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Como a Juventus quer fazer dinheiro gastando fortuna com Cristiano Ronaldo

O clube italiano espera que o craque português o torne uma marca mundial

O atacante português Cristiano Ronaldo comemora o primeiro gol marcado pela Juventus, diante do Sassuolo, pelo Campeonato Italiano, no último domingo (16)
O atacante português Cristiano Ronaldo comemora o primeiro gol marcado pela Juventus, diante do Sassuolo, pelo Campeonato Italiano, no último domingo (16) - Miguel MEDINA - 16.set.2018/AFP
Murad Ahmed
Turim (ITA) | Financial Times

Faltam 15 minutos. A bola corre pela grande área. E Cristiano Ronaldo —possivelmente o melhor futebolista de sua geração, adquirido recentemente pela Juventus por 100 milhões de euros— chega atrasado, perde o chute e com ele a oportunidade de marcar em sua estreia jogando em casa pelo clube italiano.

Mas em meio aos 40 mil torcedores que assistem ao jogo no Allianz Stadium de Turim, Andrea Agnelli, o presidente da Juventus —o homem que assina os cheques— se levanta para aplaudir. O fato de que um colega de equipe tenha desviado a bola para o fundo da rede depois do erro de Cristiano Ronaldo ajuda, mas o verdadeiro triunfo, diz o executivo, foi convencer o atacante português a aceitar o convite do clube.

“Foi a primeira vez que o lado comercial e o lado esportivo da Juventus trabalharam juntos para avaliar os custos e os benefícios [de uma contratação]”, diz Agnelli, herdeiro da família bilionária que é dona do clube há 95 anos. “A oportunidade de adquirir Cristiano Ronaldo foi avaliada rigorosamente... e fazia sentido, em campo e fora dele”.

Em campo, o clube não precisa de Cristiano para dominar o futebol italiano. A Juventus, o mais bem sucedido dos clubes da Itália, conquistou sete títulos consecutivos da Série A. Mas não conseguiu o título em edições recentes da Liga dos Campeões, perdendo a final do torneio mais prestigioso da Europa duas vezes nos últimos quatro anos. Já Cristiano Ronaldo venceu as três últimas finais pelo Real Madrid.

Fora de campo, a Juventus acredita que o jogador represente uma oportunidade financeira sem paralelo, descrita por executivos como “o efeito Ronaldo”. 

Há quem argumente que imperativos de curto prazo não deveriam ser misturados à estratégia comercial do clube em longo prazo.

“No Bayern de Munique, se eles trazem um jogador, o encaixe tem de acontecer do ponto de vista esportivo e não do ponto de vista de marca”, disse Jörg Wacker, conselheiro do clube alemão. “É claro que Cristiano Ronaldo é um embaixador para a marca, [mas] ele foi embaixador para o Real Madrid. Talvez dentro de cinco anos ele pare de jogar. Para nós, o maior foco é o clube, não o jogador”.

Para contratar o atacante, a Juventus concordou em pagar 100 milhões de euros ao Real Madrid em dois anos, mais cinco milhões de euros aos clubes que formaram o jogador, e cerca de 12 milhões de euros de comissão ao seu agente Jorge Mendes.

O contrato de Cristiano Ronaldo inclui um salário anual de 50 milhões de euros isento de impostos, de acordo com reportagens. O pacote de remuneração também permitirá que a Juventus use seus direitos de imagem, e com isso que o atleta —que fatura US$ 47 milhões ao ano em contratos de publicidade— seja usado em campanhas promocionais do clube.

A consultoria KPMG estima que, incluindo o custo de transferência amortizado ao longo do contrato, a Juventus pagará 340 milhões de euros, ou 85 milhões de euros anuais, pelos serviços de Ronaldo.

Para satisfazer as normas de fair play financeiro criadas para forçar clubes a não operar no vermelho, a Juventus dispensou outros jogadores de salários altos. Mas o impacto da contratação de Cristiano Ronaldo, que deve ser contabilizado este ano, lançará o clube a uma segunda temporada de prejuízos.

Nos 12 meses até 30 de junho de 2018, a Juventus sofreu prejuízo de 19,2 milhões de euros, sobre receita de 504,7 milhões de euros, ante lucro de 42,6 milhões de euros, sobre receita de 562,7 milhões de euros, na temporada anterior.

Os executivos acreditam que a contratação de Cristiano Ronaldo se pagará, com o tempo, ao compensar a maior fraqueza comercial do clube: jogar na Itália. Nas décadas de 1980 e 1990, a Série A era considerada a melhor liga de futebol do planeta. Mas terminou superada.

De acordo com a consultoria Deloitte, a Premier League da Inglaterra recebe 3,3 bilhões de euros anuais em direitos de televisão, nacionais e internacionais. La Liga, a liga espanhola, gera dois bilhões de euros por ano em direitos televisivos.

Na liga italiana, a receita com TV é de apenas 1,4 bilhão de euros. Ainda que assistida avidamente em seu país, a Série A não atrai grandes audiências internacionais.

A Juventus está apostando que a adoração mundial a Cristiano Ronaldo vá despertar mais interesse pelo futebol italiano. Mas porque a Série A tem contratos televisivos em vigor até o final da temporada de 2020/2021, uma alta na audiência do futebol italiano trará poucos benefícios imediatos.

