aporte inicial, a proposta inclui o rateio de 50% da arrecadação após o retorno do capital, que, segundo o fundo, poderia chegar a US$ 3 bilhões no período. Não haveria, porém, pagamento de comissão para a CBF.

Como comparação, a oferta da BR Foot pelo mesmo item é de R$ 110 milhões por quatro anos —os outros R$ 440 milhões seriam pela venda das placas de publicidade.

Para Feldman, a nova proposta não seria vantajosa.

“Fazer um contrato de 10 anos é no mínimo temerário. Daqui a quatro anos, com uma boa prospecção de mercado, nosso contrato pode ser muito superior”, avaliou. “Se a Prudent colocasse 10 anos [de duração de contrato] no processo concorrencial seria desqualificada”, completou.

Hélio Viana, intermediário da oferta da Prudent, por sua vez, acusa a confederação de não ter publicado edital ou convocação para a licitação.

“Não houve concorrência. Tive que insistir para ser ouvido pela CBF”, disse Viana.

A Folha teve acesso à troca de ofícios entre a Prudent e a CBF. Nela, a confederação descarta o fundo por apontar que o processo de seleção já está concluído, apesar de não ter a assinatura dos 20 clubes da Série A.

A entidade também afirma que a Prudent não deu informações sobre as estratégias de exploração e distribuição dos direitos. “É uma informação essencial para os clubes”, diz a CBF, apesar de os times também desconhecerem as estratégias da BR Foot Mídia.

“O contrato não tem esse nível de detalhe, porque o primeiro compromisso da BR Foot é fazer o diagnóstico do mercado e depois realizar um sistema de cogestão com os clubes e a CBF”, disse Roberto Trinas, diretor de marketing do Palmeiras.

Em carta enviada à Prudent, a CBF também apontou que o fundo não deu garantias de que teria condições financeiras de arcar com a oferta.

O CEO do Flamengo, Bruno Spindel, foi aos EUA se reunir com o fundo para verificar a robustez da proposta.

“Estive em Miami e pareceu uma empresa séria para honrar o que está propondo. Além de oferecer mais dinheiro de cara, oferece porcentagem sobre a visibilidade. Mais do que o dinheiro, é importante que o futebol brasileiro seja visto no mundo todo”, disse.

Luiz Araújo, diretor da Prudent Equity Partners, braço do Prudent Group que cuida de investimentos, confirmou os valores oferecidos. “A proposta é oficial, mas a CBF não quis ouvir”, disse Araújo.

O presidente do conselho deliberativo do Atlético-PR, Mario Celso Petraglia, também criticou a postura da confederação. “A CBF colocou em dúvida a oferta da Prudent dizendo que era impossível ser de US$ 200 milhões pagos antecipadamente”, afirmou. 

 

Até a última quinta (13), o Corinthians estava ao lado de Flamengo e Atlético-PR na questão, mas o presidente Andrés Sanchez recuou e aceito a proposta da BR Foot Mídia.

“Esperei 45 dias e não chegou nenhuma proposta, então não vou ficar enrolando os outros”, justificou Andrés.

O diretor de relações internacionais do Corinthians, Vicente Candido, contesta a versão de seu presidente.

“O Bruno [Spindel] viajou com autorização para representar Corinthians e Atlético-PR, e o fundo confirmou visita ao Brasil, que incluiria uma visita à Arena [Itaquerão]”, disse.

De olho no dinheiro, outros clubes desejam uma resolução rápida para o imbróglio.

“Se perdermos [a oferta da BR Foot] por dois ou três, será desrespeito. Se não quiserem participar, não criem entrave, criando perspectivas melhores que não se confirmam”, disse Romildo Bolzan Júnior, presidente do Grêmio.

Escândalos recentes da CBF

A CBF se viu envolvida em uma série de polêmicas nos últimos anos por conta de acusações de corrupção e recebimento de propinas de seus dirigentes em negociações por direitos de transmissão e placas de publicidades no futebol brasileiro e internacional.

Em abril de 2018, o então presidente Marco Polo Del Nero foi banido do futebol pela Fifa. Ele era homem de confiança de José Maria Marin, seu antecessor, preso pelos mesmos motivos em maio de 2015 na Suíça em operação do FBI. Antes dele veio Ricardo Teixeira,  suspeito de ter recebido propina em negociações de direitos de transmissão e sedes de Copas do Mundo.

Em abril do ano passado, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Celso de Mello atendeu a um pedido da Procuradoria-Geral da República e enviou uma investigação sobre a cúpula da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) para a Justiça Federal no Rio de Janeiro.

O inquérito apura suspeitas de crimes contra o sistema financeiro, sonegação fiscal, lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, estelionato e falsidade ideológica, entre outros, supostamente cometidos por Del Nero, Teixeira e Marin.  Ministério Público Federal disse ser imprescindível que se apurem os indícios de que houve a participação de dirigentes da CBF em delitos.

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