“É preciso encarar o fato de que existem clubes na parte de baixo da classificação da Premier League que poderiam pagar pelos serviços de Cristiano Ronaldo”, diz Stefan Szymanski, que estuda o setor de esportes na Universidade do Michigan. “Isso não tem a ver com a estratégia desses clubes, mas sim com o domínio mundial exercido pela Premier League”.

Ao contrário de muitos de seus rivais na Série A, a Juventus sempre lota seu estádio, e o estádio, construído ao preço de 150 milhões de euros e inaugurado em 2011, pertence ao clube. A Juventus deve elevar os 56,4 milhões de euros que faturou em 2017/2-18 com a venda de ingressos e camarotes empresariais.

Uma participação forte na Liga dos Campeões —a Juventus estreia jogando fora, contra o Valencia, na quarta-feira— é essencial. O clube passou da fase de grupos do torneio nas últimas cinco edições. Conquistar o título poderia valer até 130 milhões de euros em diretos televisivos e prêmios.

Como alguns de seus pares, Agnelli deseja que o futebol seja reordenado para permitir mais jogos contra os grandes da Europa e menos jogos contra times pequenos locais.

“A Liga dos Campeões é uma competição difícil e imprevisível”, diz Massimiliano Allegri, treinador da Juventus. “Com Cristiano Ronaldo, nossa probabilidade de vencer aumenta”. Mas mesmo os executivos do clube aceitam que a chegada do jogador não basta para garantir sucesso em campo.

A verdadeira esperança em Turim é que Cristiano Ronaldo impulsione o valor dos contratos de patrocínio da Juventus. Em 2017, graças ao forte desempenho na Europa, o clube faturou mais com direitos televisivos do que o Manchester United, o clube mais rico do mundo em termos de receitas.

Mas ainda que a equipe inglesa venha enfrentando dificuldades em campo nos últimos anos, embolsou quase 200 milhões de euros a mais que a Juventus em patrocínios.

Ser considerado parte da elite do futebol faz diferença. De acordo com pesquisas da Nielsen, o mercado geral de patrocínio futebolístico, que movimenta 11 bilhões de euros ao ano, vem crescendo em 2% anuais. Mas o ritmo de crescimento dos 10 maiores clubes, entre os quais a Juventus, é de 12%.

O dinheiro vem principalmente de fabricantes de materiais esportivos e do patrocínio nas camisas. No caso da Juventus, estamos falando da Adidas, da Alemanha, e da montadora de automóveis Jeep, controlada pela Fiat Chrysler, na qual a holding da família Agnelli detém 30% de participação.

Os contratos valem 40 milhões de euros à Juventus por ano, de acordo com a KMPG. Já o United fatura 156 milhões de euros anuais por seus contratos com a Adidas e a Chevrolet.

Cristiano Ronaldo pode ajudar a reduzir essa distância. Sem oferecer números, a Juventus afirma que está a caminho de bater recordes com a venda de material esportivo nesta temporada. Embora o clube receba apenas uma pequena porcentagem dessas vendas, a alta deve permitir que negocie contratos melhores da próxima vez.

“Existe uma correlação muito, muito forte e clara entre o número de camisas vendidas por ano no planeta e o valor do contrato”, diz Giorgio Ricci, vice-presidente de faturamento e de parcerias mundiais da Juventus.

O clube já está negociando a renovação de seu contrato com a Adidas em termos melhorados, de acordo com pessoas informadas sobre a negociação. Elas também dizem que a Jeep deve fazer o mesmo nos próximos anos.

Ronaldo também traz estrelato de um tipo diferente. Ele está entre as personalidades mundiais mais acompanhadas na mídia social, com um total de 330 milhões de seguidores em plataformas como Facebook, Twitter e Instagram. O Juventus aumentou seu número de seguidores nas mídias sociais em 10 milhões de pessoas só em julho.

Nas quartas de final da última Champions, Cristiano Ronaldo, atuando pelo Real Madrid, fez um gol de bicicleta contra a Juventus
Nas quartas de final da última Champions, Cristiano Ronaldo, atuando pelo Real Madrid, fez um gol de bicicleta contra a Juventus - Alberto PIZZOLI - 3.abr.2018/AFP

Ricci diz que isso ajuda a convencer os patrocinadores quanto à popularidade crescente do clube. A Juventus está negociando com seis novos potenciais patrocinadores “regionais” na China e Sudeste Asiático, e existem outras empresas multinacionais interessadas em conversar, ele diz.

Mas Szymanski aponta que a Juventus continuará a ser prejudicada pela relativa falta de projeção do futebol italiano internacionalmente. “É a televisão que traz os patrocínios, e não o contrário”, ele diz. 

“Posso compreender que a Juventus, ao tentar desenvolver uma estratégia para um clube que joga na Série A, não tivesse muitas escolhas. Essa talvez seja sua melhor oportunidade. Mas será que vai dar certo, sem um renascimento mais amplo do futebol italiano? Acho complicado”.

Para a Juventus, é um desafio. O clube quer ganhar importância mundial e Agnelli acredita que Cristiano Ronaldo ajudará a garantir para a equipe uma posição permanente entre os líderes do futebol mundial. Mas para isso, quando o atacante se aposentar o dono da Juventus terá de atrair outro prodígio do futebol, mais jovem.

“Temos de estar em posição de garantir o próximo Cristiano Ronaldo”, ele diz. “Mas aos 25 anos de idade”. 

Tradução de Paulo Migliacci

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